Realizado no fim de semana no Rio de Janeiro, dentro do ambiente da Marina da Glória – pela primeira vez fora do espaço do MAM -, o Tim Festival foi uma mostra da boa e diversa música que circula no mundo em um só evento. Foram mais de 30 mil pessoas assistindo a shos para todos os gostos, alguns dos melhores que o país recebeu este ano.
Se não teve o Kraftwerk, a modernidade eletrônica dos franceses do Daft Punk deu conta de colocar o público em contato com a música mais futurística que o planeta conhece hoje. Se não trouxe a banda mais incensada do momento, como Strokes no ano passado, serviu muito bem com o rock ousado do Yeah Yeah Yeahs.
Se não teve o peso do ineditismo de um Sonic Youth, foi um acerto promover o retorno dos Beastie Boys ao Brasil depois de muitos anos. Nos três dias de evento, um desfile de alguns dos principais artistas e bandas nacionais e internacionais da atualidade, sejam novos ou veteranos.
Daft Punk
O futuro deu a tônica no show mais esperado da primeira noite. O Daft Punk nunca tinha vindo ao Brasil e mesmo fora daqui os shows são muito raros. A oportunidade de presenciar a experiência audiovisual foi recompesadora. No palco, dois robôs sem instrumentos clássicos, apenas com equipamentos digitais e uma parafernália de som e imagem.
Os franceses entraram em cena ao som da trilha de “Contatos Imediatos do Primeiro Grau”. Era a senha. Os presentes testemunhavam um espetáculo alienígena. O recado subliminar para os desavisados era: o futuro chegou. Vestidos com modernos capacetes e jaquetas de couro e instalados dentro de uma pirâmide gigante, a dupla Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo controlavam a descarga de batidas, efeitos, samples e ruídos.
Numa viagem pelo universo eletrônico, sem se prender a estilos, os dois franceses soltavam trechos de suas músicas de forma desconexa, indo e voltando para as próprias crias, seja com parte dos vocais, seja com batidas. A ordem era remixar tudo num grande set desordenado.
E se a dupla se escondem atrás da não-identidade para ressaltar a importância do som, é impossível assistir ao show impassível e sem fixar os olhos no palco. A iluminação, as luzes, as imagens, o telão de luzes com frases já valiam o ingresso. O único mal é que uma hora e 20 minutos acabou sendo muito pouco. Quem foi e gosta de fazer listas dos melhores shows da vida, com certeza vai incluir este.
Yeah Yeah Yeahs – Se o Daft Punk apontou para o futuro, o grupo novaiorquino Yeah Yeah Yeahs se utilizou de diferentes referências da história do rock para oferecer outro ponto alto do evento. Garage rock, punk, indie, noise, new wave embalado por um trio de garotos (em alguns momentos adcionados por mais um componente) visivelmente satisfeitos com a música que faziam e com a recepção do público.
A banda demonstrou em palco uma grande capacidade de unir energia, diversão e boa música em composições criativas e agressivas. Mesmo sem ofuscar a banda, a vocalista Karen O é um diferencial absurdo em cima do palco. Demente, saltitante, simpática, divertida, é uma doce menina que se transforma em um mostro no palco. Berra cantando, alterna a voz entre o doce e o agressivo, pula, faz pose, dança, usa máscaras, capote e capas, detona e chama a atenção para si.
O show, baseado no CD recém-lançado “Show your Bones”, mostra que a banda está rapidamente deixando de ser uma simples aposta do novo rock.
Beastie Boys – Para completar a tríade dos shows históricos do Tim Festival deste ano, os já experientes Beastie Boys mostraram, na última noite, outro lado da música contemporânea. No palco, como diz uma música do grupo: três MC´s e um DJ.
Não precisava mais do que isso. Enquanto um som potente, com graves altíssimos, scratches sensacionais e uma técnica impressionante saia das pick-ups do DJ Mixaster Mike, o trio Mike D, MCA e AD-Rock se revezavam nos vocais mandando uma sequência matadora com os hits do grupo, de “Brass Monkey” e “Root Down” a “Body Movin”, “Intergalactic” e “Ch-Ch- Check it Out”. O público inteiro reagia como se fosse o último show da vida. Catarse total.
No biz, descobre-se que havia uma bateria, uma guitarra e um baixo escondidos por baixo de panos pretos. Se com um Dj, a massa já estava insandecida, quando empunharam os intrumentos, sem mesmo precisar dar um acorde, ninguêm se conteve em êxtase. Era o final apoteótico que faltava e não tinha como terminar melhor. “Sabotage”. Arrebatador.
Segundo pelotão – Entre mais de trinta atrações era impossível dar conta de tudo. Divididos em três espaços para shows, além de um outro para quem não queria pagar os altos preços dos shows principais, as atrações de jazz e afins começavam mais cedo. O principal nome, Herbie Hancock, teve um show tão disputado que não havia lugar nem para os jornalistas.
Entre shows lotados, celebridades circulando, a juventude dourada do Rio de Janeiro, poucos shows não agradaram. Talvez a maior frustração foi o grupo de funk carioca de curitiba, o Bonde do Rolê. O trio vem fazendo certo sucesso no exterior com suas batidas repetitivas, mescladas com samples de sucessos do mundo rock e uma vocalista sem noção cantando sons engraçadinhos inspirados na música dos morros cariocas. Nem a participação da rainha do funk, Deise Tigrona salvou. Funciona só para gringos atrás de sons exóticos.
Entre os nomes nacionais escalados quem conseguiu agradar público e crítica, foram os pernambucanos do Mombojó. O grupo mostrou que não precisa ser exótico para apresentar uma musicalidade brasileira, criativa e particular. Candidata fortíssima para ser o próximo grande nome da música brasileira, souberam aproveitar bem a oportunidade para mostrar sua música para um público pouco curioso, mas aberto a novidades. Com mais segurança no palco e apresentando uma mescla de bossa-nova, rock, eletrônica, lounge…, o grupo agradou bastante.
Entre as outras atrações nacionais, a cantora Céu acabou não cumprindo tão satisfatoriamente o posto de revelação, enquanto o gaúcho Marcelo Birk fez um show que não fazia diferença. Parecia não se importar se estava tocando num dos principais eventos de música do país, ou num bar para meia dúzia de amigos, o show deve ser o mesmo. Já o grupo paulista Instituto agradou com um rap mesclado a black music.
A presença da Bahia nos palcos ficou a cargo de Caetano Veloso. Escaldo nos últimos dias para tentar tornar mais atranteo palco em que foi colocado, acabou sendo responsável por fechar o evento. Era mais de 2 horas de segunda-feira quando o veterano cantor e compositor entrou no palco. No dia anterior, numa chamada para o show, algumas vaias susgiram. A expectativa era grande. Caetano ia apresentar seu novo show, baseado num disco mais rock, para um público que costuma renegá-lo e que curte sons mais atuais.
No palco, seus três músicos pupilos e um repertório totalmente focado no último disco, “Cê”. Em certos momentos funcionou como proposta um pouco mais ousada de um músico sessentão. Em outros, a idade mostrou que a música não está tão diferente assim do que já vinha fazendo, com excelção de alguns arranjos. Resultado um show morno, mas que agradou a platéia, especialmente os artistas e amigos de Caetano presentes.
O melhor do show ficou para o final, com um biz regado ao melhor do que o baiano já fez na carreira, mas que andava esquecido há muito pelo próprio. “You Don´t Know me”, “Mora na Filosofia” e algumas das músicas do antológico disco “Transa”, melhor disco do santa-amarense lançado em 1972.
Mais gringos – No segundo pelotão se destacaram o DJ Shadow, com um misto de músicas de todos seus discos, inclusive o primeiro e clássico “Entroducing”. O californiano apresentou muita competência para desfilar um misto de eletrônica experimental e rap, reforçado por um MC mais animado do que precisava. Assim como no Daft Punk, além do som se destacava o trabalho visual. Só que aqui controlado pelo próprio Shadow em sincronia com a música e as batidas. Impressionante.
Patty Smith agradou bastante com sua pose rock´n´roll com direito a pé no amplificador, muitas cusparadas no palco e discursos politizados. Soltou seu clássicos e fez um excelente show para quem estava interessado, mas sem nada de sensacional. Abriu o show com “Gimme Shelter” e fechou muito bem com “Gloria”.
Mesmo sem seus equipamentos originais, extraviados na viagem, o TV on the Radio fez um bom show, uma banda correta, com bons músicos e canções bacanas. Agradou aos indies. O Thievery Corporation botou todo mundo para dançar com mistura de ritmos mundiais, da Índia ao Brasil. Da África, o casal de cegos Amadou & Mariam mostrou por que vem sendo apontado na Europa como um dos grandes nomes da música fora do pop Ocidental. O folk correto, mas sem grande brilho de Devendra Banhart, não fez muito sentido e não fez tanto sucesso quanto se esperava. Daqueles que se encontram aos montes e não faria muita diferença estar ali ou não. Valeu mais pelo cover que fez de “Lost in Paradise”, de Caetano Veloso (resgatando a melhor fase do baiano), e o bis, com um reggae-rock bacana.
Apesar de ser taxado como o Tim Festival mais fraco, a edição de 2006, mostrou atrações quase sempre com grandes shows. Se previamente poucas delas se destacavam como algo imperdível, no final ficou a sensação de que mais uma vez o evento foi obrigatório para quem curte música pop em seus mais diversos gêneros. É esperar 2007. Minhas apostas e desejos: Radiohead, Clap You Hands Say Yeah (ambos cogitados para edição desse ano), Air, Raconteurs, Flaming Lips….