Discos: ex-Psirico, Jotaerre mostra seu pagodão solar em ‘Depois da Tempestade’

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3.2

Depois de dez anos como guitarrista do Psirico, Jotaerre deixou a banda e resolveu se dedicar totalmente à carreira solo, na qual já vinha desenvolvendo pesquisas com sonoridades diversas à base do pagodão. A jornalista Julli Rodrigues mergulhou em seu seu novo álbum, Depois da Tempestade pt. 1, uma aposta para um novo momento da trajetória do músico.

*Texto Julli Rodrigues

O guitarrista e produtor pauloafonsino Jotaerre decidiu que 2023 era o momento de abrir as portas todas do quarto, deixar o mundo e o sol entrar. E haja sol. Em seu sexto álbum solo, Depois da Tempestade pt. 1, o músico traz uma proposta sonora que é a trilha perfeita para o verão soteropolitano, sem deixar de lado os momentos reflexivos, em uma sutil conexão com o sombrio e engajado disco anterior, “Tempestade” (2021). O resultado é um conjunto de faixas criativas que mesclam o pagodão com diversos gêneros, trazendo raros momentos que beiram o repetitivo, mas sem comprometer a qualidade geral.

Com 18 faixas, Depois da Tempestade pt. 1 é o testemunho de um momento de virada na trajetória de Jotaerre: é o primeiro álbum lançado por ele após a saída do Psirico, grupo no qual atuou como guitarrista por dez anos, e também representa um sopro de esperança que contrasta e ao mesmo tempo complementa seu trabalho anterior.

Entrevistei o músico para o site Mundo Bahia FM e o convidei a traçar um paralelo entre os dois discos. Segue a resposta: “Quando fiz o ‘Tempestade’, eu estava sentindo muitas coisas intensas, estava pesado, confuso, chateado, aquelas dúvidas sobre a pandemia de Covid-19 (…) Aquele álbum foi um expurgo. Porém, a gente teve mais uma chance quando esse vírus foi embora, quando essa tempestade foi embora. ‘Depois da Tempestade’, as nuvens se dissipam com os nossos problemas, o sol no horizonte ilumina tudo… Esse é o conceito do álbum, um momento de renovação, dessa reflexão”.

De fato, se o álbum anterior foi marcado por músicas com letras contundentes, como “Que Tempo Louco”, “Só Fogo Pra Mim” e “Justiça”, o clima de “Depois da Tempestade” é uma “edição revista e ampliada” da faixa homônima que encerra o trabalho de 2021. O sol revela canções vibrantes como os melódicos singles “La Belle Vie” e “Querendo Tua Boca”, que também descortinam de vez o Jotaerre cantor.

Essa faceta artística do músico já vinha sendo trabalhada no álbum “Tempestade”, ainda que por trás de camadas de autotune aplicadas para dar um resultado “robótico”. Agora, a voz aparece em evidência, embora o guitarrista a veja como um instrumento. “A voz não é a protagonista, ela está ali somando no grupo. É mais um elo de comunicação com quem vai me ouvir”, disse, em entrevista ao Mundo Bahia FM. Justiça seja feita: a presença da voz, querendo ou não, dá um impulso extra para que Jotaerre chegue a novos públicos, já que ainda há resistência à música instrumental – mesmo quando se trata de pagodão.

A voz de Jotaerre, no entanto, não é a única a ser ouvida no álbum. Além dos vocais de Vania Santos, Rebeca Rios e Tchezueiro, o artista recebe as participações de Ludmila Singa, na faixa de abertura “Dias Mais Brilhantes”; Jorginho Barbosa na enérgica “Chama Na Quebrança” – impossível ouvir e não imaginar a roda sendo aberta no show -; e Lucas Gerbazi na reflexiva “Deitar No Sol”.

Esta última, por sinal, é um bem-vindo momento de desaceleração, convidando o ouvinte a pensar naquilo que realmente vale a pena na vida, para além do que agrega status: “Decerto que as pessoas devem me dizer / tudo que eles acham que eu preciso fazer / mas meu coração gritou pra mim o que é melhor / estar bem, deitar no sol”. Uma leve crítica social para aqueles que sentem falta do clima de “Tempestade”. Outra “pausa para descanso” na tracklist é a calma “Azul Depois da Tempestade”, que traz o violino de Thaís Silveira como um deleite para os ouvidos.

Depois da Tempestade tem lugar para influências antigas e novas. De um lado, o metal, tão presente no álbum anterior, também deixa suas marcas em faixas como a épica “Guerreiro de Fé”; de outro, gêneros como o Amapiano – subgênero de house music da África do Sul – e a Kompa – variante do merengue surgida no Haiti – surgem pela primeira vez. A suingada “Sol Abriu”, por exemplo, soa como uma descendente direta da Kompa. É uma das melhores faixas do álbum, ao lado de “Verão Eterno” e “Tropical” – sendo esta última mais uma que põe em evidência a voz de Jotaerre.

Só existem alguns momentos em que Depois da Tempestade não funciona tão bem para o ouvinte: aqueles que são feitos para funcionar bem no show. “Tête-À-Tête”, por exemplo, é uma música claramente feita para meter dança, mas soa um tanto repetitiva, embora as variações no ritmo sejam um ponto favorável. O mesmo acontece com “É Carnaval (O Coro Tá Comendo)” e a já citada “Chama Na Quebrança”. Nessas faixas, o uso de palavras de ordem e versos curtos entoados várias vezes soa cansativo ao longo da audição. Mas isso não necessariamente é um problema, já que no ao vivo a catarse está garantida.

Ao analisar o álbum Tempestade para o el Cabong, em 2021, lancei a seguinte pergunta: o que vem, afinal, depois da tempestade? Temos, enfim, a resposta. Vem a bonança de um disco solar, iluminado, que celebra a vida e o renascimento após as adversidades de uma pandemia. Vem a promessa de dias melhores e novos sons, já que Jotaerre promete uma continuação do álbum para depois do verão. Vem a trilha sonora para noites de festa, passeio à beira-mar, boas companhias, uma cerveja no Porto da Barra… ou simplesmente “estar bem, deitar no sol”.

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*Julli Rodrigues é jornalista, pesquisadora musical e repórter do núcleo Rádios e iBahia na Rede Bahia. Mais detalhes aqui.

Jotaerre - Depois da Tempestade pt. 1
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