O que será do Carnaval baiano depois de FatBoy Slim? Ou como provar mais uma vez que o reino do Axé está cada dia mais decadente.
Talvez não dêem a importância devida na imprensa e tenha passado despercebido pela maioria dos milhões de foliões que foram às ruas nesse Carnaval em Salvador. Mas quem viu, deve concordar, o DJ FatBoy Slim pode ter inaugurado o novo Carnaval de Salvador. Tudo bem que Daniela Mercury já tinha levado música eletrônica para o circuito carnavalesco. Tudo bem que atrações fora do mundo do axé já haviam brilhado na festa e que nesse mesmo ano um outro nome de peso do show business mundial tenha passado pelo carnaval baiano.
O porém é que ninguém fora do reino do axé comandou tão bem e arrastou uma platéia tão grande e diversa quanto o DJ inglês. Não deve ter sido o acaso que colocou alguns dos poucos bons nomes que ainda restam no Carnaval de Salvador abrindo alas para Fatboy Slim. Daniela Mercury, Armandinho (que andou criticando a presença de estrelas não baianas no Carnaval de Salvador) e Margareth Menezes. Fatboy soube aproveitar o espaço aberto e comandou como se estivesse em um show próprio. Nem parecia um gringo em terras tão fechadas a sons desconhecidos.
Acompanhado dos dos principais djs brasileiros, Patife e Marky, o inglês era sorriso de orelha a orelha desde a concentração no Farol da Barra. Vestido com uma camisa da seleção, como os outros djs, e armado com uma daquelas buzinas barulhentas de Carnaval, FatBoy provocou alguns dos melhores momentos do Carnaval baiano em anos. E não era por ser estrela internacional e um dos maiores nomes do seu ofício. A maioria ali nem sabia disso. Se dentro do bloco, um público de playboys e patricinhas se espremia achando que estava numa boate qualquer e se preocupava mais em procurar o alvo do próximo beijo, do lado de fora o folião chamado de pipoca (o que sai fora dos blocos), também espremido, entre cordas e camarotes, se largava, se esbaldava e deixava as batidas tecno guiarem as cansadas pernas já no último dia de Carnaval.
FatBoy fez o prometido, transformou o Circuito Barra Ondina numa grande rave, revezando break beats, batidas, efeitos e incluindo alguns hits no set. Com bom senso, disse que escutou Axé, mas preferiu não incluir no seu set, já que, “não é meu tipo favorito de música. Pensei que poderia incorporar alguma coisa no show, mas acho melhor deixar isso para os brasileiros e tocar o que eu faço sempre.” Então tome-lhe “Groove in the Heart” do Deee Lite, “Billie Jean” de Michael Jackson, “Baby Boy”, de Beyoncé, “Mas que Nada” de Jorge Ben eram alguns dos sons mais familiares para o grande público. Incluia também “Around the World” do Daft Punk, a introdução de Born Slippy do Underworld, Basement Jaxx, The Cream e clássicos pessoais, como “Righ Here Righ Now”, “Praise You” e “Wonderful Night”.
Se todo mundo vai repetir que FatBoy Slim fez chover, já que foi o bloco entrar na avenida para pouco depois cair uma chuva inédita na festa deste ano, estarão certos em dizer também que foi uma rave a céu aberto, uma Love Parade em pleno templo do axé. Fat Boy fez seu show particular, botando o público para aplaudir no ritmo de suas batidas, ou para girar as camisas e principalmente criando uma pista de dança.
O público mais ligado a sons como pagode e axé até que estranhou no início, mas aos poucos o que se viu foi uma junção de peles negras com a multidão de gringos que já conheciam o inglês. Um clima rave, sorrisos na cara, danças estranhas e todo mundo se soltando nas batidas eletrônicas. êxtase geral. O discurso que no Carnaval de Salvador cabe tudo nunca foi tão correto, o que talvez não se mantenha de agora em diante é que vai ser preciso sempre um cara com a capacidade de Fat Boy Slim para jogar o Carnaval para cima e mostrar que existe muito além do mais do mesmo que o Axé insiste em projetar. Viva a diversidade.
Campanha abaixo os blocos
Se cada vez mais fica a certeza da inutilidade da existência de blocos. Mais do que isso, a certeza que eles só servem para exclusão e benefício de uns poucos. A terça-feira de Carnaval estava calma, tranquila. Apertos em lugares onde os camarotes e as cordas dos blocos deixavam as pessoas comuns com a sensação de que aquelas ruas não eram públicas. Uma das responsáveis pela segurança do bloco da Skol, inclusive, dizia, sem pensar, que quem estava dentro do bloco tinha mais direito, porque tinham desembolsado dinheiro. Bom, eles tem direito a curtir dentro das cordas, mas não dá direito de apertar nas ruas para quem paga. A rua é pública e a sugestão é que músicos, imprensa, público e quem mais se interesse se organize para mudar as regras. Abaixo as cordas, viva a liberdade de pular na rua.