Se você acha que a música baiana é uma porcaria, pode parar de ler por aqui. Aliás, não. Continue, talvez você nem tenha percebido o que anda acontecendo com a música feita no estado. Ainda tem na cabeça que Bahia e música são sinônimos de axé music? Tem que parar de ver apenas televisão ou de acreditar em qualquer coisa que falam por ai. Ou, se mora por aqui, precisa perceber que não estamos mais num mundo maniqueísta, onde o axé e seu reino imperam e o resto mendiga farelos. Já viramos a página e temos um cenário musical bastante rico e diverso e, mais que isso, embora repleto de problemas, promissor e crescente.
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Artistas baianos pelo Brasil e exterior.
Se ainda há uma falta latente de estrutura, na parte criativa temos um cenário muito bom e que vem ganhando contornos interessantes. Veteranos e novos artistas com mentes mais abertas estão subindo degraus que não víamos há algum tempo. E isso fora daquele circuito que você talvez ainda ache que predomina. Ok, o Carnaval baiano ainda está longe de ser democrático, as rádios fingem que não existem outros que não os mesmos artistas de sempre, a TV… bem, essa é a mais fora de sintonia de todos, o que não é exclusividade nossa. Mas, se você ainda depende disso para conhecer música, infelizmente, precisa rever seus conceitos. Acredito até que, se você está lendo esse texto, no mínimo, é muito mais curioso que a média. Porém, se por acaso ainda possuir a mesma visão reducionista de tantos outros, lhe convido a tentar perceber algumas nuances.
A Bahia não é perfeita e a cultura local tem diversos problemas, mas se você não notou a efervescência que estamos vivendo é porque deve achar que exemplo de riqueza cultural são apenas cidades como Nova York, com suas galerias, cinemas, teatros e livrarias, não New Orleans, com seus artistas de rua e produção própria. Calma, é apenas um paralelo.
A música da Bahia pelo exterior
Não vamos ficar, porém, apenas no discurso. Quem acompanha esse blog já deve ter percebido, seja na recheada agenda de shows e festas, seja em postagens da movimentação de artistas, com shows fora do estado, lançamento de discos e vídeoclipes, que não é visão otimista do mundo que nos envolve. Há algo real acontecendo. Como costumo dizer, estamos longe do ideal, mas há algo acontecendo e estamos no meio de um processo. Se não, vejamos: Quais os artistas baianos que fizeram apresentações no exterior nos últimos 20 anos? Olodum no estouro com Paul Simon de anfitrião? Daniela Mercury no auge do axé? Carlinhos Brown nos carnavais espanhóis? Ou Ivete Sangalo, nos Rock in Rio gringos da vida? Ah! É, só a mesma turma de sempre.
Engano. Se você leu alguns posts atrás, viu que a Orkestra Rumpilezz está com turnê agendada para a Europa. Sim, Rumpilezz, o instrumental candomblé jazz afro baiano que já encantou algumas capitais brasileiras vai começar sua trajetória fora do país. A Yoba (Youth Orchestra of Bahia), principal orquestra do Neojibá (ainda não sabe o que é isso? Tem gente que até elogiou a venezuelana Orquestra Simon Bólivar dizendo que a Bahia deveria ter algo assim, sendo que já tem – dá-lhe desinformação) acabou de voltar de uma apresentação marcante em Londres, onde foi aplaudida de pé no Royal Festival Hall. A orquestra parte agora para concertos na Alemanha (em 05 de agosto, no Festival Young Euro Classic, em Berlim) e Suiça (dia 07 de agosto no Victoria Hall, em Genebra). E não, não é sucesso pra gringo ver. Por aqui, as apresentações da Orquestra do Neojibá têm lotado espaços como o Teatro Castro Alves.
Jazz baiano? Música erudita da Bahia? Não apenas. Um dos maiores ícones da música baiana ganhou uma nova vida com o Baiana System e começa a chamar atenção lá fora. A repaginação feita pelo grupo com a guitarra baiana foi à China em 2010, no Expo Xangai. Voltou esse ano e agora vai seguir para Europa, onde se apresentará no Womex, uma das maiores feiras de produtores e gente ligada à música no mundo, que este ano acontece de 26 a 30 de outubro em Copenhagen, na Dinamarca. Uma bela chance de estabelecer definitivamente uma carreira internacional.
Por aqui, o grupo tem recebido elogios da crítica e crescido com passos certeiros, já tendo circulado em eventos de várias cidades do país, em Salvador começa a ganhar um merecido tratamento e um público cada vez maior. Destaque no Carnaval do Pelourinho, recentemente passou em outro teste levando um excelente público para o projeto Música no Parque. Lá, inclusive, utilizaram de uma estratégia que não entendo ainda porque outras bandas desse meio não fazem: venderam por 5 reais um CD ao vivo piratão em Shangai. Isso mesmo, nos moldes “Aviões do Forró em Irecê”, a banda se promoveu vendendo um cd pirata oficial.
Outro baiano que está viajando pelo exterior é Mikael Mutti com seu Percussivo Mundo Novo. O grupo está em turnê pelos Estados Unidos fazendo nove shwos em seis cidades de 27 de julho a 8 de agosto. Entre as cidades que eles se apresentam estão Washington, Filadélfia e Nova York.
Circulando pelo Brasil
Os mais mau humorados, que ainda dividem música em rock e não rock, não precisam se desesperar. Algumas bandas locais que fazem rock também já romperam um estigma de só tocar no mesmo gueto. Bandas da nova geração como Maglore e Vendo 147 vêm demonstrando que é possível circular fazendo bom rock, cada um a sua maneira. Embora a Maglore ainda sofra do desprezo e despeito de certa parcela do rock baiano, que parece se incomodar ao perceber uma banda fora do seu círculo de amigos sendo bem sucedida, o grupo parece não se importar. E nem deve.
No último dia 10, a banda mostrou que está prontinha para dar um passo além. Na final do Desafio de Bandas, com um público de cerca de cinco mil pessoas, deu um passo decisivo, mostrando que sabe montar um show bem feito para uma estrutura maior e para um público maior. Profissional e descontraído na medida. Bem executado e espontâneo, contando com o preciso reforço (ainda mais numa grande estrutura) do quinto elemento, o guitarrista Jorge Solovera. Showzaço, daqueles que definem a mudança da carreira de um artista. Ganhou o público: metade parecia já conhecer a banda e cantava junto todas as músicas, enquanto a outra era conquistada. Nascia ali mais uma grande banda do rock baiano. E isso independe do fato de você querer ou não, você gostar ou não.
E essa comoção já tem se estendido. Pode surpreender saber que em Belo Horizonte tenha sido semelhante, com o público também cantando as músicas em coro. E tanto lá quanto aqui, estamos falando de uma banda relativamente nova, com apenas um disco lançado, que não toca em rádio, não aparece na TV e nem circulou pelos festivais independentes. Imagina o potencial disso com esses extras.
A Vendo 147 é totalmente diferente. Rock mais cru, sem canções, músicas instrumentais, peso e um clone drums para dar uma grande diferenciada. É rock dos bons, pra roqueiro nenhum reclamar. E também estão trilhando o caminho certo, reclamando menos e trabalhando muito, fazendo o que pode ser feito para levar rock instrumental feito na Bahia para longe. A aposta do grupo tem sido também botar a cabeça pra fora do gueto e circular, rodar o máximo possível. Neste momento, por exemplo, a banda está na estrada, numa turnê de 23 shows pelo Sul e Sudeste, onde lança o disco “Godofredo”.
07/07 Vitória da Conquista (BA)
08/07 Governador Valadares (MG)
09/07 Belo Horizonte (MG)
10/07 Ubá (MG)
11/07 Rio de Janeiro (RJ)
12/07 São Paulo (SP)
14/07 Curitiba (PR)
15/07 Florianópolis (SC)
16/07 Rio do Sul (SC)
17/07 Balneário Cambouriu (SC)
19/07 Blumenau (SC)
20/07 Garapuava (PR)
21/07 Londrina (PR)
22/07 Marília (SP)
23/07 Piracicaba (SP)
24/07 São Paulo (SP)
25/07 Bragança Paulista (SP)
26/07 Ribeirão Preto (SP)
27/07 São Carlos (SP)
28/07 Sorocaba (SP)
29/07 Sete Lagoas (MG)
30/07 Vitória (ES)
31/07 Vitória da Conquista (BA)
Após essa turnê, a banda prepara outra pelo Nordeste. Além dos shows, a banda aposta num formato diferente nesse álbum de estreia. Além do tradicional CD físico, “Godofredo” vem embalado num projeto gráfico em formato de compacto de vinil, que inclui uma edição especial em um pendrive na forma de uma mini-pirâmide USB. Também está disponibilizando dois produtos exclusivos: uma bateria feita em acrílico (preservando o clone drum) e uma guitarra baiana com o toque do grupo.
Veteranos, discos e novatos
Melhor ainda é saber que tanto bandas novas quanto veteranas estão caprichando em suas produções, seja com idéias, discos ou shows. Os Retrofoguetes,por exemplo, estão terminando de compor o novo disco e farão um show especial, tocando exclusivamente trilhas sonoras de filmes e seriados policiais e de espionagem. O ‘Ultra Retro Twist’ acontecerá no dia 6 de agosto no Farol Rio Vermelho. A Cascadura, que fez um show com a formação dos primeiros discos da banda, agora chega ao fim das gravações de seu novo disco, o aguardado “Aleluia”, um álbum duplo com 22 faixas. Previsto para ser lançado em CD físico em novembro, devendo antes estar totalmente disponível na internet, está repleto de convidados especias do rock e da música baiana, como Ronei Jorge, Letieres Leite, Jorge Solovera, Mauro Pithon, entre outros, além de convidados especiais, como Beto Bruno, da Cachorro Grande, e o pernambucano Siba. Este, aliás, está na primeira música do disco disponibilizada para o público, Colombo, que foi selecionada com outras 50 músicas para a final do IX Festival de Música Educadora FM. Ouça a faixa:
[audio:Colombo.mp3]Sem falar na nova geração de bandas que vem amadurecendo, circulado e preparando material, como a Velotroz, ganhadora do Desafio de Bandas que vem angariando público com sua mescla de rock e MPB, feita com personalidade em shows muito bons. Uma ótima aposta. Tem também a série de discos que tem saído por aqui, que reafirmam essa diversidade musical que falamos lá em cima. Nas últimas semanas, por exemplo, além de Vendo 147, saíram discos novos de Manuela Rodrigues, Formidável Família Musical, Simples RAP´ortagem e Juliana Ribeiro. Fora todos os outros que devem ter lançamento até o final do ano, de Vivendo do Ócio (outra banda que esteve no exterior recentemente, como também já dissemos) a Márcia Castro e tantos outros que já adiantamos.
Roteiros
Para não falar só de bandas e seus trabalhos, merece registro, e reforça tudo que falamos até aqui, a agenda cultural da cidade. Pra servir de exemplo, que tal dar uma olhada na programação de fim de semana dos guias dos dois principais jornais de Salvador? No Correio* do último dia 15 de julho (sexta-feira), havia 23 eventos de música cadastrados, que se distribuiam assim: um de rap, um de música erudita, dois de ritmos latinos e ritmos afro, três de ritmos nordestinos e forró, três de pagode/ axé, três de reggae/ dub, quatro de samba/ MPB e seis de rock/ pop, sendo que um deles em Feira de Santana. No A Tarde do mesmo dia havia 41 eventos, sendo um de funk, um de forró, um de blues, dois de eletrônica, dois de sertanejo, três de reggae/ rap, cinco de axé/ arrocha, cinco de MPB, seis de pagode, sete de samba e dezessete de pop/ rock. Isso sem contar os diversos eventos que não entram nessas agendas. Lembrando que a reclamação recorrente não muito tempo atrás era a escassez de casas de shows e festas. Hoje, melhorou? Se formos pensar que casas como Groove Bar, Sunshine, Farol Rio Vermelho, Tarrafa, Portela Café… estão recebendo shows destes e outros artistas que falamos aqui. Percebe-se que há algo novo no ar. Se você ainda não se convenceu, melhor olhar ao redor.