Os shows estão voltando. E agora? pra onde ir?

Texto de Breno Bastos

Ao longo dos últimos meses, anúncios de encerramento da atividade de casas de show têm marcado os noticiários ao redor do Brasil. São diversos os exemplos de centros culturais que não conseguiram manter-se financeiramente e perderam seus espaços, desde casas menores e mais recentes, como a Autêntica, de Belo Horizonte, até espaços maiores e mais antigos, como o Unimed Hall (antigo Credicard Hall e Citibank Hall), de São Paulo. Em Salvador, infelizmente, não foi diferente. Espaços como Commons e Portela Café encerraram as atividades nos últimos meses. Com a diminuição de oferta, para onde ir agora que os shows começam a voltar?

Após mais de um ano e meio restringindo-se quase exclusivamente a atividades online, o setor musical esboça planos de voltar gradativamente a realizar eventos presenciais, graças ao avanço da vacinação e à redução na média de óbitos causados pelo Coronavírus no país. Em Salvador, com a chegada no dia 9 de julho da ‘Fase Verde’ do plano de retomada econômica da cidade, centros culturais, casas de show, bares e restaurantes têm reorganizado aos poucos suas programações de música ao vivo, como já tratado aqui no el Cabong.

Embora a atual situação da pandemia ainda não permita a volta ao cotidiano de shows pré-COVID-19, esse retorno parcial das atividades talvez anime os fãs de música e, ao menos, aponte para um futuro (esperamos) não tão distante, em que, enfim controlada a pandemia, seja possível voltarmos a nos reunir lado a lado nas casas de show, frente aos nossos artistas favoritos.

Mas, se por um lado o momento pode parecer relativamente promissor para o meio musical, a volta dos shows ao vivo traz consigo questões com as quais nós (público, imprensa, produtores e artistas) precisaremos lidar em breve. Entre elas, para onde ir, quais espaços frequentar quando tudo isso passar?

PARA ONDE VAMOS?

A banda Bagum em apresentação no Ocupa53 da casa Mouraria53
A casa Mouraria53 recebeu a banda Bagum para apresentação no projeto online Ocupa53.

A situação econômica de muitas das casas da cidade, que não era exatamente confortável mesmo antes da pandemia, ficou ainda mais complicada e levou ao fechamento de vários espaços que movimentavam a música soteropolitana, como Commons, Portela Café, Zungu Iyagbá, no Rio Vermelho, o Jam Music Bar, em Cajazeiras e o Rhoncus Pub and Beer Store, também no Rio Vermelho. A Tropos foi outra que encerrou as atividades , mas existe possibilidade de voltar em breve.

Ter de arcar com os custos de manutenção dos pontos físicos (entre aluguel, alvará de funcionamento, impostos e salário de funcionários) com uma renda extremamente limitada tornou-se um grande  desafio. Vince Athayde, sócio-proprietário do Commons Studio Bar, exemplifica essa realidade: “Não tivemos ações em torno do fazer cultural ao longo da pandemia. Um espaço como a Commons trabalha com fluxo de caixa intenso e os custos básicos ultrapassam doze mil reais, fora os compromissos com capital de giro que ficaram comprometidos com a ausência de receita”. 

Entre as casas que precisaram fechar as portas recentemente, duas farão bastante falta ao meio independente: a Commons Studio Bar e o Portela Café, ambas localizadas no bairro do Rio Vermelho. Nos últimos anos, a música alternativa de Salvador estava diretamente ligada a esses dois espaços, à medida em que proporcionavam apresentações tanto da cena local quanto do midstream nacional, de artistas emergentes a nomes já consagrados no meio. Por lá passaram ÀTTOOXXÁ, Baleia, Giovani Cidreira, Vitrola Baiana, Boogarins, Anelis Assumpção, Josyara, Curumin e Livia Nery, entre muitos outros. Além disso, as duas casas recebiam festas que conhecidas da noite soteropolitana, como a RockNBeats (Portela), a Back in Bahia e o Baile Esquema Novo (Commons).

Em meio a esse cenário, por um lado, espaços não necessariamente voltados para a realização de eventos de música, como bares e restaurantes, provavelmente passarão a receber mais apresentações, como acontecia de maneira mais significativa em Salvador até alguns anos atrás, quando a cidade ainda possuía poucas casas de show. Por outro, deve haver uma distribuição de eventos nos espaços que conseguiram se manter (dentro de suas capacidades orçamentárias).

Para o meio independente em especial, serão essenciais os espaços que oferecem pautas mais baratas ou gratuitas, acessíveis para artistas e produtores do meio, como o Teatro Gamboa, que disponibiliza seu palco gratuitamente para projetos não patrocinados, e os largos Tereza Batista, Quincas Berro D’Água e Pedro Arcanjo, no Pelourinho, geridos pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SECULT – BA), que já há alguns anos têm sido fundamentais para a cena musical de Salvador.

Além disso, também devem desempenhar papéis importantes as programações de centros culturais maiores como o Mercado Iaô e o Instituto Goethe, e de pequeno porte como Mouraria 53, Casa de Mãe e Casa Preta, assim como as atividades de instituições como o Teatro Vila Velha, o Teatro SESC-SENAC Pelourinho, o SESI Rio Vermelho (com a Varanda do SESI), o Teatro Gregório de Mattos, o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) e o Teatro Castro Alves

Esses espaços são de uma importância fundamental para a cultura na cidade, pois atendem bandas que ainda não estão com um super público, que estão na elaboração de seus trabalhos. São neles que essas bandas se conectam com o público que estão começando a formar”.

Fernando Gomes – Mouraria 53

De todo modo, por mais importantes que sejam todos esses locais, muitos deles também estão passando por dificuldades financeiras para se manter. A Mouraria 53, por exemplo, precisou fazer uma vaquinha virtual em maio deste ano para levantar recursos, compensar o prejuízo gerado por um assalto na casa e poder seguir com seus trabalhos. Felizmente, nessa ocasião o público e os parceiros da casa abraçaram a ação, como relata Fernando Gomes, coordenador de comunicação do coletivo que administra o espaço: “eu considero que a resposta à vaquinha foi bem positiva, e fez a gente ver o quanto é importante ter uma rede de pessoas que acredita no projeto. Num momento em que fomos mais enfraquecidos e não estávamos amparados pelo Estado ou por uma iniciativa privada mais estruturada, a rede de pessoas que frequentava a casa e acredita no projeto foi quem deu um suporte pra ele não sucumbir”.

Tendo em vista a preocupação com a variante Delta e a média diária de mortes por COVID-19 no Brasil, que, embora em queda, ainda segue acima dos 600 óbitos por dia, mesmo o futuro próximo ainda é incerto. Serão necessários cuidados redobrados para a volta das atividades presenciais e é difícil prever exatamente como e quando a retomada completa dos eventos musicais vai acontecer, mas parece que muito provavelmente não encontraremos de novo o cenário do qual nos despedimos em março de 2020. E, se isso pode ser desanimador, também nos remete a outra das questões com as quais teremos que lidar em breve, apontadas no início desse texto: como preencher o vazio deixado por mais de um ano e meio de paralisação do setor de música ao vivo.

Varanda do Sesi
A Varanda do Sesi é um dos espaços que já voltou a realizar shows em Salvador.

A resposta não é fácil, e talvez ainda precise ser construída. Mas levando em consideração a importância da cadeia da música para o cenário cultural de Salvador, a busca de soluções faz-se necessária. Alicerces para a construção da cena musical, as casas de show e centros culturais independentes são alguns dos espaços que mais necessitam de atenção nesse momento, como ressalta Fernando Gomes: “esses espaços são de uma importância fundamental para a cultura na cidade, pois atendem bandas que ainda não estão com um super público, que estão na elaboração de seus trabalhos. São neles que essas bandas se conectam com o público que estão começando a formar.” 

Uma realidade que parece despontar nesse momento é a de que todos os agentes da cadeia produtiva da música precisarão trabalhar juntos para passar por isso da melhor maneira possível. A presença e participação do público (dentro do possível e seguro), a cooperação entre artistas, produtores e administradores de espaços culturais, a divulgação e apoio da imprensa e a ação do poder público serão essenciais para a recuperação do prejuízo gerado pela pandemia. 

Para Fernando, os espaços independentes precisam que “haja uma atenção do Estado e da iniciativa privada, de marcas como as cervejarias que têm patrocinado grandes eventos em Salvador. Já que são esses espaços menores que atendem essa parte da cena que não lota uma Fonte Nova ou Concha Acústica, e são eles que vão começar a retomar, pois têm um tamanho que permite um controle maior, para que seja mais seguro.” 

É preciso desenvolver políticas públicas para reestruturar o setor. Perdemos palcos permanentes como a Commons e o Portela Café, que colaboram muito para o cotidiano artístico da cidade. São necessários créditos acessíveis. Para isso, é  preciso organização do setor e vontade política de quem faz a gestão e dos governantes.”

Vince Athayde, do Commons.

Vince Athayde, do Commons, também ressalta a importância da ação estatal para superar as dificuldades atuais: “A articulação para organização do setor de espaços tem sido desgastante para buscar créditos e políticas que nos permitam reduzir os prejuízos. É preciso desenvolver políticas públicas para reestruturar o setor. Perdemos palcos permanentes como o Commons e o Portela Café, que colaboram muito para o cotidiano artístico da cidade. São necessários créditos acessíveis. Para isso, é  preciso organização do setor e vontade política de quem faz a gestão e dos governantes.”

Os próximos meses provavelmente ainda serão de dificuldades e incertezas, mas ao menos ações como a vaquinha virtual da Mouraria, o projeto Radioca – NoSSAs Casas e o recente financiamento coletivo pela manutenção da Sala de Arte (neste caso voltada para o cinema, mas ainda assim dentro do cenário cultural) demonstram que o setor e o público podem contribuir para os espaços culturais da cidade e estão dispostos a buscar maneiras de apoiá-los. Quem sabe agindo coletivamente, multiplicando campanhas como essas e pressionando por ações do poder público voltadas para o setor da cultura e, mais especificamente, da música, não consigamos mitigar o impacto sentido até agora e fazer com que no futuro, em Salvador, município reconhecido como Cidade da Música pela UNESCO desde 2015, o meio musical possa efetivamente sentir-se em casa depois de um longo período de distanciamento.

Nova casa

Enquanto pequenos espaços fecharam, entre novembro e dezembro uma nova casa de shows de grandes dimensões vai abrir suas portas. Com capacidade para oito mil pessoas e totalmente climatizada, o Armazém Convention está em fase final de acabamento no Parque Shopping da Bahia (em Lauro de Freitas). A casa pretende atender uma demanda antiga da capital, para receber shows maiores em um local com estrutura pronta, como existe há tempos em outras capitais. Comandada por um grupo de empresários, a casa deve ser inaugurada com show de dois grandes nomes da música popular brasileira.

Novo espaço de shows com capacidade para receber um público de 8 mil pessoas.

Para quem gosta de música sem preconceitos.

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Veja as festas, shows, festivais e eventos de música que acontecem em Salvador, com artistas locais e de fora dos estilos mais diversos.