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Discos: Joana Terra estreia em clima bucólico e introspectivo

Em novo direcionamento na carreira, cantora, violonista e compositora Joana Terra apresenta seu disco de estreia, ‘Vermelha’. Depois de trilhar os caminhos do samba, ela traz uma sonoridade mais próxima a MPB, que ganha aqui análise de Juliana Rodrigues.

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*Por Juliana Rodrigues

Não é de hoje que a cantora, violonista e compositora Joana Terra está no cenário musical baiano. Nascida em Salvador e criada em Barra da Estiva, na Chapada Diamantina, a artista começou a carreira em 2004, quando foi finalista do Festival de Música da Educadora FM com a música ‘Urbanos’. Entre 2008 e 2013, fez parte do grupo Samba das Moças. No entanto, sua estreia em registro fonográfico só se deu em maio deste ano, com o álbum ‘Vermelha’, lançado em formato físico e digital.

Produzido pelo músico pernambucano Juliano Holanda, o disco promove, em suas 11 faixas autorais – algumas em parceria com outros compositores -, um distanciamento do passado musical da artista. Ao mesmo tempo, evidencia pontes entre o brejeiro do interior e o ritmo da capital, entre Bahia e Pernambuco, em uma atmosfera bucólica e introspectiva.

O resultado é uma música que se desenvolve calmamente. Inclusive com durações longas, na contramão das tendências “comerciais”. Em termos de sonoridade, o trabalho de Joana é aquele disco que a gente põe para tocar na vitrola em um momento calmo. Também pode ser aquela música que tocaria em uma rádio de “nova MPB”.

Inquietação

Com participações do violoncelista carioca Lui Coimbra e do cantor, compositor e pianista Zé Manoel, além do músico Martins e da cantora Naiá da Cruz, “Vermelha” é um disco permeado pela espiritualidade, tanto do candomblé quanto do hinduísmo, além de ser fruto de uma jornada de autoconhecimento de Joana. Ao sair do Samba das Moças, a cantora, que tem na mineira Ceumar sua principal referência, passou uma breve temporada em São Paulo e acabou rumando para a comunidade Inkiri Piracanga, em Maraú, no sul da Bahia, onde vive há seis anos.

“Essa inquietação que eu já estava sentindo em Salvador era porque eu estava sentindo falta de natureza. Fui para Piracanga visitar minha cunhada e resolvi ficar. É um lugar de muito silêncio, muito autoconhecimento”, diz Joana, em entrevista concedida via WhatsApp.

Finalizado o disco, uma inesperada ligação com a simbologia das religiões de matriz africana também acabou sendo evidenciada. Embora o trabalho tenha o nome de ‘Vermelha’, por ser um apelido recorrente da cantora de cabelos ruivos, pessoas do candomblé disseram a Joana que havia ali uma ligação com Iansã, orixá dos ventos e tempestades, representada pela cor vermelha.

“Fiz todo o processo do disco pensando na conexão com a natureza, porque é uma coisa que eu estou sempre buscando. Sempre fui muito ligada à natureza. Quando fui lançar o disco em Recife, um amigo achou que eu tinha colocado o nome ‘Vermelha’ pela ligação com Iansã. E eu não tinha reparado, mas a palavra ‘vento’ está presente em várias músicas do disco. É como se tivesse mesmo algo me guiando”, afirma a artista.

Autoconhecimento

Essa experiência espiritual e pessoal se reflete no álbum de várias formas, além da presença do vento nas letras de quatro faixas. É o caso de “Prabhu Aap Nagô” (Joana Terra), que se inspira no mantra hindu “Prabhu Aap Jago”, trazendo o cello de Lui Coimbra e influências percussivas
do ijexá. Além de “Meu Karma” (Joana Terra/Juliano Holanda), lançada como primeiro single.

Já a temática do autoconhecimento aparece na contundente “Navalha” (Joana Terra/Juliano Holanda). Com arranjo de voz e violão, a faixa faz jus ao nome e trata do desafio de lidar com as próprias sombras. A memória, a saudade e a relação com as raízes dão o tom de “Baião de Lembrança” (Joana Terra/PC Silva), uma das melhores faixas do disco. A faixa é enriquecida e adocicada pelo piano e pela voz de Zé Manoel.

Reconexão

Em “Chafariz” (Joana Terra), a artista canta a necessidade de desacelerar e priorizar o que é realmente importante, em um simpático arranjo upbeat. Seguindo linha temática semelhante, os versos de “Voa Borboleta” (Joana Terra), uma homenagem à irmã mais nova de Joana, falam de brincar, ser feliz, voltar a ser criança. O que não deixa de ser uma forma de reconexão consigo mesmo. A faixa, uma das primeiras composições da artista, tem o violoncelo de Lui Coimbra e a participação de Naiá da Cruz, cantora mirim da comunidade Inkiri Piracanga.

“Vermelha” tem produção caprichada e boas letras, embora haja certa ironia no fato de uma música denominada “Rima Rara” (Joana Terra) conter uma rima um tanto óbvia: “palavras não vão validar sentimento / são tantas juras de amor ao vento”. Mas, como a própria Joana canta mais adiante, “rima rara vale nada”. No geral, o trabalho evidencia o talento da cantora e violonista e é um forte candidato a estar entre os melhores discos baianos de 2019.

Ouça ‘Vermelha’:

* Juliana Rodrigues é jornalista formada pela UFBA. Atualmente, trabalha na Rádio Metrópole FM como repórter e escreve análises sobre música e áudio no blog Ouvindo Coisas. Produziu o radiodocumentário “Além do que se ouve – Sonoridades da MPB nas décadas de 1960, 1970 e 1980” como trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, em 2018. Tem passagens pelas rádios BandNews (2017-2018) e Educadora FM (2015-2017).

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