Nessa entrevista, a jornalista e radialista Daniela Souza fala sobre a realidade das rádios no Brasil e da Educadora FM, com destaque para a montagem da programação.
Há sete anos Daniela Souza está à frente da Educadora FM. Formada em jornalismo e direito, ela atua como jornalista e radialista e é a atual coordenadora da rádio. Aos 49 anos de idade também é professora da UNISBA, onde dá aula na em várias cadeiras dos cursos de jornalismo e direito, mas, especialmente, nas disciplinas que se relacionam a rádio.
A rádio pública tem experimentado novos desafios e Daniela é uma das responsáveis pelas mudanças que passa a Educadora FM, uma das rádios mais antigas de Salvador. Para entender como funciona a entrada de novidades, a montagem de programação e as escolha da emissora e das rádios brasileiras, resolvemos ouvir essa especialista. E ganhamos uma aula sobre aquele que ainda é um dos veículos mais importantes para quem ouve outra balha com música.
Veja também:
– Que música ouvimos nas rádios brasileiras?
– As músicas mais tocadas nas rádios brasileiras nas últimas décadas.
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– Como é pensada a programação da Educadora e como é definido o que entra nessa programação?
A programação atual da Educadora está em construção permanente e o seu segmento foi fixado ao longo de décadas. Enquadrar uma rádio pública em um segmento é algo bastante complexo. A palavra pública pode levar a ideia de que ela já esteja em um tipo de enquadramento e isso é verdade, mas não diz tudo.
Podemos dizer que a Educadora é uma rádio pública musical. Isso já amplia um pouco o campo de definição, mas não dá pistas, em tese, do que vai tocar de fato. Então, é preciso ampliar isso para outros quadros. Alguns podem considerar a rádio dentro do segmento Adulto Contemporâneo e outros podem entendê-la como Pública, sendo esse um formato em si. A construção e entendimento do que seriam esses formatos para o rádio também não é simples.
“Não seria possível para uma rádio, nem mesmo para uma rádio pública, incluir todas as músicas e todos os conteúdos produzidos em todos os gêneros. Alguém sempre fica de fora”
De qualquer forma, a programação da Educadora é pensada para agradar um público alvo dentro do segmento do qual ela faz parte. Historicamente, podemos dizer que ela está voltada para as classes A, B, C+. Mas, sobretudo, ela tem como alvo e audiência os grupos que são escolarizados e têm alto capital simbólico.
É importante dizer que a sociedade está costurada aos seus grupos sociais e, claro, a Educadora não foge disso. A população ouvinte ligada à emissora está mais localizada nos bairros ocupados tradicionalmente pelos grupos que têm maior escolarização. No entanto, ter capital simbólico, apesar da relação entre estudo e renda, não significa ter grana. Para a nossa rádio, creio que melhor do que o corte econômico é o corte educacional. Por isso, temos a audiência dos grupos mais letrados em qualquer bairro ou categoria econômica.
A segmentação da nossa rádio é a cultura e a educação no sentido mais amplo. Temos programas como Evolução Hip Hop e Tambores da Liberdade que estão mais voltados para aquilo que não aparece nas rádios comerciais. A idade do público alvo também conta, considerando que a emissora é uma rádio com grande amplitude, não podemos colocar coisas que já não fazem mais parte do imaginário musical das novas gerações e precisamos estar atentos ao que surge de novo.
“Muitas pessoas acham que é só tocar no rádio que automaticamente esse conteúdo passa a ser conhecido, não, é um encontro de várias mídias e ações que montam a carreira do artista. O rádio ajuda, mas não é determinante”
A emissora também trabalha com uma programação por fluxo durante 24 horas. Afinal, o rádio não para. Nesse sentido, a rádio está em busca de certa unidade e identidade. Ou seja, o fluxo programativo musical pretende ser mais homogêneo para ser uma marca para Educadora FM. Contudo, a presença de programas e conteúdos variados traz padrões e valores de uma programação em mosaico muito comum em emissoras com menos marcas econômicas ou menos desenvolvidas nesse quesito e que buscam ouvintes para um programa ou horário e não necessariamente para o todo. Além disso, há uma preocupação de abrir espaço para aquilo que não tem espaço em outras emissoras e para as produções baianas contemporâneas. O playlist da Educadora é construído ao longo de muitos anos e com a contribuição de muitas pessoas.
Esse é outro desafio, pois a quantidade de músicas no nosso playlist é enorme e muito maior do que o das rádios comerciais. Hoje a emissora trabalha mais de 20 mil arquivos sonoros, divididos em MPB, Baiano, Instrumental e Internacional. Volta e meia esses arquivos passam por limpezas e inclusões de novas músicas e de algumas antigas, mas que merecem espaço. Sendo objetivo, nosso primeiro corte é a qualidade da gravação, se o fonograma estiver mal gravado é impossível colocá-lo no ar. Depois, passamos a ouvir as músicas e determinar as inclusões. Todos os programadores e pessoas que trabalham na rádio podem indicar músicas que vão ser ouvidas e consideradas. Como a rádio também tem programas especializados, podemos dar espaço para aquilo que não entra no fluxo programativo geral e regular, e que pode ser agregado aos programas da casa dentro de seus segmentos.
“Por ser um elemento artístico, não há uma métrica de gostar ou não gostar. Tentamos abrir espaço para aquelas produções que já estão se destacando localmente. Há um processo entre o amadurecimento do artista e entrada na programação”.
De qualquer forma, o nosso objetivo é dar espaço para os músicos baianos, criar uma estratégia para que eles sejam ouvidos; apresentar músicas novas para velhos ouvintes e músicas antigas para as novas gerações, promovendo um intercâmbio entre o nosso público que tem idade variada. Isso é o que chamamos de fazer a “cama” para uma música tocar. Ela também precisa ser repetida em horários diferentes para que os ouvintes possam conhecer esse conteúdo. Não adianta executar a música uma vez, isso não faz com que o público reconheça esse conteúdo, é preciso certa repetição. E é preciso fazer isso sem soar repetido. Isso ocorre tanto na programação regular quanto nos programas.
A definição é feita pelo grupo que repassa as músicas entre si e passa para o cadastro do playlist com um anúncio de inclusão dessa música. Para afinar a identidade, e isso é necessário, a gerência de programação da rádio verifica toda a programação e tenta encontrar discrepâncias na fórmula ou ausências, já que temos como premissa tocar uma música instrumental baiana por hora e, pelo menos, uma música baiana por hora. Não estão incluídos entre os baianos aqueles artistas que já se consagraram nacionalmente. Essa definição é uma combinação de público alvo, identidade da rádio, curadoria dos programadores e de outras pessoas que contribuem (ouvintes, inclusive) e certo amadurecimento e protagonismo dentro do cenário musical dos artistas. São vários os gatekeepers e eles usam muitos elementos para seleção e descarte das músicas que chegam.
– O que se leva em conta quando se define o que vai tocar na rádio? O público, a qualidade musical, o perfil dos artistas?
Tudo isso. As rádios também têm tradição de trabalhar em segmentos, diferentemente das TVs que trabalham com grupos amplos. Assim, há uma conexão entre qualidade, perfil, público, horário de execução, programa etc. São vários os elementos que são analisados. No nosso caso, também analisamos o fato do músico ser baiano, já que a emissora cumpre um papel cultural importante nesse sentido.
– Quais os critérios para que artistas novos entrem na programação da rádio?
Bom, temos várias possíveis entradas de novos artistas. Há critérios diferentes para a programação e para os programas. No caso dos programas, seus produtores e realizadores fazem a curadoria a partir do projeto editorial de cada um: Rádio África, Radioca, Balanço do Reggae, Evolução Hip Hop, Outros Baianos, Feita na Bahia, Educadora Blues, Mais Caribe, Memória do Rádio, Brasil Pandeiro, Encontro com Chorinho, Forró para Todos, Vozes etc.
Existem muitos conteúdos que chegam que não entram na programação de fluxo, mas que tem potencial para entrar nos programas mais segmentados. O primeiro corte realizado é o técnico. Se a música não estiver bem gravada ela é descartada. A partir daí várias operações serão feitas para que possamos contemplar as produções. De qualquer forma, por ser um elemento artístico, não há uma métrica de gostar ou não gostar. Tentamos abrir espaço para aquelas produções que já estão se destacando localmente. Há um processo entre o amadurecimento do artista e entrada na programação. Como nossa programação geral é mais voltada para a cena de MPB, é possível incluir vários ritmos que caberiam nessa chancela.
“Uma das coisas mais difíceis é tocar uma música nova que a audiência não conhece, pois é aí que você pode perder o ouvinte. Nesse exato momento em que ele não se sentirá gratificado”
Não seria possível para uma rádio, nem mesmo para uma rádio pública, incluir todas as músicas e todos os conteúdos produzidos em todos os gêneros. Alguém sempre fica de fora. E além de incluir é preciso fazer com que essas músicas dialoguem e montem uma identidade para emissora. Mas nossa missão é tentar dar espaço para os artistas baianos, criar uma fórmula para que eles sejam ouvidos. Muitas pessoas acham que é só tocar no rádio que automaticamente esse conteúdo passa a ser conhecido, não, é um encontro de várias mídias e ações que montam a carreira do artista. O rádio ajuda, mas não é determinante, aliás, acho que talvez não exista uma ferramenta determinante para todos os projetos artísticos musicais. A prevalência pode até ser de uma ou outra em determinado contexto.
Hoje, o programador, precisa executar várias ações que antes estavam ligadas às gravadoras e distribuidoras que já funcionavam como filtro. Além disso, é preciso ir atrás dos arquivos que também não chegam mais às rádios. No mesmo sentido, não temos mais formações nessa área, que no passado era feita pelo Senac. Era preciso crescer a partir dali para que a programação pudesse ser cada vez mais consciente e pesquisada. Mas esses cursos acabaram e os programadores profissionais tendem a ser substituídos por algoritmos que trarão outros desafios para a seleção e descarte. Esse cenário da falta de formação em programação musical pode prejudicar, principalmente, a rádio pública que trabalha com um volume maior de arquivos e ritmos.
– Acha que por ser uma rádio pública há mais facilidade em construir uma programação um pouco mais ousada?
Não necessariamente. Para fazer uma programação ousada é preciso fazer pesquisa. Assim deveria ser. Se por um lado a rádio pública tem liberdade para experimentar para além das amarras econômicas, ela também precisaria de mais pesquisa e um projeto editorial mais focado. Infelizmente isso não ocorre, pois a rádio pública acaba agregando muitos grupos sonoros e estilos que são, inclusive, difíceis de serem organizados. Isso também vale para o público, ir de 8 a 80 não pode ser uma opção para o rádio.
Tenho a impressão que as rádios públicas precisam dar conta de uma gama de ritmos que são preteridos e com isso suas identidades ficam em suspenso, isso também vale para os conteúdos falados. Acho que a escolha pela MPB como cama para a programação recai sobre essa necessidade de colar tudo. Dentro dessa categoria, a da MPB, é possível agregar desde o forró até o hip hop, passando pela bossa-nova, axé music, samba, blocos afros, pop, rock, balada, etc.
Também há uma ideia de que sendo pública a rádio precisa tocar todas as músicas que chegarem lá sem atender algum projeto editorial ou escopo. Além disso, há um campo de disputa entre os segmentos musicais para determinar a hegemonia sonora nas rádios públicas. Isso é mais do que natural, de qualquer forma escolha envolve também descarte. Uma rádio que quer tocar tudo pode soar como algo sem identidade ou com uma fragmentação tão grande que impede a manutenção da audiência de longo prazo. Afinal, quantas pessoas você conhece que sintonizam um rádio para ouvir um único e específico programa? A solução talvez fosse criar várias rádios públicas segmentadas, mas para isso é preciso verba.
– Mesmo assim, a Educadora, segundo análise das programações que tivemos acesso, com 60% das músicas sendo composições de mais de 20 anos, a que se deve isso?
As composições de mais de 20 anos podem ser conteúdos originais ou regravações, não sei exatamente como foi contato aqui. De qualquer forma, uma rádio precisa ter uma “cama” conhecida pelos ouvintes, esse é o desafio desse veículo. Ter continuidade e, ao mesmo tempo, ser novo. Se o meu público tem entre 25 e 65 anos é preciso levar isso em consideração, o que acaba acontecendo com as rádios públicas, elas precisam criar algo que contemple esses grupos. Mas ainda assim é preciso saber qual a prevalência de grupos através das pesquisas.
“Se você toca uma sequência de músicas desconhecidas à tendência é o ouvinte sair daquele espaço”.
Por outro lado, uma música antiga pode ser uma descoberta incrível para os jovens. Na verdade, vejo o papel da rádio pública assim: apresentar os sons mais novos para os mais velhos e apresentar os sons mais velhos para os mais novos. De certa forma, os dois estão sendo apresentados aos conteúdos. É fato que uma rádio não pode estar montada apenas em novidades, por outro lado, nós precisamos de mais pesquisas e mais formação para entender os formatos musicais e os relógios possíveis, além do fluxo programativo.
Uma das coisas mais difíceis é tocar uma música nova que a audiência não conhece, pois é aí que você pode perder o ouvinte. Nesse exato momento em que ele não se sentirá gratificado. Por outro lado, é difícil, considerando as propagações atuais, sacar aquilo que já está amadurecendo e surgindo para o contexto musical. Diria até que é impossível. O rádio é um veículo de familiaridade, assim, introduzir músicas novas é bem difícil, mesmo quando o artista já é consagrado. Nossa estratégia é usar as músicas conhecidas para introduzir outras que estão surgindo. Eu toco Maria Bethânia para executar a Josyara.
– Segundo a mesma análise, 25% da programação é de músicas produzidas dos últimos 10 anos, parte delas de artistas novos e até pouco conhecidos. Isso faz parte da proposta da Educadora?
Sim, a ideia é criar uma estratégia para que os ouvintes conheçam aquilo que não conhecem. E dar espaço, claro, para as novas produções. Se você toca uma sequência de músicas desconhecidas à tendência é o ouvinte sair daquele espaço. E as rádios públicas já atuam em uma faixa de pouco consumo, por isso, elas precisam ir atrás da audiência média e daqueles grupos mais segmentados. De acordo com as pesquisas mais recentes, uma pessoa tem três rádios de sua predileção que ficam pré-programadas, e ela fica pulando de uma para outra. Assim, é nesse meio tempo que você precisa prender o ouvinte para que ele permaneça no fluxo de 10 a 20 minutos.
Aí, você pode imaginar que ele ficará mais. Assim, a gente tenta criar uma “cama” para tocar aquelas músicas menos conhecidas e também aquelas que demandam um ouvido mais treinado e desenvolvido. É bastante complexo pensar a programação de uma rádio e isso requer mais formação do que temos atualmente, pois, como já disse, os cursos de formação de programadores acabaram e a impressão que as pessoas têm é de que qualquer pessoa pode ser um programador e que qualquer música pode ser tocada. Sim, qualquer pessoa pode ser um bom programador desde que esteja a fim de aprender. Tem um site que gosto muito onde há uma boa discussão sobre estratégias profissionais de programação, chama-se Radio I love it, o empecilho, ele é em inglês e custa 270 dólares por ano. Por aí você vê…
– A partir da análise das programações das rádios consideradas adultas, voltadas para segmentos como pop, rock e mpb, vimos a presença de poucos artistas das gerações mais atuais, a que você acha que se deve isso?
Essas rádios geralmente investem naquilo que vai dar retorno de audiência dentro do seu segmento. Creio que elas também têm um objetivo cultural e artístico, mas isso precisa estar vinculado a alta audiência e ao potencial de consumo que parte daí. O IBOPE é o mecanismo de medição desse êxito, então, as rádios vão atrás desses espaços e nichos.
– Estamos assistindo uma nova geração de artistas na música brasileira, com nomes como Céu, Silva, Criolo, Emicida, BaianaSystem, Luedji Luna, Liniker, Tulipa, entre outros, se apresentando em festivais (os independentes e os grandes), lotando casas de shows, fazendo turnês pela Europa e, inclusive, tocando em rádios fora do país. Por que nomes como esses e outros não estão nas programações das rádios com esse perfil “adultas, voltadas para segmentos como pop, rock e mpb”?
Acho que eles tocam, mas não de forma hegemônica, a execução não é expressiva. As rádios comerciais trabalham com o sucesso e o sucesso é muito difícil de entender no contexto atual. Sucesso é lotar o TCA ou Wet’n’wild? No geral, elas vão para os grupos de grande consumo dentro do seu segmento. Assim, uma rádio adulto contemporânea comercial vai tocar Tulipa sem problemas. Uma rádio jovem vai tocar Emicida, Criolo, Baiana… Existem outros que ainda não vazaram para o grande público, e quando digo grande, é grande mesmo, não no nicho. Só a rádio pública vai tocar Simone e Silva na mesma virada. Luedji e Caetano, Roberto Mendes com Pirombeira, Ana Carolina com Duda Beat. Agora é importante salientar que a rádio não pode sozinha fazer esse trabalho, a formação de plateia tem que acontecer fora das emissoras também.
– Pela mesma análise percebemos a ausência também de artistas ligados ao Rap, um estilo cada vez mais popular e ligado ao público jovem. Como a Nova Brasil e as rádios adultas podem atrair o público jovem, já que suas programações tem como base um repertório mais antigo? Há uma preocupação a esse respeito?
Bem, não saberia responder essa questão. Mas creio que não haverá mais diferença entre rádio e internet, vai ser tudo rádio, mas não como hoje. Por outro lado, creio que haverá sempre gente a fim de ouvir uma playlist com algum tipo de organização e curadoria e não aquele conteúdo escolhido apenas por si mesmo e nem o indicado pelo algoritmo. Acho que viver o ciclo faz parte, a era do samba-canção foi sucedida pela bossa nova, depois MPB, rock e as forças vão se impondo quase que organicamente. O mais legal de hoje é que as coisas não desaparecem, elas vão se justapondo, se sobrepondo e se recombinando.
– A Rádio sempre foi um tipo de veículo responsável por apresentar, lançar novos artistas. Vários nomes importantes da história da música ficaram conhecidos a partir da rádio. Você acha que as rádios perderam esse papel? Por que?
Eu acho que ela ainda continua apresentando novos artistas e músicas, mas é que hoje tem muita coisa nova e muita coisa para ser apresentada e reapresentada. Hoje o rádio não está mais sozinho também. Se pensarmos bem, em 1970 o rádio FM era uma novidade sem concorrência. Aliás, não havia concorrência até a popularização de equipamentos de gravação e da internet. Daí formamos uma cultura do rádio FM, como formamos uma do rádio AM. E agora estamos formando outra… Uma combinação de consumo sob demanda e de surpresa. De fluxos programativos completos e de fragmentos sonoros como o podcast. Temos vários mercados, isso é complicado de ser explorado em uma única rádio. Por outro lado, temos que lidar com uma cultural que apesar de estar cada vez mais oralizada, também é visualmente hegemônica.
– Segundo pesquisas, 89% da população ouve rádio diariamente, sendo que 94% deste ouvem uma emissora para ouvir a programação musical. Seguindo esses dados e acompanhando a programação das rádios com perfil não “populares” e focadas no público adulto, você acha que tem sentido quando o público diz que não tem nada de novo na música brasileira?
Acho que essa afirmação precisa ser contextualizada. Claro que existe um monte de coisa bacana rolando, um monte de música nova, música brasileira de grande qualidade. Mas também é fato que, além desses artistas não conseguirem ocupar espaços subjetivos e afetivos de um grande número de pessoas, não passamos por um momento de explosão de genialidade. Assim, não sabemos quem serão os imortais de hoje. Por outro lado, houve uma geração que teve a capacidade de se eternizar e soar inovadora mesmo através dos tempos. Basta ouvir “Estrangeiro” de Caetano Veloso ou “Quanta” de Gil. “Construção” de Chico Buarque é um primor de música e verso.
Será que um dia vamos ter uma intérprete como Elis Regina? Alguém vai superar Bethânia na poética musical? E Gal? Se Deus tivesse uma voz… Ainda seria a de Milton Nascimento? Depois deles tivemos Marina, Brown, Lenine, Adriana Calcanhoto, Marisa. Mas é inegável a vitalidade e a importância desses senhores e senhoras. Não sei, estamos em período de passagem. E essas pessoas conseguiram até agora provocar gerações e gerações. Para a galera que surge não é fácil ter paradigmas como esses. Mas não gosto muito de comparar porque não creio que haja comparação. São tempos diferentes. Às vezes tenho a sensação de que as pessoas estão brigando ou disputando com o grupo errado. Esses artistas também fazem força para manter suas posições e produções. O popular massivo é que é mais complicado.
“Não estou falando de alta e baixa cultura, pois seria anacrônico. Não estou falando do funk, pagode contra a MPB e a música erudita. Essa é uma visão superada pela cultura e pelo mercado. Estou falando de algo que passeia pelo dinheiro e pela falta de educação para complexidade. O que é definido pelo mercado produtor e consumidor é um tipo de música clichê e/ou do tipo pastiche grosseiro”
Em algum momento teremos que fazer essa discussão sobre música e subjetividade, mas a Tulipa e a Luedji não são excluídas pelo Chico ou Caetano, elas são excluídas pela falta de educação formal do nosso país que é pobre em vários sentidos. Como uma pessoa que tem baixo vocabulário e um letramento que não é pleno vai consumir uma canção que exige um nível interpretativo menos óbvio, que não propõe comandos de beber, cair e levantar.
Temos uma população que não lê, mais de 40%, se não me engano. E o livro mais lido do país é a Bíblia em todos os níveis de escolaridade. A média de livros por ano é baixa, quase 5 por pessoa. Sem a linguagem para nos pensar não pensaremos em nada, ou pensaremos no rasteiro. Não estou falando de alta e baixa cultura, pois seria anacrônico. Não estou falando do funk, pagode contra a MPB e a música erudita. Essa é uma visão superada pela cultura e pelo mercado. Estou falando de algo que passeia pelo dinheiro e pela falta de educação para complexidade. O que é definido pelo mercado produtor e consumidor é um tipo de música clichê e/ou do tipo pastiche grosseiro.
– Para você há novidades interessantes nas músicas brasileira atual? O que destacaria?
Tem muita coisa legal. É difícil de acompanhar. Posso dizer o que estou ouvindo mais agora. Além da Educadora, porque também sou ouvinte da rádio, eu gosto de Duda Beat, Luedji Luna, Jonathan Ferr, Ifá Afrobeat, Pirombeira, Letrux, Mariella Santiago, gosto das vozes femininas e de música instrumental, que tem nenhum destaque nas rádios. Sinto que estamos perdendo tempos contemplativos e isso também afeta o que a gente ouve e como a gente ouve. Mas com certeza tem muita coisa boa para descobrir e redescobrir.