Carnaval baiano como poderia ser

Por mais sucesso que possa fazer, a música baiana de Carnaval em sua imensa maioria se transformou num (bom) produto mercadológico, mas muito frágil artisticamente. Polêmicas a parte, a indústria imprimiu rumos meramente comerciais aos ritmos carnavalescos que deram origem ao Axé. Hoje fica evidente a mesmice em que se encontra, com uma escassez de bons compositores admitida pelo próprio meio. Nada que o distanciamento não resolvesse. Precisou que alguns baianos saíssem daqui, fossem morar no Rio de Janeiro, não sofressem com a onda de monocultura do axé e olhassem tudo que estava vinculado a isso com outros olhos. Ou que alguém com olhar externo captasse o melhor da essência dessa música esquecida. Ou ainda que nomes fora do circuito do Carnaval trouxessem novos ares. O axé continua forte, mas artisticamente é fora dele que se faz o melhor com a música baiana de Carnaval. É como se eles tivessem trilhado um caminho paralelo, longe dos vícios do Carnaval, e dessem outra cara a essa tal de música baiana de rua.

Samba reggae, percussão dos blocos afro, guitarra baiana, frevo modernizado. Na Bahia isso tudo acabou se tornando praticamente uma coisa só, com uma visão voltada muito mais para negócios e para a fórmula fácil do que para música. Longe disso, Lucas Santtana fez seus discos, remodelando as influências que recebeu antes de ir tentar a vida no Rio e durante suas passagens por Salvador. Ele foi um dos responsáveis por inaugurar este percurso de uma música pop com cara de música baiana, mas seguindo em outra direção. Especialmente em seu primeiro disco, “Eletro Bem Dodô”, Lucas traz influências desse universo e, como ele mesmo diz, em especial da Timbalada. Assim como nos blocos afro, os ritmos do candomblé baiano são outros elementos presentes em sua musica. “A intenção era fazer com que a garotada entendesse que poderia utilizar essa informação do Carnaval juntamente com outras que estavam rolando ao mesmo tempo em outras partes do mundo”, diz.

Conseguiu. Na rasteira de seu trabalho, o filho de Moraes Moreira, Davi Moraes imprimiu em seu disco de estréia uma mescla de influências semelhantes às de Lucas. Sem parecer ter uma preocupação com isso, recriou naturalmente uma nova cara para aqueles ritmos marcadamente do Carnaval de rua baiano. Um pop diferente do que veio a se tornar a música de Carnaval da Bahia, mas reunindo elementos que estão inseridos nele, como o ijexá, o frevo baiano e a percussão afro. Esse último elemento é o que mais marca o recém lançado trabalho de outro baiano radicado no Rio, Quito Ribeiro. Autor e parceiro de Lucas e gravado por nomes como Gal Costa e Orquestra Imperial, captou influências da música de rua e Salvador e retrabalhou em cima. O foco principal nele é a percussão, a cargo no disco de estréia do músico do instrumentista Márcio Vítor, líder do Psirico. É como se pegasse as quase imutáveis batidas do samba-reggae e dessem a elas novo tempero e um frescor. Utilizando elementos bem reconhecíveis, ele aponta para o futuro, atualizando o que seria o Axé de amanhã.

A banda carioca da gema, Do Amor, também pega elementos dessa música baiana de rua e insere em seu universo uma característica guitarra suingada baiana. Não por acaso, uma das músicas mais interessantes foi batizada como “Pepeu Baixou e Mim”, referência ao guitarrista baiano Pepeu Gomes que incendiava o Carnaval em tempos de Novos Baianos. O percussionista argentino radicado na Bahia, Ramiro Musotto tem uma vida bem próxima ao Carnaval baiano, tendo tocado e produzido vários artistas desse meio. Se aproveitou dessa experiência para criar uma sonoridade particular em que funde sons de berimbau, percussão afro-baiana, elementos eletrônicos, cânticos indígenas, capoeira e samples de pagode baiano.

Em Salvador também outros nomes incorporam elementos dessa música em seus trabalhos. Seja o Lampirônicos e mais recentemente o Retrofoguetes, cada um a sua maneira dando atenção a guitarra baiana. O Retrofoguetes tem contribuído por colocar por terra uma velha rixa entre a música de carnaval e o rock na Bahia. Não é por menos que parte da família Macedo, filhos de um dos criadores do Trio Elétrico, e Luiz Caldas ajudaram a incendiar as festas da banda antes, durante e depois do Carnaval. Não é por menos que no principal prêmio do Carnaval baiano, o Troféu Dodô & Osmar, o vencedor como melhor músico tenha sido Morotó Slim, guitarrista do Retrofoguetes. Outro que vem utilizando referências do Carnaval é Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta acionando o ijexá para criar um autêntico hit de Carnaval dos anos 70, “Aquela Dança”. Poderia facilmente ser gravada por qualquer banda de Carnaval. Mesmo o axé seguindo por linhas tortas, muitos artistas mais ligados à música pop, baianos ou não, foram influenciados pela música baiana de Carnaval, especialmente o que foi feito há mais de dez anos. Talvez sejam eles que vão oferecer agora uma mais do que necessária evolução para essa música. O Carnaval ficaria bem mais interessante.

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