Moraes Moreira

Moraes Moreira: os discos, as pérolas, as versões e o último show

O cantor e compositor Moraes Moreira morreu na última segunda-feira (13), mas deixou músicas, discos e um legado de rara importância e envergadura. Entre as despedidas e homenagens prestadas nos últimos dias, a filha do artista, Cissa, disse que o melhor modo dos admiradores se despedirem seria valorizando o legado deixado pelo artista e pediu: ‘ouçam a obra do meu pai’. O el Cabong mergulhou nessa obra, desde os tempos de Novos Baianos, passando pelas várias fases e pelo diversos discos lançados pelo artista, chegando nos últimos trabalhos e numa reunião de composições gravadas por outros artistas. Nossa forma de homenagear Moraes, valorizar sua obra e ajudar quem quiser conhecer mais ou quem quiser ouvir os principais momentos desse gênio de nossa música.

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Moraes costumava ser autor das melodias e harmonias de suas músicas, quase sempre tendo parceiros nas letras. Entre eles, destaque para Galvão no Novos Baianos e Fausto Nilo na carreira solo. Outros parceiros importantes, nas letras e músicas foram Pepeu Gomes, Jorge Mautner, Antonio Rizério, Armandinho, Abel Silva, Paulo Leminski, Wally Salomão, Beu Machado, entre outros. O artista deixou uma obra incrível, uma das mais importantes da música no país. Conseguiu isso nas diversas fases de sua carreira, com os Novos Baianos, solo, com Armandinho, Dodô & Osmar ou mesmo compondo clássicos para outros artistas.

Tudo começou com os Novos Baianos, com quem lançou quatro álbuns. Uma sequência de discos arrebatadores, entre 1970 e 1974, dois deles álbuns fundamentais e irrepreensíveis. Começando pelo antológico ‘Acabou Chorare’, lançado em 1972, que conseguiu unir crítica e público. O álbum ficou por trinta semanas entre os primeiros colocados no hit parade e é considerado pela crítica como o melhor disco de todos os tempos na música brasileira, numa votação feita pela revista Rolling Stone em 2007.

O disco traz algumas obras primas de Moraes e consolida definitivamente uma de suas principais parcerias, com o poeta Galvão, iniciada no disco anterior, ‘É Ferro na Boneca’. Assim como nesse primeiro disco, em ‘Acabou Chorare’ quase todas as faixas são fruto da parceira entre eles, como “Preta Pretinha”, “Acabou Chorare”, “Mistério do Planeta”, “A Menina Dança” e “Tinindo Trincando”. Outras duas trazem os dois com outros novos baianos, “Swing de Campo Grande”, com Paulinho Boca de Cantor, e “Besta é Tu” com Pepeu Gomes. Além de compor, Moraes canta em boa parte das faixas, toca o violão base e divide os arranjos com Pepeu. Um disco antológico, com uma sequência de obras primas.

Novos Baianos – Acabou Chorare (1972)

Após saírem da gravadora Som Livre, os Novos Baianos se fixaram em um sítio em Jacarepaguá, onde gravaram ‘Novos Baianos F.C.’. Nele, o grupo aprofundou seu mergulho na música brasileira passando por diversos gêneros, como frevo, baião, choro, samba, além do sempre presente rock n’ roll. No álbum, A parceria de Moraes com Galvão permanece como principal alicerce do grupo. Outras obras primas da dupla, não tão badaladas quanto as do disco anterior, mas no mesmo nível, se destacam: “Sorrir e cantar como Bahia”, “Só se não for Brasileiro nessa Hora”, “Cosmos e Damião”, “Vagabundo não é Fácil” e “Quando você Chegar”. Além de duas composições da dupla com Pepeu Gomes: “Com qualquer Dois Mil Réis” e “Os Pingo da Chuva”. No disco aparece também a primeira faixa assinada apenas por Moraes, a instrumental “Dagmar”. Principal integrante do grupo, Moraes Moreira aparece no disco como vocal, violão base, percussão, arranjos e composição. Outra sequência arrebatadora de canções imortais.

Novos Baianos F.C. (1973)

Lançado em 1974, ‘Novos Baianos’ o último disco do Novos Baianos com Moraes mais uma vez é baseado na parceria da dupla Moraes/ Galvão. Das 9 faixas, sete são composições deles.”Fala Tamborim (Em pleno 74)”, “Ladeira da Praça”, “Eu sou o caso deles”, “Miragem”, além de “Linguagem do Alunte”, “Ao Poeta” e “Reis da Bola”, que também trazem Pepeu Gomes assinando a composição. Mesmo já fora do grupo, o disco seguinte, ‘Vamos pro Mundo’, traz ainda varias composições de Moraes, entre elas “Guria”, “Tangolete” e “Preta pretinha no Carnaval” (Galvão e Moraes Moreira), “América tropical” e “Chuvisco” (Pepeu Gomes e Moraes Moreira), “Ô menina” (Galvão, Pepeu Gomes e Moraes Moreira) e “Escorrega sebosa” (Paulinho Boca de Cantor, Galvão e Moraes Moreira).

Naquele ano de 1974, Moraes parte para a carreira solo, na qual produziu 29 discos, a maioria deles de inéditas em estúdio. Manteve o que já fazia em seu grupo original, numa relação fiel com a diversidade da música brasileira. Homenageou gêneros específicos em alguns desses discos, como o samba (‘500 Sambas’ – 1999) e o baião (‘Bahião com H’ – 2000).  Fazia frevo, choro, samba, baião, samba reggae, afoxé, bossa nova, maracatu com maestria. Sempre ligado à cultura brasileira, tratava com a mesma atenção e cuidado os diversos elementos do país, num sempre bem dosado equilíbrio de melancolia e felicidade. Sabia como poucos falar com poesia a linguagem popular, não à toa emplacou diversos sucessos.

Produzido em parceria com Armandinho, a estreia solo foi com o disco auto intitulado, que já trazia preciosidades, mas ainda nenhum grande sucesso. ‘Moraes Moreira’ tinha a banda A Cor do Som no acompanhamento, com Armandinho tocando bandolim, guitarra baiana, craviola e guitarra. Eram doze faixas, sendo a maior parte de autoria do próprio Moraes como as ótimas “Desabafo e Desafio”, “Chuva no Brejo” (regravada em 2004 por Marisa Monte), e “Guitarra Baiana”. Esta última uma faixa instrumental, que fez parte da trilha sonora da novela global “Gabriela”. Havia também três parcerias com Galvão, “Chinelo do Meu Avô” e “Anda Nega”, ainda dos tempos de Novos Baianos e “Ps”, que contava também com Luiz Gonzaga como autor. O álbum tinha ainda uma versão para “Se Você Pensa”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Um novo início em alto nível.

Moraes Moreira (1975)

Naquele ano de 1975, Moraes engata também outra de suas parcerias mais importantes, com o Trio Elétrico Dodô & Osmar. Ele, que já tinha sido o primeiro cantor em um trio elétrico, participa em três faixas do primeiro disco do grupo, ‘Jubileu de Prata’. Em duas faixas ele canta, a que intitula o álbum, composta por Dodô e Osmar Macedo, e “Vou Tirar de Letra”, de sua autoria. Ele é autor de outra faixa no disco, “A Dança da Multidão”.

No álbum seguinte do Trio Elétrico Dodô & Osmar, Moraes passa a ser um de seus integrantes, contribuindo decisivamente nas ideias, na criações, nos álbuns e nos rumos do grupo. ‘É a Massa’ também conhecido como ‘Satisfação’, de 1976, traz Moraes Moreira nos arranjos e direção musical (dividindo a responsabilidade com Osmar), na produção musical, nas vozes e guitarra base. Além disso, ele é autor de três faixas do disco: “Frevor” (Moraes Moreira/Armandinho Macedo), “Viva Nelson Ferreira” (Moraes Moreira) e “Swingue no Sangue” (Moraes Moreira).

A parceria se manteve no terceiro álbum do grupo, ‘Pombo Correio’, de 1977. Moraes repetiu sua contribuição nos arranjos e Direção Musical (com Osmar, Armandinho e Aroldo), na produção musical, além de compor só ou em parceira seis das 13 faixas. Foi também a voz nas faixas não instrumentais, quase todas de autoria dele mesmo, com “Diabolô” (Dodô/Osmar Macedo) sendo a exceção. As outras foram “Massa da Ribeira” (Armandinho Macedo/ Aroldo Macedo/ Moraes Moreira), “Zé Baiano o Maestro Louco” (Moraes Moreira), “Até a Praça da Sé” (Moraes Moreira/ Armandinho Macedo/ Bel), “Cochabamba” (Aroldo Macedo/ Moraes Moreira) e “Pombo Correio (Double Morse)” (Dodô/ Osmar Macedo/ Moraes Moreira).

Essa última já existia desde os anos 50, mas Moraes inseriu a letra e a música se tornou um grande sucesso nacional, inclusive sendo parte da trilha sonora da novela global ‘Sem Lenço nem Documento’. O disco tinha ainda a instrumental “Frevo Dobrado Nº 3” (Aroldo Macedo/Moraes Moreira). Moraes alcançava não só novos sucessos, mas se estabelecia como um dos grandes nomes na história do Carnaval brasileiro.

“Pombo Correio” (1977)

(Dodô/ Osmar Macedo/ Moraes Moreira)

Seu disco seguinte foi o solo ‘Cara e Coração’, lançado em 1977, produzido por Guto Graça Mello, com arranjos de Moraes e Armandinho e mais uma vez com A Cor do Som no acompanhamento. Nele, Moraes incluiu o já sucesso nacional ‘Pombo Correio’, entre as parcerias. Outras foram “Yogue de Ouvido”, com Armandinho Macedo, que tem citação a “She Loves You”, dos Beatles, “Davilicença”, também com o guitarrista, além de uma com Rogério Duarte, “Samba da Bahia de Todos os Santos”, e outra com Chacal, “Meiufin”.  Destaque ainda para as belas “Acordei” e o xote “Hino Nordestino”, de autoria dele mesmo e regravado por Zé Ramalho em 2000. “Yogue de Ouvido” fez parte da trilha da novela ‘O Pulo do Gato”, transmitida pela Globo em 1978. A regravação desse disco é o samba “Às Três da Manhã” do carioca Herivelto Martins.

Moraes vivia uma fase de alta produtividade e já no ano seguinte (1978) lançou ‘Alto Falante’, que repetia Guto Graça Mello na produção e mais uma vez A Cor do Som no acompanhamento. O disco marca o reencontro de Moraes com Pepeu Gomes, que toca guitarra em 10 das 12 faixas. Marca também o início da cooperação com o poeta e compositor cearense Fausto Nilo, parceria que acabaria rendendo mais tarde diversos sucessos. Metade das 12 faixas do álbum são fruto desse encontro, uma delas tem também Aroldo Macedo como co-autor. “Espírito Esportivo”, com Abel Silva, é outra parceria que estreia no disco e que também vai render diversos hits mais pra frente. Merecem menção o xote “Mulher”, parceria de Moraes com Armandinho e seu professor de violão Tom Zé; a deliciosa parceira com Ciça, “Fruta Mulher”; e “Crioula”, que ganhou uma versão naquele mesmo ano na voz de Zezé Motta. O grande hit do disco é “Revoada”, que retoma a parceria com Chacal e se tornou um dos clássicos de Moraes.

Em 1978, Moraes também lança mais um disco ao lado do Trio Elétrico Dodô & Osmar, ‘Ligação’, que conta com ele na produção (ao lado de Armandinho) e arranjos (com Armandinho e Haroldo Macêdo). Moraes já era um integrante do grupo e, mais uma vez, participa também compondo e cantando. Entre as composições estão “Ligação”, parceria com Osmar Macedo, “Alegre é o Porto” com Aroldo e Armandinho Macedo, e “Revoada”, com Chacal, que já havia sido lançada no solo ‘Alto Falante’. Em ‘Ligação’ é lançado um dos maiores sucessos e clássicos de Moraes, “Chão da Praça”, parceria com Fausto Nilo, que para muitos se tornou um hino do Carnaval de Salvador, juntando a euforia da festa com belos e imortais versos.

A partir de 1979, com o lançamento de ‘Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira’, Moraes alcança ainda mais sucesso na carreira solo e passa a ser um compositor bastante requisitado por estrelas da MPB (veja mais abaixo algumas das composições regravadas). Considerado por muitos o melhor álbum da carreira solo, tem produção de Guto Graça Mello e arranjos e regência de Moraes, Pepeu Gomes e Armandinho. O disco tem um investimento maior na produção, com naipe de sopros, cordas, coro e percussões. As composições trazem parcerias com Pepeu Gomes, Jorge Mautner, Antonio Rizério, Abel Silva, Fausto Nilo, Armandinho e Oswaldinho do Acordeon. Algumas músicas viraram hit, especialmente a faixa-título, que explodiu nacionalmente, além de “Eu Sou o Carnaval”, “Chão da Praça” e “Assim Pintou Moçambique”, que se tornaram clássicos do Carnaval baiano.

Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira (1979)

Moraes entrou nos anos 80 emplacando sucessos e enfileirando discos, foram 10. Contando um ao vivo em Montreaux, foi praticamente um por ano (só em 1989 ele não lançou um inédito na década). O primeiro deles foi ‘Bazar Brasileiro’, de 1980, produzido pelo próprio artista, sob a direção de Marco Mazzola. O álbum trazia parcerias com Waly Salomão, Capinan, Jorge Mautner, Antônio Risério, além dos sempre presentes Fausto Nilo e Abel Silva. Na costumeira viagem por ritmos passeou pelo Brasil com músicas que se tornaram imortais e sucessos de sua carreira, como “Meninas do Brasil”, “Pessoal do Alô”, “Forró do Abc”, “Grito de Guerra”, “Tapioca de Olinda” e “Lenda do Pégaso”. Um discaço lançado apenas em vinil, que não está disponível nos canais de streamings e nem no youtube é encontrada de forma integral.

Naquele ano de 1980, Moraes participou, ao lado de nomes como Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina e Alceu Valença, do programa infantil ‘A Arca de Noé’. O especial foi baseado no álbum ‘A Arca de Noé’ de Vinicius de Moraes, com músicas voltadas para crianças.

“As Abelhas” (1980)

(Vinicius de Moraes/ Luis Enriquez Bacalov/ Sergio Bardotti)

Em 1981, algumas músicas compostas por Moraes fizeram bastante sucesso nacional, entre elas “Eu Também Quero Beijar”, na voz de Pepeu Gomes e “Festa do Interior”, cantada por Gal Costa. Curiosamente, o próprio Moraes passou 1981 sem um grande hit cantado por ele mesmo. O trabalho daquele ano, mais um com o título ‘Moraes Moreira’, mostrava que o artista era tratado como uma grande estrela, aparecendo na capa do disco com a camisa aberta em uma pose de sex symbol. O álbum seguiu a linha do anterior com produção do próprio artista e direção musical de Mazzola. Trazia dez músicas autorais, divididas com diversos parceiros (exceção a uma que fez sozinho).

O disco tinha ijexá, samba, chorinho, marcha-frevo, frevo eletrizado, mas foi marcado por um tom tecnopop, marcante na época. Isso aparece bem claro em duas das mais conhecidas faixas do disco, “Bateu No Paladar” e “Vida vida”, esta gravada simultaneamente por Ney Matogrosso, que obteve bastante sucesso. Também presente no álbum, “Dodô no Céu Osmar na Terra (Passo Double Carnaval)”, que havia sido gravada no mesmo ano pelo Trio Elétrico Dodô & Osmar. A homenagem a um dos criadores do trio, Dodô, falecido naquele ano, também se tornou um clássico da Carnaval.

As duas faixas que abrem o disco, “Paxorô”, de Moraes com o ex-parceiro de Novos Baianos, Charles Negrita, e “Axé do Gandhi”, mais uma parceria com Pepeu Gomes, traziam o clima do ijexá dos afoxés de Salvador, especialmente o Filhos de Gandhy, homenageado na segunda. O Carnaval ainda aparece em “As Quatro Curtições do Ano”, outra que se tornou conhecida, mas sem repetir o sucesso de outras composições de Moraes. O álbum, que tem ainda novas parcerias com Wally Salomão e Galvão, nunca foi editado em CD, não está presente nos serviços de streaming, podendo ser ouvido no youtube.

Moraes Moreira (1981)

Considerado um álbum acentuadamente comercial, ‘Coisa Acesa’, é o prenúncio de uma fase menos inspirada de Moraes. O artista passaria a acertar menos nos discos e mais em músicas isoladas. Assim mesmo o trabalho, que tem uma atmosfera mais romântica, trazia a música que batizava o disco como certeira. Ela acabou se tornando um dos sucessos e obrigatórias nos shows. O álbum traz ainda três parcerias com o poeta Paulo Leminski e uma com João Donato.

“Coisa Acesa” (1982)

(Moraes Moreira/ Fausto Nilo)

A relação de Moraes com o futebol aparecia desde os tempos dos Novos Baianos em várias de suas músicas. Naquele ano de 1982, Moraes prestou uma homenagem à seleção brasileira de futebol, empolgado com o timaço de Telê Santana com Zico, Falcão, Sócrates, Junior etc. Lançou “Sangue, swing e cintura” antes da Copa do Mundo de 1982 e seria a música que embalaria o título que não veio. Assim como aquele time, a música ficou eternizada.

“Sangue, Swing e Cintura” (1982)

(Moraes Moreira)

O produtivo ano de 1982 também teve Moraes participando de outro programa infantil. Desta vez era ‘Pirlimpimpim’, que comemorou os 100 anos de nascimento de Monteiro Lobato. Ele cantou a música título do programa e “Lindo Balão Azul”, de Guilherme Arantes, além de ter aparecido na pele do Visconde de Sabugosa.

“Pirlimpimpim” (1982)

(Moraes Moreira/ Fausto Nilo)

Em 1983, ele lançou o oitavo disco, daí o título ‘Pintando o Oito’, que traz composições com Abel Silva, Paulo Leminski, Capinan e duas com um novo parceiro, Evandro Mesquita, que fazia sucesso na época à frente da Blitz. Destaque para “Todo Mundo Quer”, sucesso não tão grandioso, e “Saudades do Galinho”, que trazia o futebol novamente para o foco das atenções de Moraes. Desta vez ele homenageava um de seus maiores ídolos, o craque Zico. O frevo fechava o disco lamentando a transferência do jogador para o futebol italiano e pedindo que ele voltasse logo. Um golaço de Moraes.

“Saudades do Galinho” (1983)

Moraes seguiu nos anos 80 lançando seus discos, sem tanto brilho, mas sempre emplacando uma ou outra música. O disco ‘Mancha de Dendê Não Sai’, de 1984, trazia por exemplo “Caminhão da Alegria”, uma ode ao trio elétrico, além da música título, que se não fizeram tanto sucesso, mas eram lembradas com alguma frequência nos shows do artista. A faixa “Dia a Dia” fez parte da trilha da novela ‘Vereda Tropical’ de Carlos Lombardi, exibida na Globo em 1984.

Em 1986, Moraes lança ‘Mestiço é Isso’, que reúne parcerias já estabelecidas na carreira, com Beu Machado, Zeca Barreto, Paulo Leminski e Abel Silva. Talvez tentando impulsionar comercialmente o disco, recebe algumas participações especiais e importantes: Gilberto Gil em “Salvador É Um Porto Seguro” (Moraes Moreira/ Beu Machado), Caetano Veloso em “Bloco do Povo” (Moraes Moreira) e Luiz Caldas em “Pernambuco Jamaica e Bahia (Todo Canto)” (Moraes Moreira/ Zeca Barreto). Trazia também a única parceria com Geraldo Azevedo, “Petrolina e Juazeiro”. Em um Pot-pourri, Moraes reuniu sucessos e algumas de suas principais composições voltadas para as festas juninas, parte delas, até então, gravadas apenas por outros intérpretes: ”Viva São João e o Carnaval”, “Boca do Balão”, “Festa do Interior”, “Lenda de São João”, “Chame Gente” e “Bloco do Prazer”. O único sucesso do álbum, no entanto, foi “Sintonia” (Moraes Moreira/ Fred Góes/ Zeca Barreto), que explodiu nacionalmente e recolocou Moraes de volta à mídia. A faixa foi muito executada nas rádios e ganhou muito espaço também em programas televisivos, além de ter integrado a trilha da novela ‘Hipertensão’, exibida em 1987 na Globo. Hoje é, de longe, a música mais tocada de Moraes nos serviços de streaming.

“Sintonia” (1987)

Na sequência, Moraes lançou ‘Tocando a Vida’ (1986), um disco quase conceitual, com parte das faixas fazendo referências a instrumentos musicais, como “Alma de Guitarra”, “O Bandolim de Jacob”, “O Acordeon e a Sanfona”, “Doce Flauta” ou “Bateria Nota 10”. O álbum incluía várias músicas com um novo parceiro, o poeta baiano Beu Machado, além de uma nova parceria com João Donato, “Dança do amor”, que ganhou uma versão de Tânia Alves. O destaque do disco, no entanto, foi a música “Santa Fé”, que havia sido encomendada para integrar a novela ‘Roque Santeiro’, da Globo. Mais um grande sucesso popular.

Santa Fé” (1985)

(Moraes Moreia/ Fausto Nilo)

A sequência de discos a partir de 1988 foi com raros e pequenos sucessos. Uma outra música alcançou um público maior. “Por Que Parou, Parou Por Que?” (Moraes Moreira/Guilherme Maia/Luis Brasil) do disco ‘Bahiano Fala Cantando’ (1988), por exemplo, chegou a fazer algum barulho. “A Lua e o Mar” e “Lua dos Amantes” foram duas outras. Elas faziam parte do disco ‘Moraes e Pepeu’, de 1990, que juntava a dupla também em quase todas as composições. “Lua dos Amantes”, bem verdade, só iria fazer sucesso um pouco depois com o Trio Elétrico Armandinho Dodô & Osmar. “A Lua e o Mar” fez mais sucesso, chegando a integrar a trilha da novela ‘Tieta’.

Moraes ainda emplacou alguns sucessos em seguida, sempre nas vozes de outros intérpretes, como veremos mais abaixo. Como “Cidadão”, dele com Capinan, presente no disco de mesmo nome de 1991 e que fez sucesso com Elba Ramallho e Margareth Menezes. Dos anos 90 em diante foi assim, sem muita visibilidade na mídia, lutando por espaço no Carnaval de Salvador e ganhando destaque pontual na mídia, como quando lançou o ‘Acústico MTV’, em 1995, um dos primeiros do projeto bem sucedido da emissora.

Se manteve sempre produtivo, lançando discos com bastante frequência. Alguns focados em versões de seus próprios sucessos, como ‘Tem um Pé no Pelô’, de 1993, ou ’50 Carnavais’, de 1997, focado em seus hits carnavalescos em comemoração a 50 anos de idade. Outros focados em homenagem a gêneros musicais, como ‘O Brasil Tem Concerto’, de 1994, referência à música erudita, ‘500 Sambas’, de 1999, com sambas em homenagem aos 500 anos de descobrimento do Brasil, e ‘Bahião com H’,  de 2001, focado em ritmos juninos.

Em 2003, completou sua trilogia com o tema o Brasil, com ‘Meu Nome é Brasil’. Em 2005 lançou, de forma independentemente, o disco ‘De repente’, fazendo uma mistura de hip hop com repente nordestino. O ritmo  de lançamentos caiu dali em diante, com uma obra mais esparsada. Entre retornos com os Novos Baianos, ainda fez alguns trabalhos. Em 2012 Moraes gravou o disco ‘A Revolta dos Ritmos’, um disco com 12 composições inéditas dele, sendo apenas duas parcerias com Fred Góes. Lançou ainda ‘Nossa parceria’, em 2015, ao lado do filho Davi Moraes. No último álbum, ‘Ser Tão’, de 2018, o artista aprofundava sua relação com o universo da literatura de cordel. Um disco só com canções inéditas, quase sem parceiros, apenas Armandinho em uma delas, e com traços autobiográficos. Na última faixa do disco, “Alvorada dos Setenta”, Moraes declama um poema que se encerra com os versos “Não me derruba tormenta/ no traço de cada linha/ aqui vou deixando a minha/ Alvorada dos setenta”, seguidos de uma rajada de fogos de artifício. Era a despedida fonográfica, após dezenas de álbuns.

Em 13 de março de 2020, Moraes fez sua última apresentação nos palcos no Clube Manouche, no Rio de Janeiro, com o show ‘Elogio à Inveja – Canções que eu gostaria de ter feito’, que canta e toca músicas de outros compositores. Abaixo, um trecho desse show com a música “Canta, Brasil”, de Alcyr Pires Vermelho e David Nasser. Moraes Moreira nos deixou um mês depois, no dia 13 de abril de 2020.

As pérolas em outras vozes

Além de gravar discos históricos e lançar diversos sucessos, Moraes Moreira também se destacou como compositor para outro intérpretes. Alguns mais próximos e até óbvios, como A Cor do Som, grupo que apadrinhou, ou Pepeu Gomes, parceiro dos tempos de Novos Baianos. No início dos anos 80, no rastro do sucesso da carreira solo, Moraes emplacou diversos hits com algumas das principais vozes do país, como Gal Costa, Ney Matogrosso, Simone e Elba Ramalho. Muitos desses sucessos muita gente nem sabe que é de autoria de Moraes com alguns de seus parceiros. Alguns viraram hit mesmo após o auge artístico de Moraes. Mas além dos sucessos, destacamos aqui algumas pérolas, desconhecidas, importantes ou inusitadas:

Edy Star – Pro Que D’angelo – Curto de Véu e Grinalda (1970)

Música gravada originalmente pelos Novos Baianos em seu primeiro disco e que ganhou essa versão por esse obscuro grupo dos anos 70.

Edy Star – Pro Que Der Na Telha (1974)

(Moraes Moreira / Galvão)

A Cor Do Som – Swing Menina (1979)

(Mú Carvalho/ Moraes Moreira)

Zizi Possi – Fruto maduro (1979)

(Moraes Moreira/ Aroldo Macedo)

Luiz Gonzaga e Trio Elétrico Dodô & Osmar – Instrumento Bom (1980)

(Moraes Moreira/ Aroldo Macedo)

A Cor Do Som – Semente De Amor (1980)

(Mú Carvalho/ Moraes Moreira)

Gal Costa – Festa Do Interior (1981)

(Abel Silva/ Moraes Moreira)

Pepeu Gomes – Eu Também Quero Beijar (1981)

(Fausto Nilo/ Pepeu Gomes/ Moraes Moreira)

Ney Matogrosso – Vida Vida (1981)

(Moraes Moreira/ Zeca Barreto/ Guilherme Maia)

Simone – Pão e Poesia (1981)

(Moraes Moreira/Fausto Nilo)

Ney Matogrosso – Promessas Demais (1982)

(Zeca Barreto/ Moraes Moreira/ Paulo Leminski)

Gal Costa – Bloco do Prazer (1982)

(Moraes Moreira/ Fausto Nilo)

Elba Ramalho – Boca Do Balão (1986)

(Fred Goes/ Moraes Moreira/ Zeca Barreto)

Dominguinhos – Casamento no Juazeiro (1987)

(Moraes Moreira)
Uma das primeiras composições de Moraes, feita aos 11 anos.

Elba Ramalho & Margareth Menezes – Cidadão (1992)

(Moraes Moreira/ Capinam)

Chiclete com Banana – Olhar de Cobra (1995)

(Moraes Moreira/ Antonio Risério)
Essa merece uma menção por ser um caso raro de música gravada inicialmente pelo MPB-4 e depois pelo Chiclete com Banana (!).

Cassia Eller – Palavras ao vento (1999)

(Marisa Monte/ Moraes Moreira)

Marisa Monte – Três letrinhas (2006)

(Moraes Moreira/ Galvão)

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