Entrevista: O esquema de Rachel Reis

Baiana de Feira de Santana, a cantora e compositora Rachel Reis foi um dos nomes mais falados dessa música pop que ensaia sair do mundo independente e chegar de vez ao mainstream. Seguindo os passos de Duda Beat e Marina Sena, mas com um tempero próprio, ela vem chamando atenção por suas canções e mistura de ritmos.

Indicada como artista revelação em prêmios como Multishow e WME Awards, há alguns meses tem a agenda cheia com shows por todo o Brasil, incluindo alguns dos principais festivais do país. Nos últimos meses passou, por exemplo, por Favela Sounds, Mita, Sensacional, MECA Inhotim, Coala, Sarará, Rock The Mountain e Sangue Novo.

Neste ano, Rachel lançou seu primeiro álbum cheio, Meu Esquema, que mostra seu ecletismo ao longo de 12 novas faixas. Transitando por diversos gêneros, ela parece captar o espírito de sua geração em músicas que falam sobre amor e desejo de uma forma leve, com tranquilidade e passando longe dos clichês.

O el Cabong convidou Rachel para uma conversa sobre o processo de produção do disco, carreira, referências e o que planeja pro futuro. Confira a seguir o papo com a artista, realizado em dois momentos diferentes, por Breno Fernandes e Luciano Matos.

Como foi o processo de idealização do Meu Esquema? A ideia já vem de antes do EP Encosta ou o conceito e as composições foram elaborados depois?
 
Eu sempre tive essa vontade de fazer um álbum. Quando comecei a trabalhar com os meninos (Marcos Cupertino e Bruno Zambelli, produtores do EP de estreia de Rachel, Encosta), a ideia era que esse projeto fosse um álbum, mas por várias questões acabamos mudando. Então assim que encerrei a produção do EP, já tinha algumas composições e fui correr atrás de viabilizar o disco.

De certa forma o EP foi feito de modo mais coletivo, você diria que o álbum é um trabalho mais autoral seu?

Era mais coletivo porque a gente tinha essa ideia de nosso, daquilo que estávamos fazendo juntos, que a gente pensava junto. Algumas músicas do Encosta, como ‘Chanel’ e ’20 Horas’, já vieram com melodia, beat e eu fiz a letra por cima. As outras eu mandei pros meninos e eles produziram, mas de um modo geral a construção foi um processo muito nosso. Já no álbum, foi um processo mais solitário de pensar conceito, identidade visual e todas as músicas desde a melodia até a letra. A maioria das produções são de Barro e Guilherme Assis, que já tinham trabalhado comigo nos meus primeiros singles, mas tem também três faixas que envolvem Zamba e Cuper.

Talvez até pela sua participação em todos os processos do projeto, parece que existe uma espécie de universo do álbum, que passa tanto pela parte musical, sonora, quanto por uma narrativa que se desenvolve ao longo do disco e dos videoclipes. Como foi criar esse mundo do Meu Esquema?

De um modo geral eu gosto muito de pensar na estética das coisas. Desde os primeiros lançamentos eu sempre ficava muito em contato com quem faz a capa, quem faz os clipes… e nesse processo do álbum contei com a presença de duas pessoas bem importantes: Bruna Sozzi, que foi a diretora do clipe de Motinha, e Lu Villaça, que fez o processo criativo dos visualizers, do clipe de Lovezinho e da capa também. Eu dei sorte, né? Na verdade sempre tenho essa sorte das pessoas com quem eu trabalho no audiovisual se conectarem muito comigo, com meu universo e com as minhas referências. A gente já conversa e casa muito bem, as ideias sempre batem.

À medida que você faz as músicas já costuma pensar nesse lado visual também?

Eu sou cinefilazinha (risos). Gosto de guardar referências de cores, fotografia, de filmes, e acho que acabo sempre trazendo muito disso.

Na nossa entrevista sobre o Encosta você tinha falado que Maresia foi inspirada no filme ‘Y Tu Mamá También’.

Isso. Inclusive essa foi uma das referências que eu levei pra ‘Lovezinho’ também. É até perigoso porque eu fico pegando essas referências e aí quando olha um trabalho tá parecendo com o outro (risos). Mas acaba que o pessoal que bota a mão no audiovisual consegue usar isso e trabalhar de uma forma bonita e com identidade própria.

Outra referência que você compartilhou no Instagram foi o filme ‘Guava Island’, que aparece no clipe de ‘Motinha’. Nesse caso a inspiração também foi pra música, só pro clipe ou pros dois?

Sim, esse universo foi uma das referências. Mas dessa vez mais pro clipe mesmo.

Existe uma certa dificuldade de enquadrar sua música em um gênero. Às vezes dizem que se encaixa em brasilidade… uma saída é o que você disse em uma entrevista pra Vogue neste ano, quando respondeu simplesmente que seu gênero é Rachel (risos)
.

É, meu gênero é Rachel (risos). Eu tô dizendo agora que eu canto Brasil, acho que é muito isso mesmo. Às vezes eu converso com pessoas de fora, de outros estados, elas ficam tentando entender o som daqui da Bahia e perguntam como é cantar um som regional. Só que pra gente isso é que é o pop, é isso que toca o tempo todo, né? Em todas as esquinas que a gente vai. Eu acho que é essa coisa de ser eclética, de pegar um pouquinho de tudo que a gente ouve. Não sei muito bem como definir, então acho que a única coisa que eu consigo dizer agora é que é música brasileira.

A gente está nessa era de streaming, de playlists. As pessoas não têm mais aquela coisa de escutar um som específico, um estilo específico.

De certo modo existe até uma tendência da música contemporânea do Brasil, talvez da Bahia mais especificamente, de fazer essas misturas.

A gente está nessa era de streaming, de playlists. As pessoas não têm mais aquela coisa de escutar um som específico, um estilo específico. A gente está sendo indicado a coisas o tempo todo, e acaba sendo também muito aleatório, né?

N
o Encosta já havia uma identidade artística sua em meio a essas misturas dos ritmos daqui com outras referências do pop, e parece que isso está presente de uma forma ainda mais ampliada no Meu Esquema. Até por ser um trabalho mais longo, é como se desse pra fazer variações ao longo do álbum com o que estava concentrado ali em algumas poucas músicas.

Sim, sim. Você encontra indie rock, um pouquinho de bachata, arrocha, pagodão, MPB… e tudo isso de uma forma que Gui e Barro conseguiram deixar bem única. Eu achei a produção deles muito suave também, boa de ouvir. Acho que conversa muito. E aí vem as produções dos meninos, né? ‘Motinha’, que foi uma produção de Cuper; ‘Bota Pagodão Ponto Net’, que é de Zamba, e ‘Pelo’, que é uma produção dos dois e as pessoas escutam e conseguem pegar mais a identidade deles. Então eu acho que conversou muito bem.

Além dos produtores, o
utros nomes da cena contemporânea participaram do disco. Uma parceria que já tava no ar há um tempo mas não tinha sido lançada ainda é o feat. com Céu, na faixa ‘Brasa’.

Foi, menino. Eu fico tão feliz quando escuto a música e penso: “meu Deus, é a voz dela aqui, é minha diva” (risos). É a cara dela essa música, e a parte que ela acrescentou na letra também ficou uma coisa muito chique. Eu adoro.

Como foi esse processo? 
Eu mandei a parte que eu canto e aí ela completou com o trecho “o que posso fazer se a sua cocção está em banho maria?” Perfeito, né? (risos). Olha que fina essa mulher. Eu tinha mandado ‘Motinha’ também na época mas aí ela se apaixonou por ‘Brasa’ e parece que tinha que ser isso mesmo, combinou demais.

Você fala de Céu como uma de suas referências, mas você veio de cantar em barzinhos. Dessa época, o que você acha que mantém de alguma forma em seu trabalho?

Acho que a música brasileira. Eu cantava muito MPB, muita música brasileira, tinha samba, samba reggae, reggae. Isso acabou influenciando ali nas minhas produções, nas minhas composições. Continuei nesse universo. Eram os clássicos, Milton, Caetano, Adriana Calcanhotto, Edson Gomes.

Você é de uma geração que aparentemente trata o formato álbum como algo ultrapassado, mas pelo que sempre fala de suas referências você foi formada por álbuns e agora lançou o seu. Como você encara esses formatos?

Eu peguei muito esse período dos álbuns, é um formato que pra mim sempre fez sentido desde muito novinha. Até hoje os artistas que eu gosto, que eu consumo e que tenho como referência lançam álbuns. Pra mim era e ainda é o percurso natural. Acho interessante o artista chegar com uma obra maior, que mostra ele tanto em questão de letra, como em sonoridade, uma coisa mais extensa. Acho legal e quero continuar seguindo esse caminho do álbum. Já tenho novas composições e quero lançar outro ano que vem.

Falando um pouco mais do sentido desse disco como um todo, o que cabe nesse “seu esquema”? Você tinha algo em mente que queria transmitir com esse trabalho?

No começo eu fiquei com um pouco de dúvida sobre o nome que colocaria. Mas eu achei que combinou porque a gente sabe que esquema aqui significa um caso, né? Um rolo. Além disso, combinou um pouco com o meu momento, sabe? De ser o meu álbum de estreia, com a minha sonoridade, com os meus parceiros musicais todos envolvidos ali comigo. Também foi um momento com mais domínio sobre o que eu estou fazendo, de mais segurança, e isso era algo que eu queria transparecer.

Tem histórias minhas dentro do álbum, mas também muitas coisas que são da caixola, né? A gente acaba misturando um pouquinho de tudo. No geral são coisas que eu queria dizer pra mim mesma e que eu sinto que atingem os outros também. Acho que é muito importante quando as pessoas escutam e aquilo serve de recado pra elas também.

Nos seus dois primeiros shows da carreira autoral o público já cantava suas músicas. Como foi ver aquela reação?

Foi muito engraçado. Nesse primeiro show, eu cheguei no lugar e tinha muitas pessoas, mas eu imaginei que elas estavam lá bebendo, não pra ver meu show. Só entendi quando subi no palco e todo mundo cantou junto. Aí a ficha caiu, mas até então foi uma surpresa.

Você é uma das artistas que deram um boom durante a pandemia. Você, Melly, Marina Sena. O que você acha que chamou atenção do público para sua música mesmo sendo um rosto desconhecido naquele momento?

Acho que as pessoas sentem essa alegria quando coisa novas surgem. A gente sempre se pergunta “será que vai surgir algo novo, algo legal”? Aí quando as pessoas veem meninas assim compondo suas próprias músicas, com produções que não são nada forçadas, que vêm da alma mesmo, elas abraçam. As pessoas têm essa carência de surgirem coisas novas, de música brasileira. Ainda mais nesse período em que a gente ficou muito parado, quando não tinham os shows. Todo mundo veio muito eufórico com as novidades, pra sair de casa, ir pra shows, ver artistas novos cantarem. Acho que tem um pouco disso tudo.

Você tem adaptado seu show, arrumando enquanto vai se apresentando, circulando. Como tem sido esse processo?

Tô arrumando a casa, me descobrindo o tempo inteiro no palco. Porque eu fiz barzinho, mas a experiência no barzinho é você ali sentado, pessoal tá ali passando, ninguém realmente prestando atenção. Você passa a tocar em festivais, shows em que as pessoas te descobrem, vão lá te ver e aí tem uma responsabilidade maior. Eu tô me adaptando, entendendo o público, me entendendo também, como que eu funciono no palco, os formatos, os instrumentos que eu curto e tudo mais.

Tenho feito esse estudo no processo mesmo, vou encaixando aos poucos. Acho que me sinto um pouco mais aberta com as pessoas no palco, não tenho mais tanto medo daquele lugar, e acho que tem essa evolução também do instrumento. Antes, quando eu comecei, era só eu e uma base. A gente vai pegando as coisas aos pouquinhos.

Eu tô me adaptando, entendendo o público, me entendendo também, como que eu funciono no palco, os formatos, os instrumentos que eu curto e tudo mais.”

Como foi estrear o Meu Esquema nos palcos?

Eu cantei pela primeira vez as músicas do álbum no Festival Sangue Novo, e fiquei muito feliz vendo a galera cantando junto comigo o disco que tinha saído há semanas. Chorei, menino (risos). Na hora que subi no palco e vi o povo cantando, comecei a chorar e falei “pronto, agora que não vou conseguir cantar mais” (risos). 

Eu olho pra trás e parece que tem cinquenta anos que fiz aquele primeiro show, lá na Eco, mas acho que não tem nem um ano. Depois fiz outras participações em Salvador, no Baile de Lev e tudo mais, só que depois disso fui para festivais de fora, em outros estados. Cantar depois de tanto tempo em Salvador, na Bahia, onde fiz meu primeiro show, foi como se eu estivesse me apresentando pela primeira vez de novo. Eu estava muito nervosa, muito reflexiva no dia, pensando sobre como ia ser e como as pessoas iam me receber em casa.

Foi uma alegria chegar lá com todo mundo cantando as músicas comigo, se emocionando junto na hora que eu chorei. Foi muito especial. Eu me sinto renovada depois que fiz esse show, sabe? Fiquei com essa sensação.

Além desse álbum novo, quais são seus planos agora? Quais os próximos passos na carreira?

Quero trabalhar muito o álbum ainda, cantar as músicas dele. Também já quero começar a pensar e planejar o próximo disco, vou tentar lançar um novo pelo menos a cada ano e meio. Quero rodar os festivais. Quem sabe fora do Brasil também? Levar a música brasileira para fora. Tenho muita vontade de cantar fora também para conhecer outros países. Seria uma oportunidade. Agora é 100% focar nos shows e melhorar ainda mais a performance e o trabalho no ao vivo.

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