Moraes Moreira é revivido com álbum, faixa inédita, discografia nas plataformas, exposição e outras novidades

Falecido em 2020, Moraes Moreira segue sendo lembrado e referenciado à altura de sua importância. O artista tem recebido nas últimas semanas um conjunto de novidades em torno de sua obra. A discografia completa nas plataformas de streaming, faixa inédita, e exposição dão novos holofotes à trajetória de um dos grandes nomes de nossa música. No horizonte, há ainda um álbum novo, músicas raras, documentário, biografia e livros nunca lançados.

Moraes sempre foi daqueles artistas que gostava de apresentar suas produções focadas no presente e não se prender ao havia feito no passado. Por isso, durante todos esses anos, boa parte de sua discografia permanecia inédita nas plataformas de streaming, alguns inéditos inclusive em CD. Agora, finalmente, todos os álbuns do baiano estão disponibilizados para o público em ambientes como Spotify e Deezer. Do que permanecia de fora, 14 obras do cantor e compositor acabam de chegar a essas plataformas. São álbuns, coletâneas e compactos, com foco especial na produção dos anos 1980. 

Dos oitos álbuns de carreira, alguns são marcantes e importantes na trajetória do artista baiano, como Moraes Moreira (1981), Coisa Acesa (1982) e Mancha de Dendê Não Sai (1984). Tem também Mestiço é Isso (1986), o título mais vendido entre os disponibilizados. Essa parte da discografia engloba especialmente a segunda fase da carreira solo, quando se mudou para a CBS / Sony Music no período que foi de 1984 a 1991. Leia mais sobre cada um dos álbuns disponibilizados mais abaixo.

Saíram também quatro coletâneas, Brilhante – Moraes Moreira (1997), Vinteum XXI – 21 Grandes Sucessos (2000) e As Melhores (2002), e outra com Pepeu Gomes. Entre os dois compactos, o destaque é Moraes Carnaval Moreira 86 (1985), com as músicas “Cara de Robô” (Fausto Nilo e Moraes Moreira) e “República da Música” (Moraes Moreira).

A intensa produção vai aparecer também através de um novo álbum com frevos compostos por Moraes. Com produção do filho Davi Moraes e Pupillo, arranjos de sopros dos maestros e mestres do gênero, Spok, Duda, Nilson Amarante e Henrique Balbino, o trabalho terá participações de Criolo, Maria Rita, Céu, Lenine, entre outros. 

Mas seguindo a lógica de sempre trazer novas produções, há ainda material inédito para chegar à tona, já que há letras rascunhadas e composições nunca lançadas feitas com parceiros como Fausto Nilo e Fred Goes. Além de um trabalho com o filho Davi Moraes, que revelou, em matéria do Jornal O Globo, a existência de 15 poemas nunca lançados que foram passados pelo pai para serem musicados por ele.

A primeira desta faixas póstumas inéditas que ganhou vida é uma parceria de Moraes com Carlos Rennó. Em 2017, o compositor, letrista, jornalista e escritor paulista mandou para o artista baiano uma letra, que foi musicada e ganhou registro caseiro de voz e violão. A pedido de Rennó, a faixa ganhou voz, guitarra, baixo e percussão de Davi Moraes e foi lançada no dia 5 de outubro.

“Baião para uma baiana em São Caetano”, segundo Rennó, foi criada originalmente para ser um samba, mas ele decidiu mudar para um baião, inclusive no título. “Curiosamente, por um desses paradoxos inerentes à criação de música popular ou da Arte de modo geral, a canção acabou virando espécie de samba à moda e ao estilo de Moraes, a despeito do ‘baião’ do título”, explicou Rennó ao blog de Mauro Ferreira. “Passei a letra para o Moraes e ele, magistralmente, a musicou como se tivesse feito letra e melodia juntas, ao mesmo tempo”.

A faixa integra o repertório do álbum Muita lindeza – Letras de amor de Carlos Rennó e músicas de parceiros, que inclui composições com outros nomes, como Marcelo Jeneci, Moreno Veloso, Samuel Rosa, João Bosco, entre outros.


 
 
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Há outras produções em torno de Moraes a caminho. Uma delas é uma biografia escrita por seu irmão José Walter Pires, que pretende imprimir um olhar íntimo sobre a trajetória do baiano. Batizada como Moraes Moreira – De cantor para cantador, a obra será assinada em parceria com o cordelista e jornalista potiguar Crispiniano Neto e lançada pela editora cearense Imeph.

Responsável por lançar em 2018 o cordel A história dos Novos Baianos, de autoria do próprio Moraes, a editora tem planos de lançar outros dois livros de autoria do artista. Um deles é o infantil A Lenda do Pégasus, de co-autoria com Jorge Mautner e ilustrado por Silvana Menezes, além de outro, ainda sem título, com poemas selecionados pelo cantor. Existe ainda um livro mostrando o lado místico de Moraes, com poemas sobre runas que permanece inédito nas mãos de uma editora do Rio de Janeiro. 

Diretora de filmes como Capitães da Areia e o documentário Reggae Resistência, a carioca Cecília Amado vai realizar um doc focado na vida e obra do artista, que deve ser lançado em formato série. O projeto esta sendo construído com Davi e Ciça, filhos do mestre, que também estão lançando um canal no Youtube contando causos do pai e recebendo parceiros para comentar os álbuns.

Para entender melhor essa trajetória de um garoto que saiu do interior baiano e se tornou um nome fundamental na música brasileira, a exposição Mancha de Dendê não sai – Moraes Moreira, é um ótimo caminho. Depois de inaugurada e receber mais de 25 mil pessoas em Salvador, a exposição chegou ao Rio de Janeiro, no dia 10 de dezembro, e fica aberta ao público de forma gratuita até 12 de fevereiro, de terça-feira a domingo, no Museu Histórico da Cidade, na Gávea.

É uma grande oportunidade não só de mergulhar na obra de Moraes como cantor e compositor, mas conhecer mais de seu universo de uma forma diferente, já que a exposição é uma imersão sensorial em sua obra. O acervo destaca a versatilidade de Moraes, suas composições, parcerias musicais, sua relação com o carnaval, sua poesia e as contribuições à literatura.

Depois da capital fluminense, a exposição segue para Fortaleza, terra de um dos maiores parceiros de Moraes, Fausto Nilo. Na sequência ainda tem Brasília, que vai receber Mancha de Dendê não sai  no espaço da Caixa, como um dos projetos aprovados no Programa Caixa Cultural, além de Recife, que está em negociação para receber a exposição.

OS ÁLBUNS DISPONIBILIZADOS:

Em 1981, vivia a melhor fase da carreira. Vinha de uma sequência de grandes álbuns com vários hits, além de composições de bastante sucesso nacional com intérpretes diversos, entre elas “Eu Também Quero Beijar”, na voz de Pepeu Gomes e “Festa do Interior”, cantada por Gal Costa. Curiosamente, o próprio Moraes passou 1981 sem um grande hit cantado por ele mesmo. O trabalho daquele ano, o segundo com o título Moraes Moreira, seguiu a linha do anterior com produção do próprio artista e direção musical de Mazzola. Trazia dez músicas autorais, divididas com diversos parceiros (exceção a uma que fez sozinho), entre ijexás, sambas, chorinhos, marchas-frevo e frevos eletrizado.

Entre os destaques, duas das mais conhecidas faixas do disco, “Bateu No Paladar” e “Vida vida”, esta gravada simultaneamente por Ney Matogrosso, que obteve bastante sucesso. Também presente no álbum, “Dodô no Céu Osmar na Terra (Passo Double Carnaval)”, que havia sido gravada no mesmo ano pelo Trio Elétrico Dodô & Osmar. A homenagem a um dos criadores do trio, Dodô, falecido naquele ano, também se tornou um clássico da Carnaval.

As duas faixas que abrem o disco, “Paxorô”, de Moraes com o ex-parceiro de Novos Baianos, Charles Negrita, e “Axé do Gandhi”, mais uma parceria com Pepeu Gomes, traziam o clima do ijexá dos afoxés de Salvador, especialmente o Filhos de Gandhy, homenageado na segunda. O Carnaval ainda aparece em “As Quatro Curtições do Ano”, outra que se tornou conhecida, mas sem repetir o sucesso de outras composições de Moraes. O álbum tem ainda parcerias até então inéditas com Wally Salomão e Galvão.

Coisa Acesa (1982) trazia a música que batizava o disco como destaque. Mais uma das parcerias marcantes com Fausto Nilo, que acabou se tornando um dos maiores sucessos e música obrigatória nos shows. O álbum traz ainda três parcerias com o poeta Paulo Leminski, que escreveu também o release do disco, entre elas alguns achados como “Baile no Meu Coração” e Decote Pronunciado”. Com João Donato, tem a parceira “Marília”, em homenagem a maior companheira de Moraes. Merecem menção ainda a trieletrizada “Terra Primeira” e a bela “Essa Casa”.

Em 1983, ele lançou o oitavo disco, daí o título Pintando o Oito, que traz composições com Abel Silva, Paulo Leminski, Capinan e duas com um novo parceiro, Evandro Mesquita, que fazia sucesso na época à frente da Blitz. Destaque para “Todo Mundo Quer”, sucesso não tão grandioso, mas marcante, faixas como o fado “Sonhei que Estava em Portugal”, “Quizumba no Samba”, além de “Saudades do Galinho”, que trazia o futebol novamente para o foco das atenções de Moraes. Desta vez ele homenageava um de seus maiores ídolos, o craque Zico (Na capa do álbum o cantor aparece, inclusive, vestido coma camisa do Flamengo). O frevo fechava o disco lamentando a transferência do jogador para o futebol italiano e pedindo que ele voltasse logo. Um clássico.

Entre os menos badalados, Mancha de Dendê Não Sai (1984) é dos álbuns mais aclamados, especialmente no mundo da música. Com direção musical e arranjos de Lincoln Olivetti, o álbum trazia um refinamento estético, com o produtor deixando sua marca na profusão de ritmos e sons que Moraes apresentava. Entre as faixas, estão algumas preciosidades. Se não tinha grandes hits, trazia, por exemplo, “Caminhão da Alegria”, uma ode ao trio elétrico, além da música título, parceria com Paulo Leminski, que se não fizeram tanto sucesso, eram lembradas com alguma frequência nos shows do artista. Também merecem menção “Meninas e Minas Gerais”, “Índio Indo”, a parceria com Dominguinhos, “Beijo de Planeta”, além da faixa “Dia a Dia”, que fez parte da trilha da novela ‘Vereda Tropical’ de Carlos Lombardi, exibida na Globo em 1984.

Moraes seguiu nos anos 1980 lançando muitos discos, sem o mesmo brilho de antes, mas sempre emplacando uma ou outra música nas paradas de sucesso. Em 1985, lançou Tocando a Vida, um álbum quase conceitual, com parte das faixas fazendo referências a instrumentos musicais, como “Alma de Guitarra”, “O Bandolim de Jacob”, “O Acordeon e a Sanfona”, “Doce Flauta” ou “Bateria Nota 10”. O álbum incluía várias músicas com um novo parceiro, o poeta baiano Beu Machado. O destaque do disco, no entanto, foi a música “Santa Fé”, que havia sido encomendada para integrar a novela ‘Roque Santeiro’, da Globo e foi um grande sucesso popular.

Em 1986, Moraes lançou Mestiço é Isso, que reunia parcerias já estabelecidas na carreira, com Beu Machado, Zeca Barreto, Paulo Leminski e Abel Silva. Talvez tentando impulsionar comercialmente o disco, recebe algumas participações especiais e importantes: Gilberto Gil em “Salvador É Um Porto Seguro” (Moraes Moreira/ Beu Machado), Caetano Veloso em “Bloco do Povo” (Moraes Moreira) e Luiz Caldas em “Pernambuco Jamaica e Bahia (Todo Canto)” (Moraes Moreira/ Zeca Barreto).

Trazia também a única parceria com Geraldo Azevedo, “Petrolina e Juazeiro”. Em um Pot-pourri, Moraes reuniu sucessos e algumas de suas principais composições voltadas para as festas juninas, parte delas, até então, gravadas apenas por outros intérpretes: ”Viva São João e o Carnaval”, “Boca do Balão”, “Festa do Interior”, “Lenda de São João”, “Chame Gente” e “Bloco do Prazer”.

O grande destaque do álbum foi “Sintonia” (Moraes Moreira/ Fred Góes/ Zeca Barreto), último grande sucesso de Moraes, que explodiu nacionalmente e o recolocou de volta à mídia. A faixa foi muito executada nas rádios e ganhou muito espaço também em programas televisivos, além de ter integrado a trilha da novela ‘Hipertensão’, exibida em 1987 na Globo. Hoje é, de longe, a música mais tocada de Moraes nos serviços de streaming (até então ela aparecia apenas através de uma coletânea de sucessos de Moraes com Pepeu).

A sequência de discos a partir de 1988 foi com raros e pequenos sucessos. Um deles estava presente no disco Bahiano Fala Cantando (1988). “Por Que Parou, Parou Por Que?” (Moraes Moreira/Guilherme Maia/Luis Brasil) chegou a fazer algum barulho e o refrão prometia se tornar grito permanente em shows, mas durou apenas um curto período e a música também não perdurou, apesar de ser uma daquelas boas composições com a cara do carnaval de Moraes. O álbum traz outros bons momentos, como o samba-reggae “Calundú”, o delicioso forró “Lambe Lambe”, parceria com Oswaldinho do Acordeon, a bela “Mais que Palavras” e o achado “Todo Pôncio é um Pilatos”.

Em República da Música (1988), mesmo com arranjos com a cara daquele tempo e que hoje soam datados, Moraes apresentou bons momentos, como “Vem me Perdoar”, “Do Caribe”, tem ainda uma de suas críticas vorazes ao modelo do carnaval da Axé Music em “Carnê do Carná”. Além de duas regravações dos tempos de Novos Baianos, que comemorava 20 anos naquele ano, “Preta Pretinha” e “Ferro na Boneca”, uma das primeiras músicas do grupo, que aparece aqui com Baby, Pepeu e Paulinho Boca cantando como convidados.

O último da série é Cidadão (1991), que traz a música que dá título ao álbum como grande destaque. “Cidadão”, parceria com Capinan, é uma daquelas obras certeiras e que se tornam imortais, com um encaixe entre música e uma letra que trata da abolição da escravidão. A faixa fez muito sucesso com Elba Ramalho e Margareth Menezes. O álbum traz outras faixas ressaltando a musicalidade e o carnaval soteropolitano, a relação Bahia-África e uma tentativa de emplacar outro hino do carnaval com “Estado de Graça”. Merecem menção ainda as boas faixas “Banho de Amor”, “Banda de Lá e de Cá”, uma bela homenagem às filarmônicas dos interiores. Mas Moraes já não tinha a mesma força, inspiração e sintonia com o tempo como em anos anteriores. Mostra disso é que estes últimos álbuns, assim como os seguintes, mesmo com bons momentos, não conquistaram muito espaço e sucesso.

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