Abril Pro Rock 2008 – Rock dá as cartas

Pode até ser que Recife não viva mais seus melhores momentos no campo da música como alguns anos atrás, mas é lá que continua sendo feito o mais importante festival do Nordeste e um dos melhores do país. O Abril Pro Rock já revelou nomes da música pop brasileira e vem tentando encontrar um novo caminho diante da realidade do mercado de música atual. Neste último fim de semana, o festival recebeu 23 artistas, apostando especialmente no rock e sem muitas variações para outros gêneros. O resultado foi uma junção de alguns dos principais nomes do rock independente nacional e duas noites muito divertidas.

Se o Abril Pro Rock era marcado pela mistura que fazia, colocando no mesmo palco, por exemplo, uma banda de Metal e um grupo de música popular/tradicional, os novos tempos deram outro rumo para o festival. Em 2008 foi o rock o foco e deu certo, reunindo mais de seis mil pessoas nos dois dias de evento, o que deve dobrar com a previsão para o último dia (Gamma Ray e Halloween no próximo 27).

Convocar bandas gringas foi um acerto, qualifica o evento e possibilita fãs de todo Nordeste a ver nomes históricos fazendo seus shows por aqui. Bad Brains e New York Dolls deram conta do recado, fizeram excelentes shows na primeira noite. Não tanto para quem não conhecia muito ou não curtia o som das bandas, mas perfeito para os fãs que viram as duas desfilarem seus sucessos com a competência que as colocaram na história.

Ao contrário do que muitos podem achar, o Bad Brains provou ao vivo como é capaz de mesclar o clima do reggae mais puro com hardcore sem parecer um artifício apelativo para soar diferente. E faziam com maestria, saindo de um ritmo para outro, sem parecer uma colcha de retalhos mals costurada. Hardcore-punk-reggae-rastafari, com direito a discurso em ode a Jah e um público de 15 anos fazendo roda de pogo em músicas de quase 30 anos. E o novo vocalista Israel Joseph-I, segundo os próprios fãs da banda, incorporou muito bem o espírito do grupo.

Talvez o público de Recife não tenha dado a importância devida a um festival que recebia duas lendas do rock mundial. Tudo bem que as duas pertencem a um time fundamental, mas sem ter o histórico extendido para o grande público. Assim mesmo, mereciam mais público. Da formação original, o New York Dolls mantém o vocalista David Johansen, que de imediato traz a mente um Mick Jagger menos sexy, e o guitarrista Sylvain Sylvain, um ser meio estranho responsável por animar a platéia. Fizeram um bom show, mas ninguém tem dúvida que seria aquém do que a banda conseguia fazer no auge, mesmo só sabendo como eram através de leitura. Não importa mandaram suas principais música com direito a sucesso de Janis Joplin. É aquele tipo de show que você sabe a importância, sabe que eles influenciaram meo mundo, sabe que são bons, mas para quem não é fã inveterado, não foi tão marcante que você vai lembrar para contar para os netos.

Já os neo-zelandeses The Datsuns conquistaram pelo poder de levar ao palco o rock em estado bruto. Mesmo desconhecidos da grande maioria, teve gente que saiu de Salvador só para vê-los, conquistou o público e nos bastidores foram os mais elogiados pela peformance segura e sem frescuras. Rock no talo.

O melhor foi ver o gaúcho Wander Wildner surpreender a todos com um show histórico, onde, acompanhado de figurinhas na banda (as lendas Jimi Joe na guitarra, Sandra Coutinho que foi das Mercenárias no baixo, Artur de Faria no acordeon e a baterista) e de músicos convidados, cantou músicas do novo disco, recriou sucessos da própria carreira e da fase com o Replicantes e arrepiou. Imaginem Hippie-punk-rajneesh em versão surf music, ou Amigo Punk em versão milonga, ou uma música de Benito di Paula, e pra terminar Eu não Consigo ser Alegre o Tempo Inteiro e Eu Tenho uma Camiseta Escrita eu Te Amo em modo frevo-marchinha, com direito a confetes, sopros e um sorriso na cara de todos os presentes. Sem dúvida o show mais marcante do festival.

Mas teve muito mais: as boas surpresas locais Amp, que abriu o festival bem com um pesado que remetia a Queens of the Stone Age e Sweet Fanny Adams, num eficiente elo de Pernambuco com o rock dançante dos anos 00. O surgimento de uma ótima aposta para qualquer festival do país, The Sinks, de Natal, com uma capacidade impressionante de fazer canções com melodias certeiras para dançar e cantar junto, com a porrada comendo solta por trás. Alguém falou em Nirvana?

Apostas, erros e diversidade

Teve ainda os sempre hiper-divertidos shows do Mukeka di Rato e seu hardcore tosco e hiperdivertido, e o Autoramas, com baixista nova e aquela sonoridade particular, que faz qualquer alma dançar junto. A banda finalmente estreou no Abril Pro Rock e fez, como sempre, um dos melhores shows. É sempre assim por onde passam, um feito considerável.

Foi também oportunidade para a consolidação das bandas Vamoz, Violins, Superguidis, Rockassetes e Pata de Elefante como novo time do universo independente. Cada um a sua maneira, elas mostraram a capacidade de encarar o público e mostrar sua sonoridade. A Vamoz jogou em casa e fez um showzaço, deixando boquiaberto quem não os conhecia. As outras tiveram um pouco mais de dificuldade, com vantagem para o Superguidis e sua impressionante competência em fazer hits em meio a guitarras barulhentas.

Com o público na mão já nos primeiros acordes, Jupiter Maçã fez um show meio tenso, com a psicodelia e o sexo no comando. A sensação era que todos ali estavam esperando uma merda qualquer vinda do palco, devido ao estado do vocalista, num visual meio hard rock detonado. Com a loucura “Jim Morrison baixou em mim” de Júpiter Maçã, fez um show para fãs, com a banda mantendo as bases para viagens particulares e chatas para quem não curte muito a banda. Mas sempre é bom ouvir Lugar do Caralho cantada aos berros por uma multidão. Só isso já vale o show.

Houveram alguns erros sério de escalação. O que era a banda Erro de Transmissão? A brincadeira foi fazer um trocadilho com o nome da banda: “erro de escalação”. Pior que a própria banda deveria saber que eram verdes demais para encarar um festival daqueles. Lamentável. Menos ruim, mas desnecessária também foi a presença da BarbieKill. A divertida presença de palco, não copensa a emulação de Cansei de ser Sexy e Bonde do Rolê. Engraçado é constatar que hoje em toda capital do país deve ter um bando de garotos fazendo isso, pegando programações, metendo umas guitarras e fazendo papagaiada no palco, com refências até a É o Tchan. Divertido até, mas dá para se preparar um pouco mais.

A Madalena Moog de João Pessoa não é tão boba e nem tão novata, mas precisa encontrar um caminho e se resolver. Música pop com um vocalista sem carisma nao dá. Melhro seria botar a backing para frente do palco, que canta, dança e rouba todas as atenções. Do Project 666 nem dá para falar muito, fazem um metal normal, sem brilho, mas sem grandes defeitos. Pior é quando uma banda veterana como Zumbis do Espaço quase passa batida das resenhas por simplesmente não ter representado quase nada num evento desse porte. Também poderiam ter ficado em casa que não faria diferença.

Mesmo no meio de tantas guitarras, quem soube aproveitar o espaço foi a paulista Céu com sua MPB contemporânea e um bom show. Foi a responsável por tornar o Chevrolet Hall (espaço bacana que recebeu o Abril Pro Rock no lugar do enorme Centro de Convenções das edições passadas) mais florido e num clima que remeteu a anos anteriores, quando o festival se abria para outras sonoridades. A receptividade ao piano do jovem Vitor Araújo foi impressionante. Todo mundo (ou quase) parado, em silêncio, tentando ouvir o mal sonorizado piano do garoto, que tocou músicas próprias, de Chico Buarque, Villa-Lobos e a sintonizado com o momento, Paranoid Android do Radiohead. É sempre marcante ir a Recife e perceber como as coisas podem conviver bem, sem ranços e preconceitos.

Tirando a necessidade de se precisar de um show de um nome mais conhecido para atrair o público médio, que não ouve nada além do que as rádios oferecem, não teria porque ver o velho Lobão finalizar o festival. Acabou que praticamente só esse públco ficou lá para vê-lo. Ele encerrou o festival com aquele sabor, que mesmo ele sendo cheio de hits as novas gerações já tem muito a oferecer. Pena que só nos festivais independentes se tem acesso a elas.

Para quem gosta de música sem preconceitos.

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