Entrevista – Leonel: “uma sociedade saudável não limita sua arte”

Original de Salvador (BA), Leonel é um jovem cantor e compositor que vem chamando atenção por uma música que faz uma interessante releitura da tradição da bossa-nova, com toques de indie rock, mpb e pop. Ele iniciou a carreira em 2019, a partir da seleção em um festival local e vem lançando em sequência EPs e singles desde 2020. Agora, ele prepara seu primeiro álbum, mas antes solta novos singles. Diego Pessoa, a mente por trás do blog e selo musical Hominis Canidae (hominiscanidae.org) traz um pouco mais de Leonel nessa entrevista.

Por Diego Pessoa*

Conheci o Leonel em 2021, pouco antes dele lançar seu segundo EP, exatamente quando ele me mandou o single de “Agora a dor Bateu”, com um clipe engraçado com imagens dele perdido numa ilha. Achei legal a proposta dele de, a partir da música pop, com pitadas de jazz, o indie rock e o samba, tentar rejuvenescer e homenagear a tradicional Bossa Nova. No fim das contas é tudo isso e um tanto inventivo ao mesmo tempo.

Aproveitei a oportunidade do lançamento do seu novo single e clipe para a canção “Mundo é Meu”, para trocar uma ideia com ele. Queria entender melhor esse universo sonoro que ele tenta criar, o que ele pensa sobre a música brasileira e seus planos para o futuro. Vale lembrar que este single, que ainda irá ganhar um lyric video, fecha o ciclo de lançamentos antes do primeiro álbum do artista, que chega em breve.

No papo, ele fala sobre o seu começo na música, a paixão por João Gilberto, além de comentar e expor alguns pensamentos sobre a música no mundo de streaming.

Quando você começou na música?

Comecei aos 05 anos, quando entrei no coral. Mas gosto de falar que sempre esteve comigo… minha avó cantava pra eu dormir, meu pai ouvia muita música comigo desde sempre. Uns anos depois o violão e a guitarra entraram na minha vida.

E por que a bossa nova e o samba? Ritmos bem fora do universo pop atual, mesmo que sempre presentes.

A bossa nova foi um caso de amor à primeira vista. Lembro que simplesmente ouvi os dois primeiros discos de João (Chega de Saudade e O Amor, O Sorriso e A Flor) e os discos de Jobim e me apaixonei… Foi mais pro fim da adolescência, saindo da fase do rock. Simplesmente vi naquilo muito de mim, sabe? De crescer com a família do meu pai fazendo samba, de ouvir minha mãe cantando os clássicos da MPB, enfim. Misturando com as próprias influências que permeiam minha vivência sonora (a música baiana, o rock, o jazz…) vi a possibilidade de criar algo muito pessoal e particular.

Entendo que são estilos que estão meio esquecidos hoje em dia, mas acho que temos que fazer o toca nosso peito mesmo, independente de tudo. A gente tem que ser sincero.

 

Como seus amigos reagem ao tipo de som que você faz?

Eles dão o maior incentivo… escutam, vão aos shows quando podem. Acho super legal isso; acho que dei sorte de ser o único que faz música em alguns dos grupos que estou inserido…

Sinto também que para alguns dos meus amigos minha música chega com mais força, sabe? Toca de um jeito diferente.

Pergunto por que você é jovem, fazendo um som de um tempo que você nem existia. Percebe a idiossincrasia ou anacronismo?

Sim… entendo totalmente. Há um certo anacronismo aparente aí, mas acredito que todo som (ou arte em geral) tem a essência do seu tempo. Eu posso me inspirar num som antigo, mas ele acaba saindo à luz das referências contemporâneas… Acho que o barato do meu som é justamente isso, tentar pegar a essência da bossa, essa coisa de olhar pra dentro, do som de quarto, tímido e íntimo, e traduzir para a linguagem de hoje.

Antigamente era muito comum o alcance de músicos do interior nas capitais e grandes centros. Milton Nascimento e Luiz Gonzaga são bons exemplos disso. Você acredita que esses espaços ainda estão presentes? E como você pensa esse alcance do interior nos grandes centros?

Não sei se existiam esses espaços de penetração formalizados… talvez foi mero acaso. O Brasil gosta da diferença, das particularidades no som; acho que isso favorece o surgimento de pessoas e identidades distintas. O interior é berço de muita coisa especial nesse sentido.

Acho que é um movimento forte e necessário. Sinto que talvez essas particularidades não estão sendo tão valorizadas ultimamente por um processo mercadológico, mas esse alcance é potente.

Todo som (ou arte em geral) tem a essência do seu tempo

Como você compõe o arranjo de suas músicas?

Muitas das minhas músicas já vem com elementos de arranjo desde a concepção. Um solinho, um comentário entre versos, um coro de vozes… geralmente coisas que tem haver com as questões e temas das músicas. Os elementos extras, eu geralmente trabalho de uma maneira bem processual mesmo, faço as guias, adiciono os elementos que vejo encaixarem, testo os sons, etc… 

Uma coisa que acontece com todas as minhas músicas, porém, é que já componho pensando em todo aspecto estético delas. Então sei que a música A vai ter elementos de baião, dialogar com a música sertaneja e com o repente, já a música B flertar com o rock, as guitarras e um jeito mais indie, etc…

Tu considera teu som easy listenning? Pela suavidade dos arranjos, vocais e etc?

Definitivamente há um elemento “easy listenning” nas minhas músicas, muito pela origem na MPB e na bossa. Considero, porém, que o meu som é um pouco mais áspero por todas essas misturas que proponho. Também tenho, ao mesmo tempo, um jeito mais calado e fechado, que acho que me aproxima da bossa, mas também não é exatamente isso… Acho que esses últimos elementos são o que dão uma característica muito pessoal (só ouvindo pra saber haha).

Você está lançando um novo single chamado “Mundo é Meu”. Qual a ideia da música?

É uma música sobre pertencimento e afirmação. Uma música muito geracional que fala da experiência de ser jovem e querer dizer a que veio. 

A própria arquitetura musical aponta pra isso, nas misturas e na intensidade de cada um dos elementos.

Você acredita nesse formato de single como construção de carreira ou usa pela imposição do mundo moderno dos streamings? Esse single é parte de algo maior, como um álbum ou EP?

Acredito que o single pode ser um elemento de construção de carreira. Principalmente como uma forma de experimento sonoro. Como vim do cinema, faço uma comparação entre curta-metragem e longa-metragem. Os curtas geralmente são mais experimentais e energéticos; é onde o(a) cineasta vai descobrir sua linguagem e sei jeito de dizer o que precisa dizer. Os singles são meio que curtas pra mim; cada um com seu jeito e sendo um pequeno laboratório sonoro. O longa ou o disco, porém, constroem um discurso mais intenso e completo. 

Eu uso nesse sentido, mas também entendo que há uma função mercadológica e de presença que o single também cumpre.

O single vem com um clipe e um lyric video. Comenta um pouco sobre o clipe. Como foi feito, qual a ideia? 

O clipe é constituído de imagens minhas cantando a música em lugares diferentes; contextos diferentes. Num quarto pessoal, num parque aberto, num quarto antigo… a ideia foi reconstruir essa sensação coletiva muito íntima, de querer se afirmar cada um à sua maneira, através da minha experiência. Criar essa coisa da variedade e das diversas vozes a partír do individual. O clipe também brinca com essa coisa das camadas, através de justaposição de imagens e locais diferentes.

É mais ou menos o que proponho na canção, em termos de som. Criar uma experiência para outras pessoas através de um caminho muito pessoal e interior.

Num tempo onde o instrumental ou o som é mais importante que a letra, o lyric existe pra dar luz ao processo de composição do letrista? 

Exatamente isso! Acho que o lyric ressalta justamente esse aspecto; joga luz nesse processo de construção da métrica e da poesia, que anda esquecido ultimamente.

Como ser eterno em tempos urgentes e virtuais?

É a pergunta que me faço todo dia… Talvez não eterno, mas duradouro. É a grande questão da arte na contemporaneidade, creio eu. Acho que a sinceridade, inserção e entrega de corpo e alma são chave nisso tudo. É só lembrar que as grandes peças artísticas que ficaram conosco por décadas, séculos ou milênios, têm em comum uma verdade; uma origem muito crua que diz muito sobre quem o/a artista era.

Como você avalia sua carreira, mesmo jovem e no começo?!

Acho que estou caminhando um caminho interessante. Sem querer soar pretensioso ou algo parecido, mas venho experimentando e flertando com estilos e formatos diferentes e isso me proporciona uma vivência e riqueza musical muito grande… sinto que isso vai fazer uma diferença mais a frente.

A arte é o compasso para o futuro; é uma instância onde pensamos e repensamos nossos costumes, valores, ideias, estética, debates… como limitar isso?

Você pensa em ser referência ou ídolo pra alguém?!

Acho que o tempo dos grandes “ídolos” e “referências” já passou… estamos num momento meio líquido, nesse sentido. Ser admirado musicalmente, respeitado pelo meu trabalho, são coisas que anseio muito mais e me sentiria realizado alcançando isso.

Com quem você faria um feat (pode pensar alto)?

Pensando alto, alto mesmo, seria João Gilberto, se fosse possível. Uma pessoa que eu tenho o maior respeito, admiração e adoraria tocar/cantar com é Chico Buarque. Me identifico muito com o estilo que ele encara as composições e o trabalho dele.

Existem limites para a arte? Se sim , qual? Se não, por que?

Uma discussão extremamente complexa. Na minha visão, de um ponto de vista sócio-cultural, não. É claro que há de haver consequências para o que se faz, como em qualquer instância da vida, mas uma sociedade saudável não limita sua arte. Vale a pena olhar para as sociedades que a limitam. A arte é o compasso para o futuro; é uma instância onde pensamos e repensamos nossos costumes, valores, ideias, estética, debates… como limitar isso?

Quais seus planos futuros?

Meus planos incluem lançar esse single (“Mundo meu”) e em seguida lançar o meu primeiro disco, Quartos. Algo que venho trabalhando já a um tempo e vai juntar tudo aquilo que venho construindo e testando nesses singles, lançamentos, nessa vida… Vai ser minha maior atenção neste ano. 

Depois disso tenho vontade de fazer um segundo disco completamente caseiro e isolado; testar os limites dessa coisa de música de quarto, música caseira e mais centrada em si mesmo; com composições estranhas e diferentes… mas quanto a esse trabalho não tem muita coisa certa ainda.

* Diego Pessoa é a mente responsável pelo blog e selo musical Hominis Canidae (@hominiscanidade) há mais de 10 anos, primeiro como blog e posteriormente como selo, criado para lançar artistas independentes de todo o nordeste.

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