Selos independentes estabelecem a volta dos LPs no Brasil

Os discos de vinil voltaram com toda força há alguns anos, não só com o resgate de LPs originais, mas também com lançamentos de novidades e relançamentos de clássicos. No Brasil, vários selos independentes têm sido responsáveis por levar este material ao público. O jornalista Ricardo Cachorrão fez um panorama das principais iniciativas pelo país. O texto foi originalmente publicado no site Rock On Board.

Por Ricardo Cachorrão*

Voltando ao começo da década de 90. Me recordo que o mercado fonográfico estava em transição: os artistas ainda lançavam seus álbuns nos formatos LP e Cassete, mas, aos poucos chegavam junto ao mercado os, caríssimos, Compact Discs. Não tardou para o preço dos CD’s cair, o cassete se aposentar e os discos de vinil ter suas produções interrompidas. Ninguém queria saber dos “bolachões”, o CD era mais fácil de armazenar, fácil de ouvir, você escolhia diretamente a faixa que queria ouvir através de um controle remoto e, havia a (falsa) propaganda de que o CD apresentava o som perfeito, limpo e cristalino, sem os chiados que ouvíamos há décadas nos discos de vinil.
 
Aos resistentes, havia o argumento de que as capas dos LP’s são verdadeiras obras de arte, os encartes são mais fáceis de ler, mais caprichados. Caiu por terra logo, a cada dia que passa me parece que ninguém mais (ou a grande maioria das pessoas consumidoras) liga para letra, ficha técnica ou qualquer outra coisa escrita.
 
Aconteceu comigo e com a maioria das pessoas: trocamos as coleções de vinil por CD’s. Chegávamos ao cúmulo de ir numa loja nas galerias de discos do Centro de São Paulo e trocar absurdamente três, quatro, CINCO discos de vinil por UM compact disc!
 
Anos se passam e o tal imbatível CD, foi caindo no ostracismo! Com o avanço da tecnologia, inventaram o tal de MP3, um arquivinho digital fácil de conseguir, de graça, com tudo aquilo que o público quer ouvir. Temos o problema da pirataria… e inventaram o streaming! Uma forma injusta de remunerar o artista, mas, ainda assim, é legal e remunerado, mal e porcamente, mas é.
 
Fragilidade dos CDs em questão…

Chegamos ao fato de que o CD NÃO É ETERNO! O compact disc que não é bem cuidado oxida e tem dados apagados e, lembra-se daquele velho e empoeirado disco de vinil? Se você colocar uma agulha sobre ele, o mesmo TOCA!

E enquanto o CD vai decaindo, devagarinho, vão aparecendo novos interessados nos velhos bolachões, e tem de tudo, tanto velhos saudosistas que mantiveram seus discos, como molecada que se interessou pelos discos de pais e avós e ficou fascinada por todo o “ritual” de se ouvir um disco de vinil.
 
De volta ao mercado

O mercado de discos de vinil se aqueceu e inflacionou de forma assustadora! Lojas cobram quinhentos reais num LP usado sem peso na consciência e… VENDE! E, de uma hora para outra, inúmeros foram os selos que surgiram no mercado com lançamentos caprichados, que podem ser desde o relançamento de um clássico fora de catálogo, como novidades fresquíssimas, sempre com acabamento esmerado, com o vinil pesado, muitas vezes colorido, encartes detalhados e capas caprichadas, em papel grosso e de qualidade bem acima da média do que conhecíamos décadas atrás.

São tantos os selos, que é impossível eu citar todos aqui num breve relato da cena atual, mas, tentarei lembrar alguns dos mais importantes do momento. E tem para todo gosto!
 
Polysom viu o futuro repetir o passado…
 
Com a procura pelos velhos discos de vinil empoeirados nos sebos espalhados em todo canto, acredito que os primeiros a ter a visão de que essa poderia ser uma saída para o cambaleante mercado fonográfico, foram os cariocas da POLYSOM. A fábrica de vinil, fundada em 1999 na baixada fluminense se manteve no mercado até 2007, quando, em crise, foi obrigada a fechar as portas, e neste período, esteve basicamente atendendo igrejas evangélicas e sua altíssima demanda por discos ecumênicos, já que a música popular havia abandonado o formato em detrimento do CD. Em fins de 2008, de olho no mercado em expansão nos EUA e Europa, a gravadora DECKDISC vislumbrou a ideia de adquirir os equipamentos da velha fábrica e em 2009 a aquisição foi oficializada. Por um bom tempo, a Polysom era a única fábrica de discos em funcionamento na América Latina, produzindo vinis principalmente para as  majors Universal Music, Sony Music e Som Livre, além do próprio cast da Deckdisc e encontrando espaço para atender outros pequenos selos. Produzindo lançamentos concorridos com o último álbum dos mineiros do BLACK PANTERA, e relançando muita coisa como MARISA MONTEALCEU VALENÇAGILBERTO GILRAUL SEIXAS e O RAPPA, por exemplo, a Polysom é nome fortíssimo no mercado, sempre vale a procura ali: http://polysom.com.br/site/.
 
Com a enorme procura de diversos selos, a fila de espera para produção de um LP na Polysom ficou enorme, chegando há vários meses, e os pequenos selos procuraram outras alternativas: novas fábricas abriram as portas no país, e muitos dos selos independentes está mandando produzir seus trabalhos no exterior, principalmente na Argentina, Portugal e República Tcheca.

Läjä Records

Lá do Espírito Santo, capitaneada por Fábio Mozine, tem a Läjä Records, selo independente que lança muita gente interessante, que vai da lambada do FIGUEROAS aos discos das bandas do anfitrião, caso de MUKEKA DI RATOMERDAOS PEDRERO ou ARAME, atuando também como distribuidora, a Läjä Records atende todo o país, com discos de vinil, CD’s, camisetas, meias, livros e o que mais o underground produzir. Vale a visita: https://lajarecords.lojavirtualnuvem.com.br/
 
Red Star Recordings
 
De São Paulo, com Jeferson Bem à frente, a Red Star Recordings é a casa do punk rock. Com vasto catálogo de CD’s lançados, que incluem lançamentos de clássicos nomes gringos, como D.O.A, do Canadá, RASTA KNAST, da Alemanha, NEW MODEL ARMY e DISCHARGE, da Inglaterra, dentre outros, também passou a investir no vinil, e tem participação em lançamentos como DEVOTOS, o trabalho solo do guitarrista dos Ratos de PorãoJÃO & A DECADENTE FAMÍLIA BRASILEIRADESERDADOSAGROTÓXICO, FLICTS e outras coisas bacanas, dá uma olhada na loja dos caras: https://redstar77.com/ 
 
Noize Record Club

Uma ideia bacana que já tem alguns selos adeptos é o “clube do vinil”, caso da Revista Noize, que lançou o NOIZE RECORD CLUB, onde por uma assinatura mensal ou bimestral, o assinante recebe em casa discos caprichadíssimos e exclusivos, como o último álbum do PLANET HEMP, o já cultuado “Jardineiros”, ou o último de CAETANO VELOSO, o ótimo “Meu Coco”. No catálogo, além de lançamentos inéditos, existem discos relançados de gente como SANDRA SÁRAUL SEIXASGILBERTO GILHERMETO PASCHOALITAMAR ASSUMPÇÃOMILTON NASCIMENTO e muitos artistas novos, como ANELIS ASSUMPÇÃORACHEL REISLINIKERRODRIGO AMARANTE, CRIOLO. Existe a possibilidade de comprar álbuns avulsos, um pouco mais caros e em tiragem limitada, vale uma fuçada: https://www.noizerecordclub.com.br/
 
Pecúlio Discos

De Santos, litoral de São Paulo, vem a PECÚLIO DISCOS, do baterista dos Ratos de Porão, Maurício Boka. Como distribuidora você encontrará ali lançamentos diversos do underground, mas o legal mesmo são os lançamentos próprios, de bandas como o ótimo APNEA ou o SURRA, grande nome da atual cena do hardcore nacional. Vá sem medo: https://www.peculiodiscos.com.br/ 

Limaia Discos
 
Legal também quando a banda cria seu próprio selo, caso da LIMAIA DISCOS, que lança os álbuns dos sergipanos THE BAGGIOS, e que tem em seu catálogo também o trabalho solo do vocalista JULICO (leia entrevista com o artista) e a banda psicodélica alagoana MOPHO. Música nordestina de muita qualidade, temos aqui: https://www.limaiadiscos.com.br/ 
 
Estúdio Caixa de Som

Também preciso falar do ESTÚDIO CAIXA DE SOM, que lançou o último disco de estúdio do grupo IRA!, “Ira”, de 2020, muito bonito e caprichado e no catálogo também tem disco inédito dos 3 HOMBRES, “Sob o Sol que Nunca Morre”, cultuada banda paulistana dos anos 80. Não dá para não falar de DOM SALVADOR TRIO, que aparece aqui com “Samborium”, álbum de 2022, do pianista Dom Salvador, mestre do samba-jazz / samba-funk carioca. Poucos, mas bons: https://www.estudiocaixadesom.com.br/
 
Vinil Brasil

Outro “seleiro de craques” é o selo VINIL BRASIL, responsável pela prensagem do último disco dos pernambucanos da DEVOTOS, o ótimo “Devotos Punk Reggae” e muita coisa boa, como JÚPITER MAÇÃB-NEGÃO & OS SELETORES DE FRENQUÊNCIAEDGARD SCANDURRABANDA DE PÍFANOS DE CARUARUBANDA BLACK RIOAUTORAMASZ’AFRICA BRASILTHAÍDEMUNDO LIVRE S/A, e grande elenco, garimpe lá: https://www.vinilbrasil.com.br/
 
 
E, sempre é bom lembrar que a união faz a força, ainda mais em meio aos independentes, sendo assim, não posso deixar de falar de dois selos FUZZ ON DISCOS e TRÊS SELOS, duas uniões de três selos cada, responsáveis por um catálogo extenso e de produção caprichadíssima.
 
Fuzz On Discos

A FUZZ ON DISCOS é a junção da Anomalia Discos, de Santo André – SP, da Melômano Discos, de Maringá – PR e da Neves Records, de Santa Bárbara D’Oeste – SP. No site que cada selo é possível encontrar vinis e CD’s diversos, mas, o catálogo do selo é o que interessa aqui, e os lançamentos são caprichadíssimos, como KRISIUMRATOS DE PORÃONERVOSAJIMMY & RATSMUSICA DIABLOJOÃO GORDO & ASTEROIDES TRIO e o lindíssimo relançamento do primeiro disco de LITTLE QUAIL AND THE MAD BIRDS, banda noventista do Gabriel Thomaz, dos Autoramas. Se liga: h ttps://www.fuzzondiscos.com.br/
 
Três Selos um dos selos independentesTrês Selos

Já a TRÊS SELOS reúne três parceiros de São Paulo, Capital, que são Assustado Discos, EA-EO Records e Nada Nada Discos / Discos Nada. Tem dois modos de atuação, um “clube do disco”, onde por uma assinatura mensal o assinante tem acesso a caprichados lançamentos mensais, sempre com qualidade muito acima da média. E também a “Três Selos Paralelo”, onde podem se comprar os títulos avulsos. Já vi gente reclamar dos preços, mas, valem cada centavo! Primeiro devemos lembrar que a produção é quase que artesanal, em tiragens limitadas e de bom gosto extremo, tanto álbuns simples, como, principalmente, as Box sets. O catálogo é muito variado, tem desde relançamentos como o “GRITO SUBURBANO”, primeiro disco de punk rock brasileiro, CÓLERARATOS DE PORÃO, misturados com gente boa como SIBAMUNDO LIVRE S/AJARDS MACALÉARRIGO BARNABÉARTHUR VEROCAINANDO REISMESTRE AMBRÓSIOARNAUD RODRIGUESJACKSON DO PANDEIROCHICO CÉSARFELLINICARTOLANOVOS BAIANOS… Ufa! E isso é só uma palhinha, o catálogo é enorme e excelente. Não marque bobeira, acesse e se divirta: https://tresselos.com/ 

Baratos Afins
 
Por último, nunca é demais lembrar da mais importante gravadora independente do Brasil, desde 1978, a BARATOS AFINS faz amantes da música felizes. O gostoso mesmo é estar em São Paulo e visitar a loja física e bater um papinho com o Luiz Calanca, o criador deste monstro sagrado da cultura nacional. Na impossibilidade de visitar a loja, fica o consolo de visitar o site: https://www.baratosafins.com.br/

Podem inventar o método que for para se ouvir música, mas, nada jamais irá superar o ritual de você tirar um vinil da capa, colocar no prato, por a agulha em cima, ouvir aquele chiado do contato com os sulcos do disco, aumentar o som e viajar, com capa na mão, encarte com letras, ficha técnica e tudo de direito!
É isso… Rock on!


* Ricardo “Cachorrão” é jornalista, escreveu para Rock Brigade, Kiss FM, Portal Rock Press, Revista Eletrônica do Conservatório Souza Lima e é parte do staff ROCKONBOARD desde o nascimento.

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