Lula e a futura minstra da Cultura, Margareth Menezes. Foto: Ricardo Stuckert

Cultura perdeu R$69 bi em dois anos e terá desafios para se reerguer, avalia governo de Transição

Por Anna Ortega/Nonada Jornalismo

O relatório divulgado na última quinta-feira (22) pelos Grupos de Trabalho do Governo de Transição apontou que o governo Bolsonaro promoveu o maior retrocesso dos últimos 20 anos na execução do orçamento destinado à cultura. Fruto do trabalho de quase dois meses, o relatório mostra um “Raio-X” feito pela equipe de transição responsável pela pasta da cultura, que diagnosticou uma perda estimada do setor cultural de R$ 69 bilhões em geração de renda para o biênio 2020-2021. 

O déficit é consequência do desmonte das políticas culturais nos últimos quatro anos e do quadro agravado pela pandemia de Covid-19. Em uma cerimônia no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) entregou ao presidente Lula o diagnóstico de todas as pastas e destacou pontos cruciais de cada uma. 

Sobre a cultura, Alckmin afirmou que o governo enfrentará desafios. “Nós tivemos uma redução de quase 90% dos recursos. Cultura é economia criativa, é emprego na veia, distribuição de renda e transformação para o melhor da sociedade”, disse. O dado citado por Alckmin é um dos que mais chama atenção no relatório. A queda de recursos da cultura se acentua em 2016, chegando a uma perda de 85% no orçamento da administração direta em 2022. O resultado foi a paralisação de diversos programas da cultura, além do enfraquecimento da estrutura de órgãos como a Fundação Palmares e a Biblioteca Nacional. 

O Fundo Nacional de Cultura (FNC), investimento direto do Estado no fomento à Cultura, perdeu 91% do seu orçamento em um período de seis anos. O Fundo foi criado em 1991 para apoiar projetos artísticos e garantir uma distribuição dos recursos de forma mais equilibrada entre as diferentes regiões do país. 

A coordenação do GT da cultura foi realizada por nomes como Áurea Carolina, Juca Ferreira, Kleber Lucas, e pelo futuro Secretário Márcio Tavares (PT), e pela futura ministra Margareth Menezes. Eles concluíram que o desmonte da pasta foi muito além da extinção do Ministério da Cultura (MinC), em 2019.

 As estruturas públicas de gestão da cultura também foram destruídas ou desmontadas e as estruturas exclusiva de cargos da cultura se reduziram para pouco mais de um terço comparado a 2016. Os cargos foram absorvidos por outras áreas governamentais. Os servidores que permaneceram já haviam denunciado a realidade da atual Secretaria Especial de Cultura, em um documento de 71 páginas, que o Nonada Jornalismo teve acesso.

De forma geral, os diagnósticos realizados pelos servidores convergem para problemas recorrentes: gestão autoritária dos diretores indicados pelo governo Bolsonaro (PL), falta de transparência nos processos internos, descontinuidade de programas de fomento ao setor cultural, evasão de servidores devido a questões de saúde e risco à segurança e à preservação dos acervos físicos e digitais. 

Muitos documentos e itens históricos estão desprotegidos pela falta de contratação de prestadores de serviço especializados na preservação, por exemplo. Outra questão é relativa aos diversos programas de fomento ao setor formulados ao longo das últimas duas décadas. A maioria dos projetos foi suspensa nos últimos anos.

Ainda na cerimônia da transição, após a fala de Alckmin, o presidente eleito Lula (PT) anunciou os primeiros 16 ministros do Governo, entre eles, Margareth Menezes. Ao chamar a cantora, compositora, atriz e produtora ao palco, Lula disse que ela será responsável por “refundar o Ministério” e afirmou que ela terá muito trabalho. 

Segundo o Raio-X final da Transição, “a Secretaria virou as costas para a área cultural, cancelando editais, extinguindo políticas, descontinuando projetos, reduzindo sistematicamente o seu orçamento, perseguindo servidoras/es, sucateando instituições e publicando atos normativos autoritários que violam direitos e a diversidade cultural”.

O relatório quantifica as perdas financeiras resultantes do esvaziamento do setor e da pandemia. Em 2019, as estimativas de participação do setor cultural na economia brasileira variavam de 1,2% a 2,7% do PIB, sendo que o conjunto de ocupados no setor cultural representava 5,8% do total (5,5 milhões de pessoas), atuando em mais de 300 mil empresas. “Com a pandemia, o faturamento do setor se aproximou de zero”, aponta. 

Outro ponto de preocupação diz respeito às ferramentas de participação social da área. “Dos 25 colegiados associados às políticas culturais, 10 foram extintos; 3 estão paralisados ou aguardando composição; 1 está ativo, mas com problemas na formalização e na composição; e apenas 11 (41%) estão em funcionamento”, diz o documento.

O MinC reerguido 

Foto: Ministério da Cultura/divulgação

Um dos órgãos da pasta mais citado é a Fundação Palmares, que no início do trabalho do grupo técnico foi encontrada em situação de abandono. Após a coletiva dos ministros, Margareth anunciou que João Jorge, presidente do Olodum, comandará a Fundação. Ele é militante e mestre em direito pela Unb, e tem uma vasta trajetória política, em defesa e promoção do povo negro brasileiro e do combate ao racismo. Ele já integrou a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, na condição de membro consultor, e é respeito por sua dedicação ao enfretamento de expressões da desigualdade social. 

Entre as primeiras ações do Ministério, está a revogação e alterações normativas pedidas em especial urgência pelo GT através do relatório final. No caso da Cultura, pede-se uma revogação na área das políticas públicas e uma adequação às normas de fomento indireto à realidade da economia do setor. 

O documento sugere a revogação do Decreto Nº 10.755, aprovado em 2021, sob gestão de Mário Frias, e considerado um retrocesso da Lei Rouanet pelo setor cultural. Na época, o decreto foi entendido como uma tentativa de controlar a produção cultural do país, já que previa beneficiar projetos que representassem “as artes sacras” e as “belas artes”. “Pretende-se criar com agilidade uma nova regulamentação para o mecanismo, como uma das primeiras medidas do novo governo na área da cultura”, afirma o documento. 

O fomento indireto é o que financia boa parte das produções da Ancine, por exemplo. Ele acontece por meio de mecanismo como a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual e permite que pessoas físicas e jurídicas tenham abatimento ou isenção de determinados tributos, desde que direcionam recursos, por meio de patrocínio, coprodução ou investimento, a projetos audiovisuais aprovados na Ancine. 

Outras medidas de Bolsonaro como a censura à linguagem neutra em projetos culturais também devem ser revogadas. No entanto, estudos apontam que 16 decretos da área da cultura poderiam ser revogados. O relatório da transição não incluiu na lista da revogação medidas como o Decreto No 9.891/2019, que enfraquece o Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e exclui representantes LGBTQIA+. 

Ao final da sessão de anúncio dos Ministérios e de finalização da Transição de Governo, Lula afirmou que os relatórios produzidos são de interesse público. “Esse material que acaba de ser entregue é um material que não pretende fazer uma pirotécnica, um show, um escândalo. Pretende apenas que a sociedade brasileira saiba qual é o Brasil que encontramos em dezembro de 2022. Um Brasil em situação de penúria. Nós vamos entregar esse relatório não apenas à imprensa, mas a cada deputado e senador”, explicou o presidente, pedindo que o Governo seja cobrado durante todo mandato, sem “tapinhas nas costas”. 

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