Gerônimo e BaianaSystem reverenciam a música afro-baiana em lançamento do curta “É d’Oxum”

Com direito a versão inédita do clássico "Eu Sou Negão", os dois se encontraram no último sábado (2), durante show na Casa Rosa

Em uma sexta-feira pós-Lavagem do Bonfim, no ano de 1983, Vevé Calasans convidou Gerônimo Santana para a casa de seu pai na Ilha de Itaparica, com o intuito de fazer uma canção para um disco de Alcione reunindo obras de compositores baianos. Os dois passavam a noite em claro, às voltas com a empreitada, quando de repente Vevé tocou um acorde no violão e afirmou: “Esse é o acorde do sucesso”. Olhando para Salvador, Gerônimo reparou nas luzes formando um colar dourado ao redor da capital e lançou o primeiro verso: “Nessa cidade todo mundo é d’Oxum”.

Em menos de 30 minutos, a dupla terminou a versão inicial da música, que, embora inicialmente recusada por Alcione, viria a se tornar um dos maiores sucessos da carreira de ambos os compositores e um verdadeiro hino da música baiana. Desde o primeiro sopro de inspiração até o sucesso nacional, a história do clássico é registrada no curta-metragem documental “É d’Oxum – A Força que Mora n’Água”, com direção de Day Sena e roteiro e produção de Ondina Duarte e Cássio Nobre.

Idealizado como uma homenagem aos 50 anos de carreira de Gerônimo, o curta foi lançado oficialmente no último sábado (2), na Casa Rosa, com direito a apresentação exclusiva do cantor e compositor junto ao BaianaSystem. Publicado no canal de YouTube da Couraça Produções, o filme segue disponível para acesso gratuito até dia 14 de dezembro.

Reunindo relatos de nomes como Margareth Menezes, Daniela Mercury, Armandinho, professor Edvaldo Brito, Roberto Santana, Márcia Short, Ana Mametto e Lia Chaves, além do próprio Gerônimo, o curta não apenas relata o processo de composição e popularização de “É d’Oxum”, como também expressa de forma poética o sentido artístico e religioso da canção e sua relação com a trajetória pessoal dos entrevistados.

Gerônimo convida BaianaSystem

No dia do lançamento, após a exibição do filme, Gerônimo subiu ao palco da Casa Rosa acompanhado da banda Monte Serrat para um show de quase duas horas. Como de costume, abriu os trabalhos com uma sequência de oriki saudando os orixás, então seguindo com um longo repertório apresentando sua mistura inconfundível de música baiana e afro-latina.

Ao longo da apresentação, não faltaram clássicos como “Jubiabá” e “Lambada da Delícia”, além da estrela da noite, “É d’Oxum”. Entre outras faixas autorais, a seleção ainda passou por versões que pareciam tanto baseadas no repertório coletivo do público baiano quanto na escolha pessoal do artista, indo de “Marina” (Dorival Caymmi) à italiana “Volare” (Domenico Modugno).

Créditos: Pâmela Paranhos (@quebrandoarotinafotografia)

O ponto alto da noite chegou quando Gerônimo recebeu o BaianaSystem para um encontro inédito nos palcos. O grupo, que já havia colaborado com o capitão em seu álbum de estreia, na faixa “Da Calçada pro Lobato”, dessa vez ficou a cargo de um novo arranjo para “Eu Sou Negão”, outro clássico indispensável do cancioneiro de Gerônimo.

Se a faixa escolhida permanece relevante por si só, o arranjo deu novos ares à composição e apontou para um aspecto central da cena contemporânea, encabeçada pelo Baiana: a reverência aos mestres como referenciais indispensáveis à criação nos tempos atuais.

Por um lado, Gerônimo já afirmou repetidas vezes a importância do BaianaSystem para a renovação da música baiana. Por outro, o grupo tem Gerônimo como uma importante referência desde seu primeiro trabalho. Não à toa, o encontro dos dois foi baseado no ritmo que talvez melhor represente o diálogo entre tradição e modernidade: o samba-reggae.

Na sequência de “Eu Sou Negão”, partiram para “Navio”, faixa do disco “O Futuro não Demora” (2019). O acompanhamento logo se transformou em uma levada de samba-reggae estilo drum and bass, com o vocalista Russo Passapusso emendando trechos de “Invisível” e “Bala na Agulha”, acompanhado pelo coro e energia da plateia. Entre eles, Gerônimo aproveitou a base instrumental para improvisar versos valendo-se das sílabas percussivas da palavra “batuque” (“batuque, batuque, batuque, batuqueiro”). A participação terminou com “Lucro (Descomprimindo)”, um dos primeiros e maiores sucessos do Baiana.

Mantendo o astral dos convidados e o clima de festa de largo que tomava a Casa Rosa, Gerônimo cantou outro hino carnavalesco, “Chame Gente” (Moraes Moreira e Armandinho), e prosseguiu para o fim da noite com uma sequência de músicas dançantes, encerrando o encontro entre dois nomes essenciais da música baiana, que, assim como no caso das parcerias anteriores do BaianaSystem com Gilberto Gil e Olodum, ainda tem o potencial de seguir rendendo bons frutos em outras ocasiões.

Assista ao documentário “É d’Oxum – A Força que Mora n’Água”:

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