Karina Buhr lança CD e parte para carreira solo

Primeiro disco de Karina Buhr sem a banda Comadre Fulozinha é menos percussivo e mais pop, ousado e nervoso.

Karina Buhr
Karina Buhr

Karina Buhr sempre foi conhecida pela carreira fortemente ligada à música mais tradicional e regional de Pernambuco. No comando da banda Comadre Fulozinha, onde toca percussão e canta, ela fez parte de uma leva de jovens artistas que transformava o que seriam ritmos folclóricos e tradicionais em música atual e totalmente viva.

Desde o ano passado a moça vem concretizando seu projeto de investir na carreira solo, que se firma mais definitivamente agora com o lançamento do CD, Eu Menti pra Você. Uma daquelas estreias saborosas que mostra como anda fértil nossa música popular brasileira contemporânea e, dentro dela, como Karina é talentosa.

Nascida em Salvador, criada no Recife e desde 2004 morando em São Paulo, Karina Buhr mostra nesse trabalho que a vida na metrópole não a fez esquecer suas origens, mas ajudou a ampliar os horizontes e trazer novas referências.

“Não houve uma mudança de quando comecei na Comadre e agora, sempre tive esses dois lados. O que aconteceu é que agora consegui parar pra mostrar esse outro com mais veemência”.

O fato é que a convivência com uma cidade como São Paulo, muito mais urbana e cosmopolita do que Salvador e Recife, fez com que ela ganhasse a maturidade e coragem para assumir total controle de seu trabalho e mostrar uma música mais diversa e, sim, moderna.

Ao menos nesse primeiro disco solo, a sonoridade da música de Karina deixa de ser o côco, a ciranda, o baião com foco no forte trabalho percussivo da Comadre e passa a soar mais pop, com doses de dub, funk, reggae, rock e eletrônica, muitas guitarras e efeitos digitais. Deixa de ser tão suave e alegre e ganha ares mais ousados e nervosos.

Romântico defeituoso Karina mostra ser especialmente talentosa e com o mesmo sotaque e competência em gerir gostosas melodias. Cercada de músicos de sua geração ela demonstra uma capacidade incrível de construir belas canções e interpretá-las de forma única.

Fazem parte deste projeto Fernando Catatau e Edgard Scandurra nas guitarras, Bruno Buarque na bateria e base mpc, Mau no baixo, Guizado no trompete, Dustan Gallas nos teclados e piano, Otávio Ortega nos teclados e bases eletrônicas, Marcelo Jeneci no acordeon e piano, além da participação da atriz alemã Juliane Elting e do percussionista cubano Pedro Bandera.

Fugindo de obviedades, ela inventa um universo musical próprio para falar de temas como prazeres banais, fúria, solidão, desapego, amor e morte, com um humor peculiar e uma forma de cantar e interpretar sem virtuosismos e exageros.

“Fico sempre curiosa pra saber como as outras pessoas vão classificar meu trabalho. Gosto de como um mesmo som pode causar impressões diferentes em pessoas diferentes. Mas pensei numa definição pra ele que gostei: ‘Romântico defeituoso’”, comenta. O defeito é por não se enquadrar no romantismo barato que se ouve nas rádios, o que é um grande mérito.

Como vem sendo marca dessa geração que produz bastante, quase sempre em alto nível, mas corre por fora do grande mercado, Karina une em seu trabalho composições inspiradas, execução primorosa e produção caprichada.

Se como cantora e compositora, a baiana-pernambucanapaulista já mostrava suas qualidades quando surgiu na Comadre Fulozinha, agora demonstra ser ainda mais completa assinando a produção e direção musical do álbum.

Sem selo e sem gravadora, Karina apresenta um trabalho que mescla uma verve pop contemporânea que poderia muito bem estar tocando em qualquer rádio do país, ao mesmo tempo em que revela ousadia em experimentar formatos e estilos.

Sem se importar em como pode ser enquadrada, ela faz uma música autoral, bem resolvida e espontânea. Se vai romper o circuito (ainda chamado de) independente, não se sabe, mas bem que merece.

Nesse ponto, a própria Karina dá a receita: “Precisamos trabalhar muito, festejar e nos divertir muito também e ter fé no nosso trabalho, como qualquer outro trabalhador. É bem louco matar um leão por dia, mas é muito bom desfrutar o saborzinho de cada conquista, de cada passo dado”, avalia. O resto, como ela mesma diz, é sorte.

capa CDO Disco “Menti pra Você”

Não é qualquer artista que abre um disco dizendo que é uma pessoa má e que mentiu para o amante, que alerta que está chovendo fogo e as ruas estão queimando, que insere uma música experimental cantada toda em alemão. Uma cantora em seu disco de estreia fazer isso parece ser ainda mais ousadia e até auto-sabotagem. Olhando assim, parece que Karina Buhr quer ficar distante do público, parece não se importar em ter sua música conhecida. Não é o caso.

Ela apenas faz uma música com personalidade e coloca isso disponível nesse disco de estreia. Se Eu Menti pra Você aparenta ter esse tempero mais difícil, quando se ouve o álbum logo se percebe que é realmente apenas uma aparência. Carregado de elementos pop, Karina Buhr lança um disco acessível, gostoso, sincero e bem bonito.

Não dá para não se deliciar com a própria música que abre e intitula o álbum, “Eu menti pra você”, com o humor-negro de “Vira pó” e seu tecladinho, com a deliciosa “Plástico bolha”, um reggae preguiçoso que fala do prazer banal de passar a tarde estourando bolhinhas de plástico. Ou ainda com as belas “O pé” e “Mira Ira” e até com o ciranda-funk “Ciranda do Incentivo”, que trata das dificuldades em se lançar um disco.

A música dela soa como boa parte das novidades da música brasileira contemporânea, absorvendo várias influências sem se preocupar em preencher rótulos. Capta sonoridades diversas do Brasil e do mundo. Não é a MPB cansada e batida do violão e poesia, mas pega isso também. Insere eletrônica, reggae, rock, dub e um misto amplo de sonoridades, para criar uma música com identidade própria. Que se tem semelhança com algo é com o que de melhor vem sendo produzido no Brasil hoje. Se o ano continuar com lançamentos como esse, promete repetir 2009 e comprovar que estamos assistindo a uma geração da música brasileira que já deveria ser reconhecida e estar sendo ouvida pelo grande público.

EntrevistaKarina Buhr – Karina Buhr

– Você  tem sua origem no rastro do Mangue Beat, com o Comadre Fulozinha, cantando e tocando percussão. Nos últimos anos está se assumindo mais como cantora. Como foi esse processo e o que mudou de lá pra agora?

O que mudou foi no sentido de eu conseguir concretizar idéias antigas. Isso de cantora é  engraçado, por que é, na verdade um tratamento dado as mulheres pelo mercado. Eu canto desde 1992 e continuo cantando. Só que como agora tenho um trabalho solo, acabou entrando nesse filão das cantoras. Cantar é uma parte desse trabalho, como também é na Comadre Fulozinha e em todos os outros que já fiz e faço. No caso do meu trabalho solo cantar é tão importante quando compor e quanto dirigir os arranjos.

– Como tem sido assumir esse lado de cantora num mercado cheio de mulheres cantando e fazendo sucesso?

Não vejo como uma competição (pelo contrário) muito menos como uma competição feminina. Como não penso no mercado antes de criar um trabalho, fico bem tranqüila com isso e feliz da vida quando vejo outras mulheres fazendo trabalhos que acho legais.

Isso do mercado é uma coisa bem paradoxal pra quem faz qualquer arte por amor mesmo. Saber o que fazer pra ser mais acessível e não fazer por princípio e vontade de ser sincero é uma coisa trabalhosa. Resta torcer pra que muitas pessoas gostem das suas criações.

Como falei na resposta anterior, ser cantora pra mim não está separado de ser compositora, nem de dirigir os músicos nesse trabalho. O termo “cantora” é um filão determinado pelo tal Mercado. É uma grande dificuldade e uma luta constante mostrar que se faz algo mais além de cantar, para uma mulher, no Brasil.

Que ótimo que tem muitas que cantam e “só” cantam maravilhosamente!

Mas as idéias das pessoas vem também nas letras, por exemplo e letras, mesmo quando escritas por mulheres, representam universos próprios e que merecem aparecer junto com as vozes.

E a expressão “universo feminino” me dá vertigem. Acho um desrespeito…rs.

Quando um homem canta, compõe e dirige o seu trabalho, o fato é tratado como um todo e ele representa algo novo pra sociedade. Quando uma mulher faz isso, é logo tratada como “mais uma cantora”, no meio de tantas, como se competissem entre si. Esse tratamento é cafona e excludente. Às vezes mais parece um concurso de miss.

Quando aparece um homem cantando as próprias músicas ninguém fica comparando ele com Fábio Júnior.

– Nessa trajetória se percebe também, que sua música soa menos regional e mais urbana, cosmopolita, o que tem te influenciado para essa mudança e o que você  ainda traz de influência do período do Comadre (que sei ainda continua, né?)?

A Comadre Continua sim. Tem boatos de que não, mas a Comadre é traiçoeira mesmo, vide a própria. Com a banda não é diferente. Sou contra essas denominações “regional” e “urbano”. Mas esse é assunto que rende páginas e páginas. Melhor a gente conversar ao vivo, numa outra oportunidade.

Mas de toda maneira, entendo perfeitamente o que é chamado de regional e de urbano na música e em todo tipo de arte.

No meu caso não houve uma mudança. Sempre tive esses dois lados. O que aconteceu é que agora consegui parar pra mostrar esse outro com mais veemência pras outras pessoas, mas pra mim ele não é novidade.

Tudo me influencia, tanto pra esse trabalho solo, como no meu trabalho na Comadre Fulozinha. Nesse caso específico foram exatamente as mesmas influências que me sacudiram pra criar esse cd e o último da Comadre. Várias músicas dos dois trabalhos foram feitas em 2007 e 2008. Umas serviram o campo e outras a cidade grande…rs.

– Como foi a produção desse primeiro disco, como você  apresentaria ele?

Foi totalmente independente. Sem selo, sem gravadora, com pouca grana. A direção musical foi minha e a produção musical foi feita por mim, por Bruno Buarque (o baterista) e Mau (o baixista).

É difícil pra quem faz se classificar e se enquadrar. Fico sempre curiosa pra saber como as outras pessoas vão classificar. Gosto de um mesmo som causar impressões diferentes em pessoas diferentes. Mas pensei numa definição pra ele que gostei: “Romântico Defeituoso”.

– Você  se cercou de nomes paulistas da nova e velha geração, como foi esse encontro?

Me cerco sempre de músicos com quem tenho afinidades musicais. Toco com quem admiro como músico e também como amigo.No caso são Paulistas por eu estar morando em São Paulo há quase 6 anos. Dustan, o tecladista é Cearense.

Pedro Bandera é cubano e Juliane Elting alemã.

Bruno e Mau conheço das antigas e convidei sem pestanejar. Guizado conhecia o show dele, achava massa e chamei também. Dustan eu conheci através do Cidadão Instigado e convidei, já com o bonde andando, depois que trabalhei com Otávio Ortega, que outro tecladista que admiro, que esteve comigo no começo do trabalho quando mostrei as primeiras idéias e que foi uma importante parceria em muitos arranjos do disco.

Jeneci é um músico incrível.

Edgard Scandurra foi um presente que ganhei de São Paulo.

Eu não o conhecia pessoalmente. Fiz um show que ele gostou e postou um comentário massa no myspace, onde falava que queria tocar junto. Esse foi o mote pra eu convidar pra participar do disco, nos últimos dias de gravação. Fiquei muito feliz com isso por ser um músico que admirava bastante, mas tinha acompanhado uma outra época de atuação dele.

A presença forte do Ira em nossas vidas não dá pra esquecer. E a voz e a guitarra de Edgard eram parte bem especial dessa história.

Agora acompanho os trabalhos atuais dele e admiro muito, como, por exemplo, o Pequeno Cidadão (tanto as guitarras, quanto as composições, os vocais e também os vocais dos filhos!) e as criações eletrônicas dele.

– Temos assistido uma geração fértil da música brasileira atual, mesmo longe do grande público, como vê essa geração? Como se vê inserida nela?

Acho muito especial esse momento, um momento de rebuliço nas mentes e no mercado e acho que a “grande mídia” precisa chegar junto e fazer essa galera aparecer pro grande público! Não é um favor a ser feito. É uma questão de coerência com o que está acontecendo no nosso país. Existe muita, mas muita coisa massa mesmo acontecendo na música brasileira hoje.

É uma galera que topou com um mercado totalmente novo, louco e de futuro incerto. Mas tudo bem também, por que o de antes não era nada fácil.

Mas como as realidades são novas e ultra mutantes, fica sempre uma sensação de não pertencer a lugar algum. Mas isso também não é de todo ruim e pode, inclusive, ser muito bom, afinal música boa e dinheiro não andam necessariamente juntos. Mas muitas vezes sim! Precisamos trabalhar muito, festejar e nos divertir muito também e ter fé no nosso trabalho, como qualquer outro trabalhador. É bem louco matar um leão por dia, mas é muito bom desfrutar o saborzinho de cada conquista, de cada passo dado. O resto é sorte.

– Como tem trabalhado nesse mercado ao mesmo tempo mais restrito e mais amplo com a internet?

Descobri que posso fazer uma coisa que sempre gostei, que é escrever, de uma forma mais dinâmica e isso está sendo massa. Estou aprendendo a lidar com timing de blogs e afins e descobrindo quais caminhos são mais legais pro tipo de comunicação que gosto.

Quando digo que estou aprendendo é por que tenho um blog no portal MTV (o www.mtv.com.br/karinabuhr) que estava começando a entrar no ritmo e de repente troquei ele pelo facebook…rs! As ferramentas e a agilidade desse site acabou me fazendo deixar nele várias coisas que seriam pro blog. Confesso que rolou uma preguiça de lidar com formatação mais demorada de fotos e tal. Mas vou retomar com gosto e agora também vou escrever no meu site, que entrou no ar hoje.

Gravar e finalizar um cd é  coisa que exige tempo e dedicação que atrapalha uma pessoa recém chegada nesse universo de blog. Gosto desse universo, de ver meus textos e desenhos chegando a um número bem maior de pessoas do que a pouco tempo atrás.

– Sua geração de artistas de Recife sempre tiveram uma postura política cada vez mais rara na música brasileira, acha que o artista ainda tem esse papel?

Acho que todo mundo tem esse papel. Não acho que o artista tenha mais obrigação do que ninguém nesse sentido. Todos nós temos e precisamos usar pra não cairmos na escravidão completa, já que escravo a gente já é mesmo e não temos muito como fugir totalmente disso.

Não acho que essa postura política precise estar necessariamente nas letras das músicas por exemplo. Quem quiser falar só de amor que fale. Acho o máximo falar só de amor. Mas que fale de amor com verdade, com sinceridade, sem vender a alma.

Comercial a gente vai sempre fazer, faz parte da escravidão. Houve um tempo em que eu achava que não era escrava só por que ganhava muito pouco. Demorei pra perceber que eu estava sim fazendo propaganda alheia, só que por muito pouco dinheiro, ou seja, eu alimentava esse sistema mais do que muitas pessoas que eu achava que eram “vendidas”. Esse é também um tema complexo, mas acho que deixei clara minha visão sobre ele nessas mal traçadas.

Conheça mais sobre Karina Buhr:

http://karinabuhr.com.br/

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