Ilê AIyê Bloco Afro Carnaval Salvador

Ilê Aiyê mantém vivas tradição e luta com novas músicas

Em 2017, o Ilê Aiyê chega a seu 43º Carnaval mantendo a força criativa, a relevância e a importância na cultura baiana, ainda como o principal ponto de resistência negra. Antes do rap, antes de todo esse movimento de empoderamento contemporâneo, o Ilê estava lá, lutando pelas estas mesmas causas ao lado dos outros blocos afro de Salvador. Foram estes blocos que serviriam de base para a música contemporânea feita na Bahia. Com seus ritmos, cantos, dança e toda beleza negra, serviram de força motriz para a criação da música popular que logo se transformaria em enorme sucesso nacional e, de certa forma, mundial. A indústria virou as costas, desprezou, mas eles continuaram essenciais, com o Ilê como o mais forte e importante deles.

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Apesar dos artistas mais famosos do Carnaval Baiano não utilizarem mais os blocos afro como fonte para suas músicas, como fizeram Reflexu´s, Banda Mel e Daniela Mercury, o Ilê AIyê continua mostrando que ainda há bons frutos saindo das ruas e guetos de Salvador. Depois de soltar em 2015 um essencial CD/DVD gravado ao vivo com antigos sucessos, homenagens e pérolas do cancioneiro popular das ruas da Liberdade, o grupo seguiu a tradição e preparou mais novidades para o carnaval deste ano com a realização, mais uma vez, do Festival de Música do Ilê. O resultado mostra como o bloco continua apresentando boas novidades. Com o tema “Os povos Ewé/Fon. A influência do Jeje para os afrodescendentes”, vários compositores apresentaram novas composições e mostraram que ainda há o que se tirar desse universo, mesmo que quase toda a mídia e os que se acham donos do Carnaval baiano continuem desprezando solenemente. (ouça as músicas abaixo)

As músicas são baseadas na história dos povos Ewé/Fon no continente africano e a sua chegada aqui no Brasil. Falam sobre as mitologias do povo jeje, o panteão de Sakpata, o panteão de Hevioso e o panteão de Dan e alguns segmentos da religião de nação Jeje. Homenageiam também alguns terreiros de candomblé de Salvador e do Recôncavo, pertencentes à nação jeje, como a Cacunda de Yayá, que existiu no bairro de Sussuarana, o Zoogodô Gbogun Malê Rundó, mais conhecido como Terreiro do Bogum, no bairro do Engenho Velho da Federação, o Humkpame Kwé Vodum Zô e o Ilê Axé Jitolú, no Curuzu, o Zoogodô Gbogun Male Séjáhùnde, mais conhecido como Roça do Ventura e o Humkpame Ayono Runtoloji, na cidade de Cachoeira. Além das músicas, o bloco disponibiliza uma apostila para seus associados e interessados explicando detalhadamente o tema e a história que envolve os homenageados.

Entre as ganhadoras do festival, uma das músicas mais fortes e que mais chamaram atenção, com forte apelo para virar sucesso do bloco, é “Marcas da Mãe África”, de Paulo Jorge. Terceiro lugar na categoria poesia, a composição traz a tradição de luta contra o racismo do bloco, contando a história do povo negro. A letra intensa, mas de assimilação, a deliciosa melodia, o canto emotivo e sincero, e a percussão do Ilê só reforçam o poder da música. Forte candidata a hit se as rádios se dessem ao trabalho de tocá-la.

“Marcas da Mãe África”

O meu corpo tem
As marcas da Mãe África
O meu corpo tem e o seu também
As marcas da Mãe África

Minha pele negra
O meu cabelo duro
O meu jeito de cantar bis
Meus olhos escuros

Abolição já tem mais de cem anos
E o poeta ainda segue cantando
Sobre igualdade racial
Estranho achar que isso é normal

A nossa luta ainda não acabou
Não temos nada pra comemorar
Racismo é forte contra a nossa cor
E o preconceito tenta imperar

Resistente Ilê Aiyê, conscientização
Fortalece a raça e diz: não a segregação bis

Esse Brasil navio negreiro não vai me calar
Esse Brasil navio negreiro não vai me parar

O festival teve ainda “Herança e Crença”, de Julinho Magaiver e Marcos Boa Morte, como vencedora na Categoria Tema. Seguida de “Ilê, cultura de raiz”, de Jucka Maneiro, Sandoval e Roberto Cruz, e “Linhagem Real”, de Lito Patapata, Tinga e Jane Flor. Na Categoria Poesia, a ganhadora foi “Ventre fértil da negra”, de Maria Alacoque, que traz versos:

“Pode até amanhecer, trovejar, chover
Tempo enfurecer, se zangar
Que eu não quero nem saber, vou permanecer
Eu só saio quando o Ilê passar.

Sou produto oriundo do ventre da negra
Mama África negra
Sou Ilê com certeza
Azeviche é minha cor”.

A segunda colocada foi “Ilê nas entrelinhas”, de Raimundo Bida e J.C. Cabelo. Outras finalistas foram “DNA africano”, de Gabi Guedes (da Orkestra Rumpilezz) e J. Santos; “Marca Registrada”, de Guilherme Alexandre e Alexandre Babilônia, “Acorda pra vida”, de Josiel Teixeira; “O dom da raça”, de Julinho Magaiver, Marco Poca Olho e Marcelo Gentil; “Epiderme Cultural, de Sandoval Melodia e Silvio Almeida, e “Orgulho que emana”, de Lito Patapata. (Ouça todas abaixo).

Respeitando suas tradições, sem deixar de evoluir, o Ilê Aiyê construiu um universo de cultura negra encrustado no Curuzú e se tornou uma das maiores referências da capital baiana. Até os dias de hoje, o bloco mostra que a música continua como um de seus maiores focos de riqueza, resistência, luta e criatividade. Há alguns anos, blocos como o Olodum e o Araketu tentaram outros caminhos, se deixaram seduzir pelas cifras da indústria da Axé Music e miraram um rumo mais pop, com letras mais românticas e percussão menos visceral. O Ilê Aiyê permaneceu fiel às suas características, como resistência da cultura negra. Enquanto a música do Carnaval baiano se reduzia a composições frágeis com eternas repetições de fórmulas, o bloco do Curuzú mantinha a força de sua percussão e um discurso incisivo, focado na valorização do povo negro, em questões sociais e contra o racismo. Poucos se mantiveram à margem do sucesso fácil com tanto brio.

Ouça as novas músicas do Ilê Aiyê finalistas do Festival:

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