Baiana de Vitória da Conquista, a cantora e compositora Ana Barroso lançou no ano passado o seu primeiro álbum, Cisco no Olho. Reunindo composições feitas ao longo dos últimos dez anos, o disco revela diversas facetas da artista e apresenta ao público a sensibilidade e beleza do seu trabalho. Em entrevista para o el Cabong, Ana fala sobre a sua história com a música e compartilha processos criativos, inspirações e motivações por trás de sua obra de estreia.
Como a música entrou na sua vida? Quais foram os seus primeiros contatos com ela e como isso se desenvolveu até se tornar a sua profissão?
Eu sou filha de pai músico. Meu pai, Nagibe, é cantor e compositor, começou cantando em festivais de música brasileira e depois virou cantor de trio elétrico. Conviveu um tempo com Luiz Caldas, Carlinhos Brown, essa galera, e sentia que esse era um lugar mais possível de caminhar a vida.
Eu tinha de alguma forma essa referência, mas não era tão presente porque ele tava no mundo mesmo. Fui criada pela minha avó paterna e minha mãe estava sempre perto, morava na rua de cima. Minha vó ouvia muita música, passava o tempo todo ouvindo música de rádio, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso. Eu não lembro de tanta coisa da minha infância assim, mas na adolescência já ouvia muita coisa interessante com os discos que estavam disponíveis. Tinha uns álbuns de Roupa Nova, Clube da Esquina, coisas de Gil, Caetano… e esse repertório de voinha também.
Eu comecei a compor antes de tudo, no furor da adolescência, pra tentar acudir as emoções graúdas que eu não sabia comunicar. Acho que foi o primeiro movimento artístico mesmo, de estar escrevendo, tentando melodiar. A escrita veio antes de tudo. Com 15 anos eu assumo o vocal da banda representante de chorinho no Sudoeste da Bahia, a Brincando de Cordas. Fui substituir a antiga cantora, Ananda Andrade, que veio estudar música aqui na UFBA.
Eu comecei a compor antes de tudo, no furor da adolescência, pra tentar acudir as emoções graúdas que eu não sabia comunicar“
Fiquei dois anos na banda e depois disso fui fazer licenciatura de teatro em Jequié. Eu tinha passado na primeira fase em música na UFBA, mas não fiz a segunda porque pensei que seria mais complexo vir aqui pra Salvador por minha família não ter grana. Na realidade eu tava louca pra sair de casa, vi um bilhete falando de teatro na escola, já tinha feito algumas peças, algumas coisas com grupos locais e falei “ah, acho que é isso”. Quando vi que lá tinha cachoeiras decidi: “vamo nessa”.
Eu costumo brincar que eu nasci em Conquista e renasci em Jequié, porque esse lance de sair de casa e ir morar em outra cidade fez com que eu me conhecesse muito. Eu fui estudar teatro e voltei com uma filha nos braços. Foram muitas vivências, muitas coisas – para o bem e para o mal.
Em Jequié, eu comecei a desenvolver uma pesquisa da cultura de longa tradição nordestina e tive contato com grandes mestras e mestres. Maria de Souza, que conviveu com Lia de Itamaracá, me ensinou pandeiro e muita coisa de coco, ciranda… Roberto Ives de Abreu Schettini, in memoriam, foi um mestrão também, desse cuidado apurado com a arte. Enfim, vim pra Salvador tem uns quatro anos e agora estou nessa.
Essa sua trajetória no teatro já era ligada à música de alguma forma?
O primeiro contato foi na escola com um projeto de literatura em que a gente fez uma releitura de Gustave Flaubert, Madame Bovary. Foi um movimento tão expressivo que todo mundo lembra disso, sabe? A gente juntou uma grana, todo mundo correu atrás. Era um musical, a gente contratou uma equipe de música. Realmente começa junto, com teatro e música. Depois fiz coisas locais, sem grandes resultados.
O curso de teatro de Jequié tem uma peculiaridade que é o fato das turmas de dança e teatro fazerem o primeiro e segundo semestre juntos. Então o primeiro resultado artístico prático é de teatro e o segundo de dança, e todo mundo experiencia no corpo um pouco do teatro, um pouco da dança e depois solta, todo mundo fica fazendo o que quer mesmo na vida, teatro ou dança.
A gente fez uma releitura de A História do Amor de Romeu e Julieta, de Ariano Suassuna, e era muito muito canção, mas teve outras coisas também na graduação, a gente fez Nelson Rodrigues… Aqui em Salvador fiz Sonho de uma Noite de Verão na Bahia, Nau e Ensaio pra Uma Redenção, mas essa última já foi online. Eu fui chegando já fazendo som, foi um presente.
Então quando você veio pra Salvador já pensava em seguir mais a sua carreira na música?
Sim, eu vim pra Salvador com meu ex-companheiro, Tarcísio Santos, que é um grande compositor e guitarrista, e a ideia era desenvolver um trabalho mesmo com música brasileira, meu trabalho autoral, mas isso foi sendo mais adiado.
A gente fazia muito som aqui nos lugares dispostos, né? Porque não tem tanto… Não sei, a cena pro som que eu faço não é tão acolhedora assim. Não tenho visto tantos espaços até hoje na realidade. Assim, a Casa da Mãe abriu as portas, como abre as portas pra todo mundo que vai fazer música autoral, o Di Venetta… muitos bares, a Varanda do SESI, pelo SESC fizemos algumas coisas também. Mas não consegui caminhar tanto.
Só consegui fazer o disco ano passado, por causa de grana. Mas é isso, é o perrengue de se estabelecer, né? Quando eu vim pra cá éramos dois artistas, eu e Tarcísio, vivendo única e exclusivamente de arte, com uma criança no meio disso tudo, então era muito perrengue mesmo. Eu dava aula pra compensar a vaga dela na escola, fiz isso até o ano passado. Mas as coisas melhoraram um pouquinho. A gente se separou (risos). Mas sou muito grata, ele me ajudou muito e me possibilitou conhecer muita gente.
Mas o disco só veio a acontecer ano passado, depois que ganhei o festival (Festival Unimed Sudoeste de Música, em 2020). Acho que acontece com o processo da própria vida, dessas coisas darem certo na carreira quando você meio que dá um start em alguns processos mentais também, acho que tá tudo junto.
E o Cisco no Olho inicialmente era a ideia de um EP ainda da época do duo com Tarcísio?
É. Essa música é minha, eu fiz há dez anos atrás. A gente tinha vontade de fazer algo enxuto – temos algumas composições muito interessantes juntos – e eu falei Cisco no Olho porque achava um nome bala, que era fácil de chegar, e estava disposta a colocar essa canção como um projeto da gente. Então tem um tempinho mesmo, tem uns três anos a ideia. Mas não rolou não, não deu bom.
Aí pro projeto do disco foi Repentina que a gente mandou, que seria a minha ideia pessoal, particular, fazer o EP Cisco no Olho com essas minhas canções mais dramáticas, mais melancólicas, de desfecho de relacionamentos e mesmo de coisas de autoconhecimento, com as músicas mais densas, de poesia mais dramática. Depois o Repentina eu faria com essas músicas mais festivas, com essa coisa do coco, do repente… Enfim, xaxado, baião, essa coisa falando da minha realidade enquanto mulher, mãe solo, artista independente do sertão, mas não da roça. Uma mulher urbana do sertão com suas questões.
Depois de ganhar uma grana do festival eu tinha iniciado o processo do EP Cisco no Olho com Seba (Sebastian Nottini), que é o produtor, e aí o Repentina foi aprovado (na Lei Aldir Blanc). Então a gente pensou em juntar os dois e foi a melhor coisa, porque eu já me apresento com todas as camadas possíveis.
A cena pro som que eu faço não é tão acolhedora assim. Não tenho visto tantos espaços até hoje na realidade.”
Por que você decidiu usar o nome Cisco no Olho? Por que, dentre todas as músicas, essa foi escolhida como faixa-título? O que ela representa pra você?
Tem uma coisa que é prática e tem uma coisa que é conceito, né? (risos) A prática é que eu achava que o nome Cisco no Olho funcionava mesmo. Eu acho que o amor ronda todas as canções de alguma forma no disco e apesar de essa ser uma música com uma frase inicial que puxa a gente pra achar que é uma música de lamúria e lamentação, dizendo “minha dor é um cisco no olho” – fica parecendo algo “ah, minha dor”, ninguém aguenta isso, né? – Ela tem um arremate um pouco interessante porque eu não deixo nada esclarecido, sabe?
Não, só falo assim “vamos lá de novo, ‘insisto nessa cisma besta, nesse rabisco, porque o amor é isso’, às vezes é uma coisa, às vezes é outra”, e aí eu concluo falando “todo feitiço é início, até o fim só o amor”. Como todas as canções do disco, acho que tudo na vida e naquelas canções ali está embrenhado desse furor, dessa paixão, dessa coisa aguçada, desse brilho nos olhos e ao mesmo tempo de um desencantar que se durar é amor. Enfim, a gente pode entrar em Dante se você quiser falar sobre essa saga da gente ser nosso próprio condutor, da gente só ser impulsionado pelas coisas através do amor mesmo, da sede.
O maior índice de suicídio é o masculino, por causa de toda esse história de que o homem não chora. Vocês carregam essa carga do Super-Homem, a síndrome do Super-Homem, que faz com que quando os homens se deparam com as suas dores, eles meio que morrem, não querem ver. Isso faz com que muitos processos sejam estagnados, endurecidos”.
Quando eu parei pra pensar sobre o que era cisco no olho eu fiquei pensando “pô, como é que vou começar com uma frase que puxa pra o viés da falsidade?”. Quando se fala “ah, não tenho nada, só tenho um cisco no olho”, você tá querendo tampar o seu choro, é um disfarce. Eu fui parar pra investigar isso, fiquei pensando sobre o porquê de disfarçarmos as nossas dores. Por que a gente tem que tá sempre bem, sempre legal? Por que a gente não aproveita a inteligência do próprio corpo pra investigar processos fundos?
Então eu fui ver várias coisas. Por exemplo, o maior índice de suicídio é o masculino, por causa de toda esse história de que o homem não chora. O maior índice de depressão é feminino, mas a mulher ainda vai conversar com outras pessoas, fazer terapia… Mas vocês carregam essa carga do Super-Homem, a síndrome do Super-Homem, que faz com que quando os homens se deparam com as suas dores, eles meio que morrem, não querem ver. Isso faz com que muitos processos sejam estagnados, endurecidos. Então Cisco no Olho é um pouco disso, uma provocação pra gente acessar e transcender essas questões. Pra se permitir sentir, é tão bom.
Algo que achei interessante foi a escolha de “Cuidar do Olhar” vir na sequência de “Cisco no Olho”, como um convite a lidar melhor com esse cisco e em seguida cuidar do nosso olhar.
Exatamente. Essa música aconteceu num momento em que eu estava muito queixosa da vida, reclamona, e começo falando “não consigo olhar pro sol, nunca conquistei troféu, não usei migué, nem véu”. Não, não, nunca, nunca… Aí Lirinha, minha filhinha, tava lá em casa e apareceu correndo. Ela tava linda, toda emperequetada, tinha pegado tudo que ela podia, feito um carnaval no corpo, e eu fiquei estatelada olhando pra ela. Aí eu começo a mudar um pouco o cenário, o viés e o jeito de olhar mesmo.
Então falo: “Ganhei roupa feita a mão – ela tava com uma blusinha que minha avó tinha feito-, a oração nunca faltou”. Enfim, começo a ficar mais feliz, né? É um apelo mesmo pra gente saber equalizar as belezas e durezas da vida e não pesar demais. Então ao passo que eu quero que as pessoas sintam as dores, com esse chamado eu quero também que elas estejam atentas pra não perder o brilho nos olhos.
De certa forma o disco tem uma temática bem coesa, com algumas variações, mas seguindo um tema central. Essas composições foram feitas ao longo de um bom tempo, como foi a escolha do repertório que entrou nesse trabalho?
Eu acho que peguei as que eu gostava mais, sabe? E as que teriam uma unidade de música brasileira, porque como eu sou do teatro também às vezes faço umas músicas mais experimentais, boto uns blues, uns rock ‘n roll, umas paradas assim. Só que eu queria me apresentar com essa trajetória que é mais clara no meu processo. Como eu venho do chorinho e tem também essa coisa da cultura popular, isso tudo é muito brasileiro.
O disco é essencialmente brasileiro, as canções são muito envolvidas dessa estética, sonoridade e instrumentação também. É um disco acústico, a gente gravou as bases ao vivo, e a dramaturgia se constrói nessa linha de vivências muito dramáticas, muito tristes e outras um pouco mais doces, sobre as quais eu consigo falar com tranquilidade e ao mesmo tempo percebendo o nosso momento.
Eu tenho muita vontade de fazer outro disco logo pra mostrar canções novas e frescas sobre essa coisa que transcende o eu. O primeiro disco é muito sobre as minhas questões, as pessoas se identificaram muito também, mas enfim… Acho que em “Vai Rodar” eu consigo talvez acudir um pouco da agonia, quase que com um acerto de contas com o Brasil no momento em que eu reverencio essas mulheres e evoco esse boi, peço que ele gire até que esse desgraçado caia.
Também tem um pouco desse resgate do lugar de onde eu vim. De falar os cenários, as coisas, comidas. Acho que eu selecionei as músicas que eu mais gostava mesmo, que eu achava que as pessoas que eu conheço, amigos e família, se identificavam mais.
A última canção (“Inclusive Eu”) foi a última música que eu fiz, depois do último desfecho de relação. Era uma relação com um músico, e na faixa eu trabalho com metalinguagem, juntando a vida da gente, o desfecho da relação e a composição.
Ouvindo o disco se percebe uma ligação forte entre as músicas, e é interessante ver que essas relações acontecem de certa forma de um jeito natural. Até nas letras, por exemplo, em “Cisco no Olho” você canta que “todo feitiço é início” e em “Inclusive Eu” vocês diz “tão bom lembrar da introdução”, criando essa relação entre elas.
Sim, falei disso por isso. “Compor é deixar a beleza deslizar até o final”, isso na última canção do disco. E termino dizendo que eu não sei amar, né? (risos). Eu falo “desejo, meu bem, que a gente aprenda a amar, inclusive eu”. A gente não sabe, acho que a gente só vai aprender daqui a muito tempo.
Preciso dizer que contei com a participação efetiva de Sebastian pra me ajudar na escolha das canções, da ordem, toda a questão dramatúrgica e sonora. Daniel também, meu atual companheiro, pensou junto comigo várias vezes, a gente botava uma música, outra depois, e ficava testando.
Seba tem muito esse cuidado de fazer uma obra, de pensar o disco como se fosse uma música só, e eu confiei muito, entreguei tudo. Mais uma vez, por causa do teatro, tenho vontade de ter umas coisas mais tcha-tcha-tcha, com uns efeitos, umas coisas assim. E ele, sempre minimalista, dizia: “pensa como se fosse um show que a pessoa tá vendo. Existe um percussionista, os três naipes de sopro, um violão e a voz.” A pessoa vai assistir na cabeça dela isso acontecendo. Se entra outra percussão o inconsciente dela vai pensar que botou um pé, uma cabeça pra tocar. Ele é muito sutil, muito enxuto pra fazer as coisas, sabe? O menos é mais é a cara dele. Mas sabe fazer.
Outra coisa que chama atenção também é justamente a instrumentação, que foge de um certo padrão, sem baixo e bateria. Isso também foi idealizado por você, Sebastian e Felipe Guedes, que fez os arranjos?
Isso, mas quem pensou a instrumentação foi Seba, que produziu, e depois ele convidou Felipe. Foi o primeiro disco que ele fez os arranjos. É um processo que funciona, mas talvez eu faça um pouquinho diferente no próximo.
A gente gravou as bases ao vivo. Violão, percussão e voz a gente fez junto, gravamos algumas vezes e tal. Mas foi junto, todo mundo junto, eu, Seba e Babuca sentindo ali. Depois Felipe pegou isso que já estava gravado pra fazer os arranjos de sopro. Ao passo em que dá uma uma coisa orgânica do ao vivo e ao mesmo tempo prática pra funcionar, gravar o sopro com tudo já organizado na base, também tira um pouco da liberdade de arranjo, porque se você constrói um arranjo do início ao fim, você pode começar só com o violão e terminar sem violão, pode ter uma parte só de percussão, uma parte só de sopro, enfim, você pode costurar tudo e depois gravar. Mas é um processo mais longo, e a gente demandava de um prazo curto por causa do edital. Então foi o jeito que a gente achou que funcionava. Foi rápido, também, eu tava nessa vontade de desencantar esse negócio de não ter música gravada, não ter plataforma digital, sabe? Eu tava muito entregue, muito corajosa. E aí passei por uns processos bem particulares, bem pessoais, que eu quero de volta (risos). Quero muito voltar a ter esses esse estalo de coragem.
Essa instrumentação acaba gerando um efeito diferente pra quem está ouvindo. Uma música que me chamou a atenção é “Gotejo”, que é feita só com violão e sopros. Você tá cantando sobre essa relação e à medida que a melodia vai subindo e descendo parece que você mesma está metaforicamente voando, deixando aquela relação pra trás, na seguida dizendo “só canto se for pra voar”. Pra mim a união da letra com a instrumentação gerou uma imagem que representa bem a narrativa da música.
Exatamente. Essa tem uma sonoridade um pouco parecida e também é da leva de músicas feitas há uns dez anos, tanto “Gotejo” quanto “Serenata pra meu Passarim”. Enfim, a pessoa com lua em escorpião sem cuidar da intensidade não tem saúde não (risos). É uma sonoridade de canção, né? Lembra um pouco as músicas mais classudas de Jobim, boleros também, Boscão talvez. Mas é dessa leva de músicas que eu fazia com o violão ainda, em lá menor, ré menor e mi maior – depois eu abandonei o violão pra fazer música porque estava me limitando muito – .
“Gotejo” é o desfecho de um relacionamento abusivo que eu vivi também com dezoito anos. Um boy me bateu, me trancou em casa, foi um show de horrores. Essa foi a única canção que eu fiz de uma vez. Eu já tinha celular na época, botei o REC e comecei a cantar “escute essa voz rouca que nem mais assovia” e aí fui até o final.
Eu nunca fiz uma música assim e nem quero fazer se for preciso viver uma história parecida. Eu lembro que meu pai tava super chateado comigo na época, por eu não saber lidar com toda essa história difícil. Ele sempre gosta que eu faça música, obviamente, e aí eu falei pra ele “tem uma coisa boa”, era quase que isso, sabe?
Eu mostrei a música até o fim e pensei, “nossa, ele deve tá chocado”. Aí ele falou assim: “é bonita, mas tem que mudar a introdução porque está a mesma coisa daquela ‘a lua vai surgindo cor de prata’, que sua vó escutava lá em casa”. E eu: “quê?” (risos). E é realmente parecidíssima, eu não lembrava quando ele falou pra mim mas a introdução lembra. Depois muda, é outra coisa, outro ritmo e tal. Mas a introdução real ficou na minha cabeça em algum lugar. Ele me quebrou as pernas nesse momento.
Você sente que fazer músicas como essa te ajuda a lidar com esses momentos difíceis?
Sim, totalmente. Só que toda vez que cantava eu revisitava muito, sabe? Ficava muito abalada, hoje em dia não, hoje em dia tá um pouco mais tranquilo. No show foi babado, foi muito difícil, mas já é uma coisa mais do fazer, mais prática do ofício. Essa música já se internalizou de uma outra forma, de precisar conseguir tecnicamente executá-la, o que é difícil.
Quando eu fiz foi um presente, achei que era uma música muito forte, muito bonita, mas eu morria de vergonha de cantar, até porque quando cantava eu sentia muitas coisas. Depois que eu entendi a relevância dela e realmente superei, aí foi massa.
Mas sem dúvida, isso de fazer a música meio que resumir a ideia, a história, definir através da palavra “agora e fim, eu não quero mais”, ajuda a conseguir organizar o que eu sentia. Eu ficava numa querela de perceber uma pessoa que era boa com uma questão de doença porque tinha vários traumas de abandono. Então eu dizia na música “não te reconheço mais, eu não mereço”, mas também não é que eu não não goste de você. Só que eu não preciso passar por isso, e a música consegue através dessa melodia dolorosa traduzir um pouco esse sentimento.
Você falou agora há pouco que está querendo fazer um próximo álbum. Já existe algum plano nesse sentido? Já começou a elaborar alguma coisa?
Plano de ação ainda não, tenho tentativas várias, mas preciso de grana pra fazer outro disco. Tem músicas muito legais que eu quero botar em um disco logo. Músicas que tratam do agora, porque como eu lhe falei tem músicas do Cisco no Olho que são antigas e eu queria libertar porque sabiam que as pessoas poderiam se identificar de alguma forma.
Mas os dias estão correndo e a vontade é de entregar instantaneamente como fazem as pessoas que são privilegiadas, né? Elas têm singles, videoclipes que todo mundo fala “uau, que incrível, a pessoa está moderna” mas não é, é porque tem como fazer. Eu podia estar falando de visões que eu tive no Ayahuasca que ninguém falou (risos). Audaciosa, hein? Estou brincando, mas dá vontade.
A gente ia fazer um clipe que foi aprovado pelo Cultura na Palma da Mão, mas eu queria o clipe dos sonhos, com a direção do Operakata lá em Conquista, e a galera não vai poder fazer nesse momento. Seria quase um filme da gente, com “Capitá”. Queria que a gente tivesse num pau de arara, os artistas, as crianças, galinha, comida, farofa, tudo junto nesse carro e vindo pra cá pra tocar, e que tivessem essas imagens muito desenhadas, mas não vai rolar.
Então a gente tá pensando em fazer o tal do visualizer do disco, pequenas coisas visuais pra ter uma cara nova de Ana Barroso, porque isso não está atualizado e é preciso, né? O audiovisual chega muito mais ligeiro do que a música, e é muito difícil talvez ser bem interpretada em todas as canções se a pessoa não tiver uma atenção pras relações de uma música pra outra, das musicalidades, porque não tem uma palavra-chave, então é bom ir fazendo essas coisas.
* Esta entrevista foi feita no início de fevereiro, e de lá pra cá Ana Barroso chegou com uma boa notícia: o clipe de Capitá, que precisou ser adiado, enfim pôde ser feito e foi lançado neste domingo (10/04). Confira: