Felipe Vaqueiro

Os dez discos que mudaram a vida de Felipe Vaqueiro (Tangolo Mangos)

Uma das cabeças à frente da banda Tangolo Mangos, Felipe Vaqueiro incluiu álbuns de nomes que vão de Pink Floyd a Novos Baianos, de Baden Powell a Tame Impala entre os mais importantes de sua vida. 

O que aquele artista que gostamos ouviu durante sua vida para resultar no trabalho que faz? Que álbuns foram fundamentais em sua trajetória que o levou a produzir sua música? Temos feito essa pergunta para alguns artistas (já ouvimos AndreL.R. Mendes, Teago OliveiraJosyaraPrince ÁddamoBel da Bonita e Martin Mendonça) e dessa vez foi o músico multi-instrumentista,  compositor, cantor e um dos principais integrantes da banda Tangolo Mangos, Felipe Vaqueiro.

A banda é um dos expoentes da nova cena musical baiana, mesclado rock, psicodelia e outras referências. O primeiro álbum, Garatujas, reforça esse espírito inquieto e vocação em brincar com gêneros. Vaqueiro tem 26 anos e é graduado em Comunicação Social com habilitação em produção cultural pela UFBA. Além do trabalho com a banda Tangolo Mangos, integra também o projeto Fatel & Vaqueiro e desenvolve trilhas sonoras para obras audiovisuais e produz fonogramas ao lado de outros artistas

A lista de 10 álbuns fundamentais dele ajuda a contar um pouco essa trajetória e da própria música que ele faz. Nos textos de cada um dos trabalhos, ele mostra muito bem como foi influenciado por trabalhos importantes da música brasileira, como como Clube da Esquina e Acabou Chorare (recém citados entre os melhores de todos os tempos pela revista Paste) e do rock internacional, de clássico do Pink Floyd a bandas mais recentes, como Tame Impala e King Gizzard & The Lizard Wizard.

Para Vaqueiro, “a tarefa de escolher e agrupar discos marcantes é árdua e, inevitavelmente, algo acaba ficando de fora”. E completa: “Tentei manter a coesão e elenquei 10 discos que marcaram minha trajetória, em ordem cronológica – da infância até os dias de hoje!”

1. Os Saltimbancos – Vários artistas (1977)

Os Saltimbancos“Provavelmente o CD mais escutado durante meus primeiros anos de vida (ao lado de Arca de Noé e outros clássicos infantis), Os Saltimbancos é um suco de referências que me impactam profundamente até hoje. A miscelânea de linguagens escolhidas para compor aquele repertório de canções lúdicas e narrativas é algo que reside fortemente na minha pesquisa.

Foi, provavelmente, a primeira vez que me envolvi com uma obra que passeasse por tantos gêneros, práticas e linguagens musicais – samba, baião, rock, funk, jazz, música erudita, canção popular, uso de artifícios cênicos como falas e efeitos sonoros. Além de tudo, eu me envolvia muito com a narrativa que envolvia os animais/personagens, bebida do tradicional conto ‘Os Músicos de Bremen’, ainda que muito ingênuo para atestar a potência transformadora que tem nisso de contar uma história sobre libertação de um contexto opressivo a partir de ações e esforços coletivos.

Demorei alguns anos para ter a realização de que a voz da gata era interpretada por Nara Leão e a galinha era Miúcha (a Galinha), com o jumento e o cachorro vividos por Magro e Ruy (ambos do MPB-4), tudo isso embalado e direcionado por Chico Buarque, doideira.”

2. Beatles N’ Choro – Vários artistas (2002)

Beatles N’ Choro“Fiquei muito consumido com a ideia de incluir um álbum dos Beatles nessa lista – uma cópia emprestada da coletânea 1 me apresentou um mundo, Rubber Soul foi o primeiro CD que comprei numa loja, Revolver mudou minha mente em relação a muitas possibilidades e a sequência marota Sgt. Pepper, Magical Mistery Tour e White Album fritaram meu cérebro.

Fui muito impactado por Beatles e sua discografia, mas achei que seria legal trazer essa outra faceta da minha relação com Beatles, proveniente de um projeto construído por vários artistas brasileiros da música instrumental. Essa coletânea é chamada de Beatles N’ Choro e, como o próprio nome sugere, é composta por versões instrumentais das músicas do quarteto de Liverpool, totalizando 48 faixas, divididas em 4 volumes. A produção dos discos é assinada por Henrique Cazes, que também assume o cavaquinho, e conta com nomes como Hamilton de Holanda, Rildo Hora e Carlos Malta. Conheci esse trabalho por volta de 2009, na época em que comecei a tocar e me envolver mais fortemente com o consumo de música.

Em busca de conteúdo musical voltado a Beatles (que era minha pira do momento) encontrei o CD do primeiro volume guardado numa gaveta dos meus pais. Comecei a ouvir aquele disco muitas vezes com minha mãe, pedi pra ela pra comprarmos o box com todos volumes pela internet e segui vidrado, numa mescla de curiosidade e êxtase ao ver obras que eu já conhecia ganhando uma outra roupagem, e muitas vezes também descobrindo faixas dos Beatles que eu não conhecia antes.

No entanto, acho que a coisa mais valiosa desse processo foi meu contato com a linguagem do choro, com os mestres contemporâneos, com o rico vocabulário musical dessa expressão cultural que é uma das principais fundações da música brasileira do século XX. Enquanto pesquisava sobre esse trabalho, descobri que foi idealizado por Renato Russo, algo genial e um pouco aleatório. Essa coletânea acabou me aproximando do trabalho de Jacob do Bandolim e outros pilares do choro clássico. Fui muito marcado por um texto escrito por Henrique Cazes, presente no encarte do CD, que começava dizendo ‘Choro é uma maneira de tocar e não um ritmo’.”

3. Os Afro-Sambas – Baden Powell (versão de Baden, 2008)

Os Afro-Sambas - Baden Powell“Em contraste com meu lado beatlemaníaco, a minha adolescência também foi muito pautada em música brasileira que eu conhecia através de trabalhos e feiras culturais do colégio em que estudava, muito induzido pelas escolhas de repertório dos coreógrafos e de outros colegas. Eu gostava tanto desse clima de organizar esse tipo de projeto que também fui monitor para auxiliar alunos das séries mais novas.

Foram nessas que tive contato com linguagens como samba de roda do recôncavo, música sertaneja, tropicalismo, bumba-meu-boi e literatura de cordel. Assim, fui me cruzando ou me reconectando com nomes como Mariene de Castro, Monobloco, Edu Lobo, Marília Medalha, Bule-Bule, Tom Zé, Barbatuques, Carlinhos Brown, Vinicius de Moraes, Toquinho, Baden Powell… Esses eventos escolares me impactaram muito, minhas playlists sempre voltavam diferentes. Quando eu era 1º ano do E.M., em 2013, uma das apresentações dos alunos da 7ª série me revelou o “Canto de Oxum”, de Vinicius e Toquinho.

Fiquei viciado e logo descobri que tinha bem mais de onde veio, fruto de uma outra parceria que Moraes desenvolveu – assim, fuçando na internet, cheguei n’ Os Afro Sambas, com Baden, Vinícius e Quarteto em Cy. Arranjos de sopro e percussão transformaram minha perspectiva sobre fonogramas, mas inegavelmente o que mais me impactou (e que me fez optar por escolher a versão do disco de 2008, sem Vinicius) foi o violão de Baden Powell. Um som de escuridão, de mar, de sol, de festa, de luz… o cara é uma força da natureza.

Anos mais tarde, ao escutar “Canções Praieiras”, de Dorival Caymmi, senti uma forte consonância com o estilo de Baden, e atestei que os dois são mestres em transformar fenômenos místico-naturais em som. O padrão de afinação abaixada e estilo próprio de Powell, que passeia pelo percussivo e melódico, são presentes no meu violão desde quando ouvi “Lamento de Exu” ou tirei “Canto de Xangô” e “Canto de Iemanjá”, e seguirão comigo até o fim, certamente. Um grupo de amigos batizou esse subgênero de “dark samba” – um pouco trevoso, mas eu acho adequado.

4. Innerspeaker – Tame Impala (2010)

Innerspeaker - Tame Impala“Não sei ao certo apontar os primórdios da chamada neopsicodelia que assolou o indie rock (e até o pop) dos anos 2010, mas posso afirmar que Tame Impala ocupou um espaço e influência muito significativos nesse processo. A ponto de ser, praticamente, um novo clichê citar um dos seus álbuns. Mas, lembremos que clichês são chamados assim por um motivo!

O som que Kevin Parker desenvolveu no projeto impactou toda a geração de músicos de quarto na qual eu estava inserido, e comigo não foi diferente. Lembro de quando meu melhor amigo de infância Digo me apresentou, em 2014, “It Feels Like We Only Go Backwards”, do segundo disco de Tame Impala, ele me disse “Parece quem aí?”. Eu não soube responder. Ele complementou: “John Lennon, porra”. Exagero? Talvez, mas pra gente fez todo sentido. Era uma atualização genuína e muito bem construída de linguagens de rock e guitarra, um som de bateria muito particular.

Vidrei na música e acabei indo parar no seu álbum de estreia. Um pouco mais sujo e guitarrístico do que o excelente Lonerism, o disco me cativou de primeira. Humbug, do Arctic Monkeys, provavelmente foi outro ponto forte e muito significativo nessa minha reconexão com a produção do rock contemporâneo gringo – mas escolhi incluir o Innerspeaker devido ao frescor que ele me despertou ao conhecê-lo, pela sua feitura relacionada com a cultura DIY e, também, por ter me induzido indiretamente a Mac Demarco, Homeshake, Crumb, Pond e King Gizzard. Além disso, o cruzamento orgânico X eletrônico em Tame Impala me fez expandir meus horizontes do que era possível de se alcançar e propor num fonograma.

 

A temática solitária envolvida na lírica de Parker me atingiu num momento oportuno, então ver alguém falando sobre solidão e solitude carregado no pedal de phaser bateu muito certo pra mim. Virei nerd de equipamento do Tame Impala, via muito vídeo ao vivo, comecei a acompanhar os lançamentos subsequentes, testemunhei o pop mundial aderindo ao seu estilo de produção de batidas.”

5. Os Mutantes – Os Mutantes (1968)

Os Mutantes 1968“Fazendo simulados e questões do ENEM no terceiro ano do Ensino Médio, em 2015, me deparei com uma questão de prova com a capa de um disco chamado Os Mutantes. Questão abarcada na área da literatura, relacionando o disco ao período tropicalista brasileiro que, até aquele momento, eu achava que era uma espécie de movimento meio hippie, meio música de protesto – o que faz algum sentido de se pensar, ainda que bem raso.

Não lembro se marquei a resposta certa na prova, mas me lembro vividamente de ir ao computador da biblioteca pra investigar a da colé. Escutei o disco. Panis et Circencis mexeu demais com a minha mente adolescente, “Minha Menina” me cativou de primeira cruzando violão de Jorge Ben e guitarra suja de Sergio Dias, “O Relógio” era provavelmente a pérola mais psicodélica que eu já havia encontrado. O disco me conquistou de primeira e o resto é história.

Comecei a pesquisar mais sobre, li sobre os pedais e guitarras feitos caseiramente por CCDB (irmão de Arnaldo e Sergio Dias), me esbarrei com o Tropicália ou Panis et Circencis e uma faixa do Banda Tropicalista de Rogerio Duprat. Comecei a me interessar muito no assunto Tropicália e nos artistas relacionados a esse contexto. Cheguei a ler um pequeno livro focado no tema (Tropicalismo – Bananas Ao Vento No Coração Do Brasil de Enor Paiano) que encontrei na biblioteca da escola, e fui aprendendo mais sobre a origem e declínio do movimento, do contexto artístico da Ditadura Militar brasileira, dos embates entre jovem guarda X canções de protesto, da marcha contra a guitarra elétrica, … fui tecendo uma visão mais crítica e menos romântica do tropicalismo.

Acho que o disco de estreia dos Mutantes encapsula muito esse meu momento pessoal de descoberta da ideia de antropofagia cultural. Rogério Duprat, arranjador desse e de muitos outros discos tropicalistas, foi outra influência ímpar. A partir desse disco, virei um grande admirador das suas ideias de arranjos de sopro e cordas, uso de sons ambiente, da sua forma de misturar e trazer coesão pra elementos distintos.”

6. Meddle – Pink Floyd (1971)

Meddle - Pink Floyd“O Meddle foi o primeiro disco que descobri e ouvi em vinil e que me deixou vidrado, bem fruto daquela onda clássica de ir procurar bolachas em sebos, depois que ganhei uma vitrola de meu avô, em 2016. A experiência de conhecer algo novo no vinil é bem diferente de ouvir vinil de algo que você já conhece previamente, principalmente se estamos falando de um disco de Pink Floyd, em que as transições entre faixas são costumeiramente feitas de maneira muito imersiva.

Comprei a cópia usada do Meddle devido ao seu preço relativamente em conta e porque ela continha “Echoes” (ocupando o lado B inteiro), música que eu já tinha ouvido falar sobre. Mas o que me pegou mesmo foi o Lado A, do momento em que a agulha começou a tocar a abertura experimental eletrônica proto-EDM, com “One of These Days”. Quando chegou em “A Pillow of Winds” eu desmanchei, em “Fearless” eu já estava completamente entregue aquela atmosfera etérea e, até mesmo, bucólica que rola nesse disco. Essas duas músicas em particular me emocionaram muito, e ainda me arrancam lágrimas quando escuto num dia sensível. Além de tudo, ele tem uma estrutura que sempre me pegou – loucura eletrônica abrindo, folk rock atmosférico no miolo e faixa de mais de 15 minutos pra fechar. E fazem dar muito certo.”

7. Acabou Chorare – Novos Baianos (1972)

Acabou Chorare - Novos Baianos“Já tinha certa relação com Novos Baianos desde novo. Meus pais são muito fãs d’A Cor do Som, Moraes, Armandinho, Baby e Pepeu em seus diversos trabalhos solos ou coletivos; meus tios, avós e familiares entoavam “Preta Pretinha” em muitas confraternizações familiares; “Acabou Chorare”, “Brasil Pandeiro” e “Mistério do Planeta” foram músicas frequentes nas minhas aulas de música com Nino Moura, entre 2010 e 2012, obras muito importantes para o meu desenvolvimento e aprendizado de levadas no violão.

Mas o álbum Acabou Chorare me capturou, de fato, no verão de 2016-2017, ali eu fui tomado de maneira avassaladora. Misturou a nostalgia do contato com canções que ouvia mais novo e o frescor de estar ouvindo pela primeira vez algo muito incrível, específico, com muita identidade e, sobretudo, temperando sua música com ingredientes de diversas fontes e origens – que, convenientemente, eram alguns dos meus ingredientes favoritos. Tinha samba, baião, rock à la Jimi Hendrix, som de viola sertaneja, letra maluca, letra bonita. Várias das coisas que eu amava, todas juntas num disco.

A forma de Moraes de tocar e compor, junto com o som de Pepeu (por vezes elétrico e suingado na guitarra, por vezes arpejado e esmerilhando a craviola de 12 cordas), certamente foram as influências que eu mais absorvi, por prazer e por osmose de tanto que eu ouvi esse disco nesse verão. Eu sou muito fã da Tropicália, consumi muitos livros e músicas do período no final da minha adolescência. Lembro que um deles tinha uma frase que na época eu não entendia, algo como ‘os resultados da revolução estética proposta pelos tropicalistas não foram atingidos pelos discos lançados naquele período do final de 60, mas sim pelos Novos Baianos anos depois’. Hoje eu compreendo e acho que é bem por aí. Tropicália ou Panis et Circencis é alegórico, é um vislumbre de uma possibilidade nascendo.

Acabou Chorare é uma das consumações dessa profecia, surgindo não como uma alegoria didática, mas como uma ideia viva, orgânica e pulsante. Claro, isso não foi exclusivo dos Novos Baianos e, ao redor do Brasil, isso se revelou no trabalho de muitos outros artistas. O próximo disco é, certamente, uma das maiores provas da capacidade criativa divina brasileira de fagocitar linguagens diversas e criar quimeras musicais muito únicas, naturais e coesas.”

8. ⁠Clube da Esquina – Milton Nascimento & Lô Borges (1972)

Clube da Esquina“Bem, depois da rasgação de seda do parágrafo anterior, é hora de dar nome aos bois – Clube da Esquina. Assinado por Milton Nascimento e Lô Borges, mas que nunca estavam sozinhos – Wagner Tiso, Toninho Horta, Beto Guedes, Robertinho Silva, Tavito, Márcio Borges, Ronaldo Bastos… a lista é grande e tem um pouco do coração de cada um nesse disco, eu sinto.

Ao longo de 2016, meu amigo Natan (chorão dedicado ao 7 cordas) me indicou esse álbum algumas vezes. Pelas correrias da vida, resisti por alguns meses, até que em algum momento entre o fim de 2016 e 2017, Clube da Esquina virou uma das trilhas principais do meu dia a dia. Quando parei pra ouvir, foi bem assim: tocou “Tudo Que Você Podia Ser”, a intro me capturou, segui por mais alguns segundos e cheguei no riff de viola característico. Fiquei num êxtase sereno.

Era oficial, havia sido convertido na palavra de Milton Nascimento e cia. mineira. Dividi muitos momentos com pessoas queridas escutando ou tocando essas canções. Acabei ouvindo muito dessa galera de Minas: o disco do tênis de Lô, Minas e Milton de Milton, Matança do Porco do Som Imaginário encabeçado por Wagner Tiso, Página do Relâmpago Elétrico de Beto Guedes, algumas faixas do CDE2, enfim, segui me esbarrando e me encantando com essas músicas. Lembro que li alguma vez alguém chamando esse disco de “universal”. De início achei que era uma balela da rotulação world music, mas depois fui entendendo o que ele quis dizer.

É um disco que tem tudo, é um universo, de fato: é extremamente popular e extremamente erudito; alterna com maestria artifícios musicais simples e sofisticados; gravado tanto por músicos maduros e experientes quanto por iniciantes de estúdio; oscila entre canção e música instrumental; apresenta letras com temas diversos, do amor a dor, do existencialismo ao protesto, da cantiga mais singela a elucubrações psicodélicas. Parece um pouco contraditório, mas penso que é assim que a vida acontece, é uma teia de coisas juntas e emaranhadas.

Relaciono muito esse disco a esse poder que é resultado de um esforço coletivo de gente que se gosta e confia um no outro, em que cada um contribuiu com um prato, ingrediente ou tempero, e juntos fizeram um grande banquete com todo tipo de coisa. Cada um dos envolvidos depositou suas estéticas, estilos, vocabulários e cosmovisões musicais, resultando em algo que, provavelmente, é uma das maiores realizações artísticas da humanidade.”

9. ⁠One Nation Under a Groove – Funkadelic (1978)

“Meu grande amigo Théo Kiono (que hoje toca guitarra e contribui no projeto Tangolo Mangos) fez muitas coisas incríveis por mim. Dentre elas, me introduziu a diversos artistas e gêneros musicais que eu desconhecia, ao longo dos anos de nossa amizade. Megadeth, Yes, Prince, N.W.A, Santana, Led Zeppelin, city pop japonês, Syd Barret, a lista é grande.

Mas teve um gênero musical em particular que impactou profundamente minha relação com a música e, também, comigo mesmo enquanto ser humano – o funk estadunidense. Funkadelic, Parliament, Ohio Players, Sly and the Family Stone, James Brown, Zapp… Théo, que havia conhecido boa parte desses sons devido a trilha sonora de GTA San Andreas, me introduziu a um mundo novo no qual eu só conhecia alguns hits mais estourados (como “I Feel Good” de Brown e “Give Up the Funk” do Parliament).

One Nation Under a Groove, do Funkadelic, é o disco que melhor simboliza esse momento pessoal de descoberta e encanto. Um disco que me salvou de diversos dias tristes, que me trouxe motivação e auto-estima, que me recordou da força da música positiva e dançante. Além de, claro, ser um prato cheio de licks, grooves e motivos melódicos. As letras divertidas, às vezes narrativas e às vezes non-sense, com um clima jocoso e brincalhão, me cativaram profundamente. O verso que abre o disco é fantástico, e inclusive satiriza as caixinhas de gêneros musicais que até hoje insistem em categorizar e separar as coisas no mercado fonográfico: ‘Who says a jazz band can’t play dance music? / Who says a rock band can’t play funky? / Who says a funk band can’t play rock? / We’re gonna play some funk so loud / We’re gonna rock ‘n’ roll the crowd / Just watch them dance, watch them dance’.”

10. Nonagon Infinity – King Gizzard & The Lizard Wizard (2016)

“Era uma tarde ensolarada na primavera de 2018, eu estava estagiando e resolvi ouvir um disco inteiro de King Gizzard, banda que eu já vinha consumindo e amando diversas faixas soltas. Não me lembro muito bem o porquê de ter escolhido esse, mas o fato foi que esse álbum me atropelou.

Pra começar, o disco dá um loop, sim, a última faixa desemboca na primeira. Além disso, foi meu primeiro grande contato com um disco de rock que se fazia valer tanto de elementos menos tradicionais da música ocidental – compassos compostos, microtonalidade, polirritmia, uso de diversas instrumentações distintas. Para além dos outros discos do KGLW, passei a me interessar e consumir artistas como Mdou Moctar, Tinariwen, Bab B’Luz e Altin Gun, que exploram elementos e linguagens pouco utilizadas no norte global.

É também uma afirmação moderna da possibilidade de criar mundos e discos narrativos que contém as histórias desse universo, sem uma pretensão conceitualista de finesse estético e sim pela brisa. Ele simboliza esse momento de contato profundo do Tangolo Mangos com King Gizzard, da gente escutando os discos, ficando boquiabertos com a quantidade e qualidade das obras, lendo e pesquisando sobre a maneira DIY que eles geriam e produziam seus discos e carreiras. O Nonagon não foi o disco que eu mais escutei deles, mas foi o disco-porta de entrada para outras drogas mais pesadas. ‘Nonagon Infinity, opens the door’, bebê.”

Menções honrosas: Humbug – Arctic Monkeys (2009), Manual  – Boogarins (2015), A Tábua de Esmeralda – Jorge Ben Jor (1974), Arthur Verocai – Arthur Verocai (1972), Ave Sangria – Ave Sangria (1972).

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