Pernambuco passou por uma revolução musical com o Mangue Beat nos anos 90, voltando a fincar posição no mapa musical e ser um dos pólos culturais do país. Hoje, por mais que alguns pernambucanos reneguem e muita coisa tenha surgido bem distante das ideias de Chico Science e Fred 04, os frutos gerados pelo movimento ainda fazem diferença. Muitos artistas surgiram no Mangue Beat e, em decorrência daquele universo, continuam tentando apresentar novas ideias – alguns com as mesmas bandas e projetos, outros se reposicionando e seguindo novos caminhos.

Os dois ícones do movimento vivem momentos diferentes. Na ativa, a Mundo Livre S/A lançou um disco de inéditas em 2011, o Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa, e segue fazendo shows pelo país com certa frequência. A Nação Zumbi está parada, sem previsão de lançamento de um novo show. Apesar de duas música inéditas, que surgiram no ano passado – ‘Foi De Amor’ e ‘Cicatriz’ – e da gravação de uma música do Mombojó – ‘Justamente’ – a banda negou que pretenda lançar álbum novo até 2014 e uma turnê também estaria descartada. No entanto, parece que o tal disco novo, o oitavo da carreira, já estaria gravado e quase pronto. O que existe, de fato, é que a banda não acabou. Tanto que entrou no estúdio e gravou um disco dividido com o Mundo Livre. No álbum, para quem ainda não conhece, uma banda gravou músicas da outra. Batizado como Mundo Livre S.A. vs Nação Zumbi, o disco foi lançado pela gravadora Deck e gerou dois shows em São Paulo com as duas bandas ao mesmo tempo no palco. Segundo a própria produção da Nação Zumbi, no entanto, estas seriam as únicas apresentações. Mas, quem sabe, não rola em um Rec Beat ou Abril Pro Rock?

Ouça a última música da Nação Zumbi, ainda inédita em CD: ‘Cicatriz’:

O fato é que os integrantes da Nação Zumbi estão muito mais focados em seus projetos paralelos e são muitos. Além dos já conhecidos Los Sebozos Postizos, projeto na ativa com Jorge du Peixe, Lúcio Maia, Dengue e Pupillo interpretando música de Jorge Ben; Sonantes, coletivo musical com nomes Pupilo, Dengue, Céu, Gui e Rica Amabis que lançou apenas um disco há alguns anos; 3 na Massa, projeto que reúne Dengue, Pupillo e o integrante do Instituto, Rica Amabis, com vocais de cantoras e atrizes famosas, que está em produção de um novo disco; alguns deles passaram a integrar bandas de grandes nomes da MPB. Lúcio Maia, Pupillo e Dengue gravaram o novo disco e estão na turnê de Marisa Monte – antes, os dois primeiros tinham participado do projeto Almaz, com Seu Jorge.

Atualmente, existem outros projetos. Jorge Du Peixe está com o Afrobombas  (facebook.com/Afrobombas), que conta ainda com seu filho, Ramon Lira, e com Louise Taynã, filha de Chico Science, além afrobombas Mangue Beat do também Nação Zumbi Da Lua, na percussão. A primeira música divulgada, ‘Do Sal e Sol Eu Sou’, dá uma pista do som da banda. Ainda não é certo, porém, se a banda irá lançar um CD. “A gente testa no palco e depois vê se vira um CD”, disse DuPeixe em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo no início do ano. Além de shows em São Paulo, o grupo se apresentou no Festival de Garanhuns, em julho. O Afrobombas conta, ainda, em sua formação, com André Édipo (guitarra), Thiago Duar (baixo), Pernalonga (bateria) e Guizado (trompete/eletrônicos).

Ouça a primeira música do Afrobombas: ‘Do Sal e Sol Eu Sou’:

O percussionista Gilmar Bolla 8, um dos fundadores da Nação Zumbi, lançou recentemente o primeiro disco de seu novo projeto, o Combo X (comboxpe.com.br). Criado em 2007 e idealizado por Naná Vasconcelos, o grupo possui dez integrantes e é uma verdadeira percussiva, com alfaias, timbais, caixa de bateria, abe e gonguê. A sonoridade remete a Nação dos tempos de Chico Science, que é homenageado na música ‘Rei Urbano’, com muita percussão, toques pernambucanos e uma mistura de maracatu, funk, ciranda, rock, coco, dub, jazz, frevo, jungle, afoxé e reggae. A banda já se apresentou no festival Abril Pro Rock e em carnavais do interior Pernambuco. O disco tem participação de Thalma de Freitas, Solano Trindade, Bactéria (ex-Mundo Livre, atual Otto), DJs Soul Slinger, Flávio Renegado, MC Marechal, entre outros, além da produção dividida entre Buguinha Dub, BiD e Kassin.

toca ogan2 Mangue Beat Toca Ogan, outro percussionista da Nação e que faz parte da atual banda de Otto, está em estúdio preparando o seu primeiro disco solo. ‘Desatando o Laço’ terá dez faixas fortemente influenciadas pelo candomblé e outros elementos da religiosidade afro-brasileira. O disco vai revelar um, até então, pouco conhecido lado compositor e cantor do músico, mas será fortalecido com diversas participações especiais, entre elas Pácua (Via Sat), Zé Cafofinho, Bactéria (de novo), o percussionista Marco Axé e Vinícius Viramundos, entre outros.

Mais um percussionista da Nação que está com projeto novo é Gustavo da Lua, o Da Lua (myspace.com/gustavodalua). Ele, que começou na Sheik Tosado e, além da Nação Zumbi, gravou com Los Sebosos Postizos, Otto, Bonsucesso Samba Clube, Academia da Berlinda, entre vários outros, já teve projeto paralelo com Toca Ogan e Marcos Axé (Otto), o Côco de Mazuca. O primeiro disco solo, batizado como RADIANTESUINGABRUTOAMOR, traz um passeio por ritmos diversos, indo de coco, carimbó e bolero, passando pelo afro-rock e brega, e chegando em surf music, jovem guarda, o hip hop, soul e funk. O álbum conta participações de Gabriel Melo (produtor), Fernando Catatau, Lira, Jr. Black, Rodrigo Brandão, Pernalonga, Rogerman, Chiquinho Mombojó, Urêa, Hugo Gila, João do Chelo, e, claro, a turma do Nação, Pupillo, Dengue e Toca Ogan.

Entre os projetos paralelos de músicos da Nação, o guitarrista Lucio Maia é o que tem o mais consolidado. O Maquinado já lançou dois álbuns, Homem Binário, em 2007, e Mundialmente Anônimo: O Magnético Sangramento zulumbifotooficial2 Mangue Beat da Existência, em 2010. Um terceiro ainda não é especulado, mas Lucio Maia já vem apresentando um outro projeto num formato de trio, o Zulumbi (www.zulumbi.com.br). Formado por ele PG (do grupo de rap Elo Da Corrente) e Rodrigo Brandão (vulgo Gorila Urbano e MC do coletivo paulista Mamelo Sound System), o grupo prepara o primeiro disco, que terá dez faixas inéditas e uma sonoridade psicodélica que mescla batuques afro-brasileiros e hip hop. O trabalho conta com participações especiais de nomes como Juçara Marçal, Anelis Assumpção, Thiago França e Marcelo Cabral, os jazzistas norte-americanos Rob Mazurek e Jason Adasiewicz, a rapper Yarah Bravo e os parceiros de Nação Zumbi e Elo da Corrente.

Ouça a música do Combo X em homenagem a Chico Science, ‘Rei Urbano’:

Outro grupo fundamental do Mangue Beat que gerou bons frutos, além dos excelentes três discos da carreira, foi o Mestre Ambrósio. Os integrantes da banda, que encerrou as atividades em 2004, seguiram outros rumos, com destaque para Siba, que depois do projeto com a Fuloresta lançou um disco solo, um dos melhores de 2012. Sergio Cassiano (soundcloud.com/sergiocassiano), percussionista, cantor e produtor e que dividia com Siba boa pare da autoria das composições do Mestre Ambrósio, também seguiu uma carreira solo e está lançando seu segundo disco, Água. Conceitual e falando sobre o tema que dá título ao
sergio cassiano2 Mangue Beat trabalho, o disco traz sonoridade que remete a sua antiga banda, trafegando por ritmos e sons tradicionais de Pernambuco, mas com sonoridade contemporânea. Cassiano, que também é professor de percussão popular do Conservatório Pernambuco de Música, foi responsável pela produção, mixagem e masterização do disco, o que já havia feito em seu primeiro CD, Ciência da festa, lançado em 2003.

Também do Mestre Ambrósio, Mazinho Lima (soundcloud.com/velho-maza), conhecido como Velho Maza, lançou, em janeiro, o seu primeiro disco solo. Músicas para dançar, cantar, ouvir foi produzido pelo próprio músico, que ainda canta e toca quase todos os instrumentos (violão, baixo e guitarra). O único que ele não tocou foi a bateria, a cargo de outro ex-Mestre Ambrósio, Éder Rocha. O álbum reúne antigas e novas composições com influências que vão de Fagner e Alceu Valença a Led Zeppelin.

O próprio Eder “O” Rocha (facebook.com/Orochaprojetos) atualmente toca vários projetos ao mesmo tempo. Dentre eles, estão o grupo Mutrib, que faz um passeio sonoro pelo países do mediterrâneo oriental e dos Balcãs; o Ponto BR, que junta músicos contemporâneos e mestres da cultura tradicional para uma mistura de ritmos de várias partes do Brasil; o Zabumba Moderno, um quinteto de metais e uma zabumbateria, com influência das bandas de pífanos do nordeste do Brasil.

Ouça a música de Sergio Cassiano que dá nome ao disco:

Não tão ligado musicalmente às misturas do Mangue Beat, mas contemporâneo do movimento no Recife, o Devotos continua tocando e tem também integrantes em projetos paralelos. O vocalista Cannibal cafe preto2 Mangue Beat se enveredou por um projeto de dub batizado como Café Preto (cafepreto.mus.br). Ao lado de Eric Gabino (baixo), PI-R (teclados e programações), Marcus Antonio (guitarra), Bruno Pedrosa (programações, samples e efeitos), Mércio Marley (bateria), e contando com a colaboração de diversos outros músicos, como Fred Zero Quatro (Mundo Livre S/A) no cavaquinho e Berna Vieira na escaleta, ele já lançou um disco do projeto, que é focado em dub e ragga com temáticas sociais.

Os herdeiros do Mangue Beat

No rastro do Mangue Beat, surgiram diversos outros grupos e artistas. Alguns continuam, outros também enveredaram por novos projetos. O Cordel do Fogo Encantado, por exemplo, encerrou suas atividades em 2010. Hoje, José Paes de Lira, o vocalista Lirinha, responde como Lira (josepaesdelira.tumblr.com/), num projeto bastante diferente do que o revelou. No seu primeiro disco, lançado em 2011, ele soa menos intenso e visceral, abandona os sons típicos de sua terra, para mostrar um trabalho mais experimental e psicodélico. Permanece a face poética, com letras quase que recitadas.

O outro lado mais criativo do Cordel, Clayton Barros, responsável pelo violão do grupo, encabeça um novo projeto. Batizado como Os Sertões (ossertoes.rec.br), a banda não faz exatamente música nordestina tradicional. Com uma formação que inclui violão, guitarra, baixo, bateria e trombone, o grupo soa bastante urbano, mesclando soul, funk, ska e rock. O disco de estreia, lançado no começo deste ano,  com capa que faz referência ao clássico Sgt. Pepper’s, traz participações de Otto, Yuri Queiroga, Jr. Black e Vinícius Sarmento , e duas versões para ‘Galope Rasante’ de Zé Ramalho e ‘Wheels’ de Les Baxter.

trio-eterno-suite-pistache-2 Mangue Beat Também surgido fruto das misturas do Mangue Beat, o Mombojó passou por reformulação e continua na ativa, mas seus integrantes também apostam em projetos paralelos. O último a ser lançado foi o Trio Eterno, que junta Felipe S, vocalista do Mombojó, André Édipo, do Bonsucesso Samba Clube e Zé Guilherme (ou Missionário José). O grupo lançou este ano primeiro disco, Suite Pistache, que pode ser encontrado em vinil e no site Bandcamp da Reco-Head. Gravado durante os últimos dois anos, o disco traz participações especiais de Dengue (Nação Zumbi), Domenico Lancelloti, Marcelo Machado e Chiquinho (Mombojó), entre outros.

Os integrantes do Mombojó, juntos ao músico China, realizam ainda dois projetos fazendo versões. O Del Rey, com músicas de Roberto e Erasmo Carlos, e o Coisinha, que conta também com a filha de Chico Science, com clássicos  da música infantil. Há ainda os projetos de integrantes da Orquestra Contemporânea de Olinda: Juliano Holanda (julianoholanda.com.br), com o instrumental Wassab, que também conta com o percussionista Gilu da Orquestra , o projeto Rabecado e o solo, pelo qual lançou o disco A Arte de ser invisível, com participações de nomes como Benjamin Taubkin, Jam da Silva, Siba, Geraldo Maia, Ceumar, entre outros.

Evidente que Pernambuco não é só Mangue Beat. Muito mais artistas, discos e novidades na música tem saído de lá fora desse ambiente. No entanto, o movimento teve grande importância e quem fez parte dele, assim como seus herdeiros, que ainda permanecem  produzindo bastante e realizando trabalhos relevantes.

Ouça a música ‘Saí Descalço’, do Trio Eterno:

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