Bahia e Pernambuco se encontram no Rec Beat em Salvador

Os festivais independentes permanecem como os ambientes mais abertos para os encontros e convívio da diversidade da música e da fauna de tipos de nossa sociedade. A primeira edição do Rec Beat em Salvador, no último  dia 21 de janeiro, foi uma boa mostra dessa vocação. Dando início à temporada de festivais na Bahia em 2023, o evento promoveu o encontro de artistas de estilos variados da nova geração da Bahia e de Pernambuco, com shows de nomes como Josyara, Melly e Johnny Hooker.

Realizado no Trapiche Barnabé, no Comércio, recebeu um público também diversificado de cerca de 2 mil pessoas. Os coloridos, as roupas, os cabelos, os tipos mostravam claramente que o ambiente era predominante jovem. Mais do que isso, porém, denotava como os festivais são uma alternativa a um mundo cheio de padrões conservadores da sociedade brasileira. Espaços de respiro para conhecer novidades e sair da repetição monótona das rádios e playlists de sucesso e também enxergar o mundo com sua pluralidade.

Público lotou o Trapiche Barnabé na primeira edição do Rec Beat em Salvador. Foto: Mattheus Andrade/ Rec Beat

Mesmo num formato resumido se comparado ao original em Recife, com apenas quatro apresentações, o Rec Beat Salvador foi uma boa mostra do  que anda acontecendo na Bahia e Pernambuco, dois dos estados mais musicais do país. A programação reuniu nomes que ilustram muito bem como essa nova geração não tem o menor apego aos limites dos gêneros musicais, todos eles promovendo diálogo em sua própria obra, que ganharam ainda mais amplitude com os artistas convidados.

Abrindo a noite, Melly mostrou com seu timbre de voz autêntico o já conhecido e caprichado misto de r&b com samba-reggae e neo soul. Embalado por uma banda enxuta, que dava muito bem conta do recado, a jovem baiana reforçou porque é uma das revelações da música baiana atual.

Num show bem amarrado e com cada vez mais controle de palco, ela desfilou um repertório autoral, com boa parte do público cantando os principais hits. “Flamingos”, de Baco Exu do Blues reforçou o cardápio oferecido com uma versão certeira, ainda melhor que a original. Convidada da noite, a cantora e compositora pernambucana Joyce Alane trouxe sua MPB pop, apresentada de forma competente, mas que ainda carece de uma maior intensidade.

Uma das revelações da música baiana, Melly foi um dos destaques do Rec Beat. Foto: Mattheus Andrade/ Rec Beat

Na sequência, o DJ soteropolitano Freshprincedabahia, fundador da BATEKOO, subiu ao palco acompanhado da dançarina Cristiane Masca, para fazer uma festa típica dos paredões em pleno Rec Beat. Ele recebeu ainda Marley no Beat, DJ e produtor musical recifense, para agitar o público em minutos de batidão que passou por pagodão, funk, brega trap e derivados. A apresentação teve ainda participação especial surpresa de Tertuliana, vocalista de A Travestis.

Lançando em Salvador seu mais novo álbum, ÀdeusdarÁ, Josyara provou mais uma vez sua potência ao vivo e levou outro clima para o Trapiche. Agora a tônica era uma musicalidade mais emotiva, nordestina, afro-baiana, rítmica e orgânica, com um violão marcante, uma percussão viva e uma voz poderosa.

Josy é daquelas artistas que poderiam já estar em outro patamar da música brasileira. Apenas sua voz e violão, carregados de personalidades muito próprias, já são suficientes para encaixar seu trabalho num ambiente muito especial dentro da MPB atual. E ela consegue acentuar ao vivo o que já mostra em disco, tornado o repertório do álbum ainda mais vibrante.

Com uma banda também enxuta (baixo, bateria e percussão ), Josyara apresentou sua versão da música afro-baiana, sem abandonar a musicalidade incorporada do sertão. Com a ritmia do violão e com a baiana Michele Abu na percussão, passeou por samba de roda, ijexá, samba reggae e afins com uma assinatura muito particular. Em poucos minutos, transformou o ambiente do festival, instaurou uma nova atmosfera e levou o público a se conectar de outra forma.

O show teve ainda a participação de Martins, uma das boas revelações do pop pernambucano, recebido com grande aclamação pelo público. E ele soube aproveitar isso. De cara encaixou seu maior hit, “Me Dê”, que ganhou recentes versões de Margareth Menezes e Daniela Mercury. Juntos passearam ainda  por hits do carnaval baiano.

Martins foi o convidados de Josyara no Rec Beat Salvador. Foto: Mattheus Andrade/ Rec Beat

Para fechar a noite, o pernambucano Johnny Hooker, apresentou seu pop pulsante e hiperbólico. Ele trouxe para Salvador o show de lançamento de seu mais novo disco, ØRGIA, que incluiu uma forte apelo no mise-en-scène. Imagens carnais no telão, dançarines com pouca roupa, mastro de pole dance, beijo de língua no guitarrista, coreografias compuseram a cena, enquanto Hooker apresentou um repertório vibrante e entusiasmado que trazia ainda alguns de seus principais hits, como “Caetano Veloso”, “Cuba” e “Desbunde Geral”.

Johnny Hooker voltou a Salvador para mostrar seu novo álbum. Foto: Mattheus Andrade/ Rec Beat

O público foi no embalo da festa, dançou, cantou e se emocionou junto, mesmo quando o uso do playback aparecia sem disfarce. Efusivo, o artista recifense ressaltou o tempo todo a alegria de voltar ao palco, fazendo questão também de elevar as críticas ao finado governo de Bolsonaro. Comoveu com uma homenagem a um músico parceiro falecido de Covid e no final com sua melhor música, “Flutua”. A participação de Nêssa foi menos um encontro, com ela cantando duas músicas com a banda de Hooker, que voltou em seguida para juntos cantarem juntos mais hits carnavalesco da axé music.

No  final, saldo mais do que positivo para a primeira edição do Rec Beat em Salvador. O festival aprofundou a relação entre Bahia e Pernambuco, uma das mais fortes da música brasileira, a despeito de uma suposta rivalidade. O Rec Beat, aliás, sempre se ateve em promover esse intercâmbio. Foi um dos primeiros a dar espaço para a produção baiana off axé music muito antes dela se tornar badalada como atualmente. Agora é esperar a versão original do festival em Recife, marcado para acontecer entre os dias 18 e 21 de fevereiro, em pleno carnaval, e a continuidade desses intercâmbios. 

Veja galeria de fotos do Rec Beat Salvador

Para quem gosta de música sem preconceitos.

O el Cabong tem foco na produção musical da Bahia e do Brasil e um olhar para o mundo, com matérias, entrevistas, notícias, videoclipes, cobertura de shows e festivais.

Veja as festas, shows, festivais e eventos de música que acontecem em Salvador, com artistas locais e de fora dos estilos mais diversos.