Apesar de ter iniciado em 1991, foi apenas dois anos depois que a Timbalada lançou seu primeiro álbum. Lançado pela Phillips/ Polygram, o disco homônimo era uma apresentação para a proposta revolucionária que a banda lançava em meio a explosão da Axé Music Brasil afora. Boa parte disso está registrado em seus 15 álbuns, sendo 11 de estúdio e inéditas.
São esses álbuns que reunimos aqui tentando traçar um panorama da trajetória dessa importante banda baiana. Os hits, os diversos cantores e cantoras, as mudanças, os diálogos com outros ritmos, os acertos e erros. Tudo isso disco a disco, do pior ou menos importante ao melhor e mais marcante. São 11 álbuns de inéditas em estúdio que mostram a importância e relevância dessa já veterana banda que continua em atividade.
Tratamos aqui dos discos de autorais, deixando de lado o álbum de remixes Dance (1995), os dois ao vivo Vamos dar a volta no Guetho (1998) e Timbalada Ao Vivo (2008), além de Serviço de Animação Popular (2003), que reunia músicas lançadas em trabalhos anteriores, com exceção de “Ashanšu” (Domínio Público/Adpt. Carlinhos Brown/Adpt. Mateus).
Timbalada Séc. XXI (2017)
O mais recente álbum serviu mais como uma apresentação de seus novos cantores: Buja Ferreira, Paula Sanffer e Rafa Chagas. Com apenas 7 faixas e pouco mais de 23 minutos, o disco mostra uma tentativa de trazer novos ares à banda, mas só comprova como ela estava muito longe de seus melhores momentos. Com repertório pouco inspirado, vocalistas sem identidade e uma produção na zona de conforto, o álbum é cansativo e sem a vibração que marcaram o grupo em seus 30 anos. A ideia de manter a força percussiva dialogando com diversos ritmos, especialmente sonoridades latinas, se mantém, mas sem faixas consistentes, acaba se perdendo. Alguns clichês e fórmulas apelativas, comuns na Axé Music dos últimos vários anos, mostram uma tentativa de alcançar um público maior de forma fácil, mas revelam a fragilidade do trabalho. Cinco das sete músicas são de Carlinhos Brown, com exceção de “Ameaça (La Mama Y La Hija)”, do compositor dominicano Luis Kallaf, e “A Pulga”, de (Buja Ferreira, Jaguar Andrade e Rafa Chagas), essa uma das mais fracas do trabalho ao lado de “Menina da Lua”. Já a versão do merengue de Kallaf é um dos bons momentos, ao lado de “Mulheres Temos”, que remete aos primórdios do grupo, com a percussão dialogando com os sopros, enquanto Sanffer entoa versos feministas convocando as mulheres a marchar. A Timbalada já foi melhor.
Timbalada da Macota (2014)
Com produção de Carlinhos Brown e Thiago Pugas, é um dos álbuns mais inconsistentes da banda e demonstra o claro derretimento criativo pelo qual passava. Brown seguia fornecendo suas composições, mas em menor profusão (5 de doze), mesmo assinando o álbum com o carimbo “Carlinhos Brown apresenta”. Talvez fosse uma forma de referendar que a Timbalada continuava sendo apadrinhada por ele, mas nem sua contribuição e carimbo fizeram o álbum decolar. Sem vida, sem inspiração, sem hits, Timbalada da Macota é um pastiche do que o grupo já havia feito em seus melhores momentos. O álbum enfileira composições carregadas de clichês da música pop, romântica e Axé Music, com letras frágeis e óbvias, melodias pouco inspiradas, arranjos e produção amarrados, e sem a força percussiva para salvar. Os melhores momentos são “Eleva Eleguá” (Carlinhos Brown/ João Donato), que abre o disco com participação de Donato nos pianos; “Tuck Tuck” (Carlinhos Brown), o quase hit do disco com um clima remetendo à Timbalada dos anos 90; “Macota” (Carlinhos Brown), que sofre com excesso de teclados, e “Seleção Timbaleira” (Rubem Tavares). O restante é bem difícil, com faixas que transitam por sonoridades diversas sem conseguir se consolidar em nenhum momento e repetindo fórmulas, seja na romântica “Quem Diria”, com Brown cantando com Mari Antunes (Babado Novo), a constrangedora “Bola pra Frente” (Alain Tavares/ Clovis Cruz) ou o fraco e rasteiro axé “Crazy Baby” (Alexandre Peixe/ Beto Garrido). Nem o samba “Examinando Flor (Ex-Amor)”, fruto da parceira Brown, Marisa Monte e Pedro Baby, funciona.
Pense Minha Cor (1999)
Parece um disco de uma banda tentando encontrar um caminho em meio ao sucesso retumbante que a Axé Music fazia no Brasil. As composições pouco inspiradas trazem em muitos momentos uma clara postura de tentar inserir mensagens com preocupação social e política nas letras, seja em “Pense Minha Cor” (Carlinhos Brown/Arnaldo Antunes”) ou mais enfaticamente em “Toda Paz” (Carlinhos Brown). O resultado é excessivamente óbvio. Nesta estreia pela Universal Music, Carlinhos Brown segue conduzindo a banda, como produtor e autor de oito das 14 faixas, aqui cercado de nomes de peso em algumas composições, como Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Luiz Caldas. As apostas em novos vocalistas e em sonoridades pausterizadas não só escancarava as fragilidades do disco (e da banda naquele momento), como demonstrava que as opções eram por caminhos menos criativos e mais mercadológicos. O que é se não isso o sertanejo “Plugado na Viola” (Arnaldo Neves), a romântica “Desejos de Menina” (Xexéu II/Beto Radiola), ambas com vocais de Akira Takakura, e a frágil “Parabéns pra Você” (Carlinhos Brown/ Marisa Monte), única cantada por Juju Gomes e que parecia um ensaio para a MPBpop dos Tribalistas. O álbum segue sem grandes acertos, tateando por vários caminhos e resultando numa obra oca e sem brilho. As pouco conhecidas “Ter como Bater” e “Havana Boa” (ambas de Brown e Luiz Caldas) são um dos poucos bons momentos do disco com a forte percussão aliada a um tempero latino. Assim como a interessante “Cadê o Escavador” (Djalma Santos), uma espécie de rap timbaleiro. O único sucesso do álbum é “Zorra” (Ninha Brito/ Nem Cardoso), que segue a pegada pesada da banda, mas menos impactante do que em outros momentos e reforça a pouca inspiração do álbum.
Motumbá Bless (2002)
Um dos poucos trabalhos da Timbalada em que Carlinhos Brown divide a produção. Nesse caso, foi com Alê Siqueira, produtor paulista que já havia trabalhado com nomes como Tom Zé e Arnaldo Antunes. O álbum é marcado também pela despedida de Ninha à frente dos vocais. Dividindo à função com Amanda Santiago e Denny, o cantor era, até então, a voz mais presente na banda. Aqui, no entanto, ela já aparece meio escanteado, cantando apenas 4 faixas. O problema do disco, não está, pelo menos aparentemente, em nenhuma desses dois fatos. Desde Pense Minha Cor, a Timbalada vivia uma trajetória irregular, perdendo o gás criativo de outros tempos. Com apenas 35 minutos de duração, Motumbá Bless tem um repertório de fato bastante frágil e sem o brilho de outros momentos. Prova disso é que não há praticamente nenhum sucesso marcante. O mais próximo disso é “Bossa Nova do Sertão” (Carlinhos Brown/Alain Tavares), que tem a levada típica da banda em sintonia com latinidades. Clima que continua ainda melhor em “Açúcar Please” (Carlinhos Brown/Gerônimo/Boghan Costa), outro dos bons momentos do trabalho ao lado de “Motumbá” (Carlinhos Brown). Das 12 faixas, duas são vinhetas: a abertura “Mantra Da Paz” (Carlinhos Brown), com título autoexplicativo, e “Ongoroci Pros Orixás” (Tradicional/Adapt. Faromi Rose), uma daquelas faixas com que trazia referências com convidados e que costumava fechar os outros álbuns, aqui aparece no meio. As faixas com Ninha, “Ginga De Balé” (Carlinhos Brown/Buzziga), “Ralé” (Alain Tavares/Carlinhos Brown/Gerônimo), “Tugu Du Du” (Carlinhos Brown/Popó) e “Ekô Ekô” (Ninha Brito/Nem Cardoso), são uma boa mostra de um álbum inconsistente, com a banda tentando manter suas marcas intactas, mas sem a mesma força e criatividade. Já “Canção De Paquerar” (Carlinhos Brown/Alain Tavares), “Justifique Baby” (Carlinhos Brown/Arnaldo Antunes/Alain Tavares) e “Todo Mundo Junto” (Pierre Onassis/Dória) são um ponto abaixo, sem vigor, com letras simplórias e que tentavam caminhos mais fáceis sem muito resultado.
Mineral (1996)
Em seu quarto álbum, a Timbalada parecia viver a ressaca do sucesso. Com o freio de mão puxado, não trazia novidades e parecia copiar a si mesmo, mas sem a mesma criatividade e qualidade. Boa parte das faixas soa como tentativa de repetir a fórmula que vinha dando certo. Dedicado ao mestre Fia Luna, é também o álbum da Timbalada com menos composições de Carlinhos Brown, com apenas cinco entre as 14 gravadas. Entre elas, o surpreendente maior sucesso do disco e um dos maiores da carreira da banda, “Água Mineral”. Originalmente uma vinheta em ritmo frenético tocada nas apresentações entre uma música e outra . Com seus versos simples e diminutos, foi a 52ª mais tocada nas rádios brasileiras em 1996 e ainda é a mais tocada da banda nos últimos cinco anos, segundo o ECAD. Entre as outras de Brown estavam a sequência sub-intitulada Nave: “Formigueiro (Nave 1)”, “Agogô De Prata (Nave 2)” e “Hagarrê (Nave 3)”, todas elas mesclando elementos marcantes da Timbalada, corretas mas sem brilho especial. Além de “Misericórdia Pudim” (Lula Queiroz/Carlinhos Brown) que faz referência ao arcebispo de Salvador e primaz do Brasil da época, Dom Lucas Moreira Neves, que criticava a realização do Arrastão da Timbalada na quarta-feira de cinzas. “Minha História” (Xexéu/Luizinho SP) e “Maré Mansa” (Lucas Bonfim/Chico Leal) traziam Xexéu tentando emplacar mais um sucesso romântico na lavra de “Beija Flor”, “Namoro a Dois” e “Margarida Perfumada” presentes nos discos anteriores, mas sem o mesmo resultado. “Carimbolada Soul” (Ubaldino/Ronaldo), “Trilha Sonora” (Voinho do Cravo), “Cobiçada e Amada” (Lucas Bonfim/Ton Duque) e “O Sol Vem Saindo” (Dona Cleo) até tentavam reaver os melhores momentos da Timbalada, mas também pareciam versões inferiores de outros sucessos da banda. O álbum tinha ideias melhores e mais bem resolvidas, que essas, “Meia Hora” (Jorge Charéu/Ademário/Roberto Moura) lembrava os ensaios originais no candeal, e, especialmente, “Caçador Decanção Tribal” (Roberto Moura/Jero), com sua proposta percussiva diferenciada que apontava para outros caminhos. Pouca coisa para o que a Timbalada vinha mostrando até então.
Timbalismo (2001)
Na estreia pela Som Livre em parceira com a Bahia Disco, a banda mantém a atmosfera original, mas bem menos inspirado do que em outros momentos. Uma demonstração disso são as opções por reviver canções antigas da banda e por regravações de obras famosas para dar mais consistência. Estão lá uma boa versão de “Árvore”, de Edson Gomes, uma aceitável de “João e Maria”, de Sivuca e Chico Buarque, e “Vale” (Paulinho Camafeu/ Carlinhos Brown), famosa na voz de Sarajane. A deliciosa “Conceição” (Jair Amorim/Dunga) ressurge dos primórdios do grupo. Assim mesmo, o melhor da Timbalada permanece. Estão lá a percussão em primeiro plano, aliada a uma instrumentação que dava vazão a sopros e guitarras, a mistura de ritmos, o tempero pop e o diálogo com gêneros. Tudo sob o comando de Carlinhos Brown, que produz, faz a direção artística, os arranjos e compõe seis das 13 músicas. Os maiores sucessos de Timbalismo foram “Na Ilha Grande” (Carlinhos Brown/Vevé Calasans) e “Cidade Voa” (Carlinhos Brown), que mantinham a proposta de promover uma mistura de ritmos aliado com a força percussiva dos timbais. Ambas trazem Ninha nos vocais, um dos grandes trunfos da banda naquela período. A primeira com um espírito latino, enquanto a segunda trazia o vibrante ritmo da banda em homenagem aos 450 anos de Salvador. Mantendo o clima estavam “Tribo Timbalada” (Ninha Brito/ Nem Cardoso), “Delicatessen” (Carlinhos Brown/Coelho/Abará) com Denny nos vocais, “Massagem” (Carlinhos Brown) e a própria “Conceição”. Amanda Santiago aparece em apenas duas faixas, “Tim, Eu Quero seu Bem”(Beto Vale/César Queiróz/ Cláudio Tavares) e “Pensando Alto” (Carlinhos Brown), que mostram um lado romântico bem menos inspirado e certeiro que em discos anteriores, assim como “Cherry” (Alain Tavares) e “Vera” (Jorge Papapá/ Sérgio Passos), ambas cantadas por Denny. Um disco bastante irregular, com acertos, que mantém o bom nível da banda, mas já sinalizava caminhos cada vez menos ousados e inventivos.
Alegria Original (2006)
Com Denny e Amanda Santiago nos vocais, Alegria Original não é dos álbuns mais badalados da banda, já que foi lançado muito depois da fase áurea. Assim mesmo trazia algumas preciosidades que pareciam demonstrar um novo e fértil momento na carreira da banda. Com 11 das 14 músicas de autoria de Brown sozinho ou em parceria, traz “Cachaça” (Carlinhos Brown/ Elber/ Zidane/ Popó) como grande hit e um dos melhores momentos dessa fase. Cantada por Amanda, a música tem um tom pista de dança, mas com a cara da Bahia. É eletrônica, percussiva, groovada, latina e sensual ao mesmo tempo, além de ter um refrão e um grito de ordem para animar qualquer baile ou Carnaval. Outro acerto no disco é a música título, na verdade uma versão timbaleira para o clássico frevo “Vassourinhas” (Matias da Rocha e Joana Batista Ramos), numa adaptação certeira de Brown. “Pedindo pra Voltar” é outro semi-hit do álbum, com seu gostoso clima latino e que ganhou uma versão posterior de Marisa Monte (veja aqui), além do autêntico samba de roda “Maria Costa”, parceria tribalista Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte. Há outros bons momentos que conseguem manter o bom nível timbaleiro, sempre com a forte percussão aliada a elementos variados. Seja o clima de verão/ Carnaval soteropolitano em “Maracaia”; latinidades carregados de sopros em “Shauling Nagô”, ou “Casa Branda”, adaptação de Brown para um canto original do Zaire mesclada ao refrão de “Mameto Kalangô, da tradição afro brasileira. O restante do álbum se alterna com momentos não tão marcantes e frágeis, mas nada que destoe muito ou que comprometa o álbum.
Mãe de Samba (1997)
Após o irregular Mineral, a Timbalada voltou a acertar mais em cheio com esse álbum pouco badalado, mas dos mais interessantes da banda. O naipe de sopros e as guitarras de Roberto Barreto e Cássio Calazans aparecem novamente com força, sem tomar o protagonismo das percussões. Esse bom equilíbrio e o bom apanhado de composições valorizam o disco. Já na abertura, uma das maiores influência da Timbalada, o grupo vocal Os Tincoãs, aparece numa versão atualizada para “Na Beira do Mar”, que mantém o clima original, mas em ritmo mais frenético. Como o título sugere, o samba é a base do disco, algo que a Timbalada já havia feito, mas não de forma tão contundente quanto neste trabalho. É samba, mas ao modo timbaleiro, flertando especialmente com os ritmos do Recôncavo e o samba junino, sem abrir mão da marcante e forte percussão de timbaus. O gênero aparece em “O Erro e o Concerto” (Carlinhos Brown/ Vevé Calazans), que conta com a luxuosa voz de Alcione e se aproxima mais do samba carioca. “Mãe de Samba” (C. Brown) remete aos sambas acelerados do início da banda e é uma das poucas com Patrícia nos vocais, ao lado de outra do gênero, “José de Maria” (Lucas Bonfim, Tom Duque, Tonho de Muida), uma ode ao Candeal. Tem ainda “Samba da Lua” (Ninho Brito/Augusto Conceição/Melodia Costa) e pra completar o pot-pourri “Coroa Baiana”, que traz Brown cantando um medley de clássicos do samba baiano (“O Ouro E A Madeira”, Eraldo Gentil / “Hora Da Razão”, Batatinha e J. Luna / “Retrato Da Bahia”, Riachão). Mas além do samba, Mãe de Samba marca pelos hits que produziu, daqueles que acabaram incorporados ao repertório fixo da banda. “A Latinha” (C. Brown / Alain Tavares), o maior sucesso, segue a pegada em ritmo acelerado, “Braseira Ardia” e “Ai” ambas de Brown com seu mestre Pintado do Bongô são irresistíveis, além da um pouco menos certeira “Me Perdoe Brasil” (Jaime Bahia/Ninha Brito/Guará Bega). Todas elas com vocais de Ninha, que se firmava cada vez mais como a voz e cara da banda. A parte menos inspiradas do disco, com uma pegada mais romântica, ficou a cargo de Denny, que ocupou o espaço e papel de ‘romantic sex symbol’ no lugar de Xexéu (este foi o primeiro disco sem o cantor). Este repertório dele reunia algumas das menos inspiradas do álbum: “Homenstruado” (C. Brown) e seu excesso de teclados, “Suando A Camisa” (Boghan Costa/Gustavo de Dalva) e “Cordão de Bloco” (C.Brown/Bonfim Costa/Gustavo de Dalva/Daniela Mercury). Mas Denny também cantou “Bum”, daquelas músicas que mantém as características marcantes da Timbalada sem apelar para fórmulas fáceis. O ritmo acelerado, as guitarras se cruzando com sopros, e os timbaus dão o ritmo de “Anágua”, que trazem de volta depois de muito tempo os vocais roucos de Augusto Conceição. Se abre com Tincoãs e uma homenagem à Yemanjá, o álbum fecha no mesmo clima, com a tradicional “Mãe Oyá”, ponto de candomblé agora em homenagem à Oyá (Iansã) direto dos terreiros.
Andei Road (1995)
Na toada dos dois primeiros álbuns, Andei Road seguia na proposta de consolidar a música pop percussiva baiana, com os mesmos elementos que fizeram sucesso nos trabalhos anteriores. Capa e encarte sinalizavam que a banda seguia na estrada, viajando e mostrando sua música pelo mundo. A ideia de unir percussão com doses de música pop mundial, especialmente latina, ainda tinha espaço pra render e a banda continuava fazendo isso muito bem. Apesar disso, o disco não manteve o mesmo nível nas composições. Ainda assim, entre mais altos do que baixos, era um trabalho acima da média. A quantidade de hits presentes no disco já foi bem menor que nos anteriores. Assim mesmo, “Mimar Você” (Alain Tavares/Gilson Babilônia) e “Margarida Perfumada” (Carlinhos Brown/Cícero Menezes) estão entre os maiores sucessos do grupo, seguindo a trajetória dos hits românticos anteriores. O melhor do disco, no entanto, são os “sub-hits”, que não estouraram tanto nas rádios, mas eram sucesso nos ensaios e por quem acompanhava o grupo. A sequência matadora com “Meio Da Maré” (Carlinhos Brown), “Bambeia” (Carlinhos Brown/Ninha/Melodia Costa), “Samba Duro Calolé” (Roberto Amaro Chabes) e “Rosa França” (Pintado do Bongô/Ubaldino) são puro suco de Timbalada. Petardos sonoros, com as tradicionais percussões agudas e aceleradas ditando o ritmo em diálogo com ritmos afro-baianos, latinos e samba duro. Sem tirar o protagonismo percussivo, os arranjos continuavam abrindo espaço para harmônicos e detalhes, especialmente os sopros agressivos, teclados, efeitos eletrônicos e as guitarras de Juninho Costa e Cássio Calazans. As vozes potentes de Ninha, Patrícia Gomes, Augusto Conceição e Alexandre Guedes davam o tom das letras com poética simples, acompanhadas de resposta dos coros ou do canto sui generis de Fia Luna. Dançante, divertido e criativo. Ninha advertia na abertura de “Bambeia”: “Olha a coluna, tia!”. “Fogo Dos Ancestres” (Carlinhos Brown) faz um passeio por sonoridades e referências ancestrais, um misto de sertão e Recôncavo do século XXI, com direito a trecho de Canto de Senzala e citação a OVNIs na letra. “Pé De Prédio” (Carlinhos Brown/Ninha), “Coração De Bola” (Jau (2)/Paulo Jorge) e “O . S.” (Ton Duque) estão abaixo, mas não chegam a comprometer. Outras duas, no entanto, são completamente dispensáveis no álbum. A ideia de “Jesus É Preto” (Chocolate da Bahia) em fazer uma espécie de funk timbaleiro cheio de guitarras é até boa, mas não funciona. “Quando Você E Eu” (Xexéu/Dayse Nogueira) é outra bola fora, uma canção romântica sem vida, com um arranjo baseado em voz e violão que soa totalmente fora do universo da Timbalada. O saldo é bastante positivo e a Timbalada seguia com uma criatividade pouco vista por tanto tempo em um artista relacionado à indústria da Axé Music.
Timbalada (1993)
Mesmo sem a qualidade técnica merecida na gravação, o disco de estreia foi um senhor cartão de visitas para aquela novidade que surgia nas ruas de barro do Candeal Pequeno. Lançado no auge de explosão nacional da Axé Music, mostrava que havia ainda espaço para criatividade e frescor no ambiente de pouca ousadia da música baiana. Alguns aspectos que tinham surgido nas origens da Axé Music já começavam a ser deixados de lado e a Timbalada trazia de volta, com primor. Numa linguagem mais pop e aberta, a banda apresenta uma estética das ruas, com uma crueza e potência na percussão, nas letras e na vontade. Era pura expressão popular, pés no chão de barro, com linguagem fácil, baseada em batidas percussivas fortes e adicionada com elementos pop. Trazia um misto de inocência e visceralidade em tratar, de forma às vezes até pueril, temas banais e a realidade do bairro. O campo harmônico tinha os sopros no comando, enquanto guitarras e teclados ajudavam na ambientação. A estética visual trazia as pinturas dos ensaios, cores e os seios nus da cantora Patricia estampado na capa. Junto a tudo isso uma criatividade em promover diálogos de gêneros e referências, com rock, MPB, música latina se misturando livremente. Carlinhos Brown comandava as dezenas de percussionistas e definia os caminhos da banda com algumas das principais faixas do álbum. É dele “Canto Pro Mar” (Carlinhos Brown), o primeiro hit da banda, que reunia alguns dos elementos marcantes do grupo. Uma linguagem simples, meio tribal e ancestral, com voz e coro se alternando, sopros salientes, forte percussão e uma letra exaltando a natureza. Uma pena que a versão do disco não tinha o mesmo o impacto no canto da versão original, que tocou nas rádios de Salvador com Ninha com vocais mais viscerais. Em “Fricote da Terezinha”, Brown reforçava a ideia de dialogar com a cultura pop, era Chacrinha (a música foi feita para o comunicador, que já havia gravado em 1987), marchinha de Carnaval e rock ao mesmo tempo. Tudo com altas doses do tempero timbaleiro. “Mulatê do Bundê”, com voz de Augusto Conceição, reunia sentimento, ritmo e expressões das ruas no modo aparentemente desconexo de Brown, com Bahia e Caribe flertando enquanto a percussão comia no centro. “Tá na Mulher”, parceria com Alain Tavares, trazia Conceição mais uma vez no vocal numa canção exaltando as mulheres. O grande hit do disco, no entanto, não era de Brown. “Beija-Flor” (Xexéu/Zé Raimundo) era uma música romântica, mas com a cara da banda, extremamente pop, dançante, com letra fácil e pegajosa e com sua autêntica levada percussiva. Foi uma explosão e levou a banda rapidamente a um patamar de sucesso mais elevado (ainda é uma das músicas mais tocadas da banda em rádios e shows). A música inseriu outro ingrediente no caldeirão pop da banda, o da sensualidade masculina (o feminino já reluzia na capa) na figura de um improvável sex symbol rebolativo. “Toque de Timbaleiro” (Nem Cardoso) foi o outro hit do álbum, com Patrícia nos vocais dando o recado e apresentando a proposta da banda. “Toque de timbaleiro/ Sacudindo o mundo inteiro/ Foi criado na Bahia/ Saudando os orixás/ Com a força ijexá/ Candomblé, reggae, magia”. E se na época o rock começava a ser reescrito Brasil afora, a Timbalada fazia a seu modo, trazendo o peso através da percussão. “Anô Ayê” é a melhor versão disso, com o mestre Fialuna cantando sua música enquanto o coro responde por cima de uma percussão pesada que iria inspirar o Sepultura em Roots anos depois. “Som dos Tribais” (Tonho Copque) era o tipo de música que marcava a banda, uma estética tribal, com percussão e coro entoando versos simples e ritmo marcante. O link com a natureza reaparecia em “Filha da Mãe” (Annalivia), que soava quase religiosa com um berimbau dando o tom. Já “U-maracá” (Val Macambira/Jonly) trazia questões sociais, que direta ou indiretamente sempre estiveram presente. “A nau dos aflitos mandinga multiplicação/ O negão da sensala pisar pisador de pilão/ Bagaço de cana oração/ Pra Oxalá ê,ê,ê/ Sou menino de rua esperando o sinal”. O álbum ganhou reforço de peso com composições inéditas de grandes nomes da musica brasileira. Um dos mestres da banda, Jorge Ben Jor, não só ofereceu a ótima e até então inédita “Emílio”, como participa da faixa. O outro nome foi de Nando Reis, que apareceu com “Itaim Para o Candeal”, também inédita até aquela gravação e que surge num medley com “Armação Sem Lente” (Mário Conceição). Um álbum que mostrava as credenciais e essência da Timbalada já de primeira, sem aliviar.
Cada Cabeça É Um Mundo (1994)
Com o sucesso conquistado no disco anterior, Carlinhos Brown ganhou mais cacife junto à gravadora. Com isso obteve também condições melhores para registrar a porrada percussiva que a Timbalada vinha apresentando. Não conseguiu mostrar em disco o que acontecia nos palcos, mas já deu um grande salto nesse segundo álbum. Mesmo sem um registro adequado para a porrada sonora que era a banda ao vivo, o álbum resume bem a potência e criatividade do grupo, que unia a força rítmica com elementos pop e universais daquele período. A Timbalada era também um ponto fora da curva entre o que andava sendo produzido pelo mainstream na Bahia e esse álbum consolidava ainda mais as diferenças. A percussão se mantinha presente e à frente, adicionada com contornos harmônicos e acima de tudo por uma sequência de ótimas canções. Se não fosse tão vinculado à Axé Music, a Timbalada e Cada Cabeça é Um Mundo seriam mais lembrados pela crítica e estariam, merecidamente, nas listas de melhores da música brasileira dos anos 90. Azar de quem não deu atenção, o disco é uma primazia. Estão lá reunidos os elementos que deram cara à banda e que norteava a própria música pop contemporânea que ganhava visibilidade no país. O sons tradicionais e locais em diálogo franco com o pop universal. A Timbalada fazia isso de forma não apenas pop, mas popular. Ritmos latinos, samba baiano, pop music, MPB, rock e rap sustentados por uma percussão criativa e forte, combinando com o carisma de seus cantores, a poesia do cotidiano e as composições certeiras de Carlinhos Brown (em sua melhor fase). O álbum reúne alguns dos melhores e mais marcantes hits da banda, de “Toneladas de Desejo” a “Namoro a Dois” e “Se Você se For”, de “Sambaê” a “Camisinha”. Parte do que melhor foi produzido pela banda está ali. Preciosidades lançadas há mais de 25 anos que permanecem atuais, vivas e fortes. A abertura com a deliciosa “Toneladas de Desejo” (Carlinhos Brown) já dava o recado. “E hoje/ Tô feliz é de lhe ver/ Com dinheiro ou sem dinheiro/ Eu me viro em fevereiro”, mandavam Patrícia Gomes e Xexéu se alternando nos vocais. As outras faixas seguiam no mesmo passo, entre influências latinas, doses mais românticas, samba duro ou uma aproximação com o rock. Os sub-hits “Papá Papet” (Kid Monteiro/Everaldo Águia/Carlinhos Brown) e “Choveu Sorvete (La Salve de Las Antillas)” (Luis Kalaff/Vrs. Carlinhos Brown) mantinham o nível alto. Assim como músicas menos badaladas, como “Camafeu” (Paulinho Camafeu/ Carlinhos Brown), “Vida Rudimentar” (Mário Conceição), “Pracumcum Babá” (Ninha/ Nem Cardoso/ Carlinhos Brown) e “Gira o Mundo” (Tonho Copque), que guardavam as características das ruas. Canções simples, com a força percussiva dialogando com elementos da música do mundo, aliado a uma poesia despretensiosa, com letras que refletiam a realidade cotidiana ou homenageavam o universo ao redor. O diálogo aparece também nas músicas acidentais que surgem no disco, como “Máscara Negra” (Zé Keti/ Pereira Matos) e “Emoriô” (João Donato/ Gilberto Gil). Na presença do mestre Bule-Bule fechando o álbum. Ou mesmo no “Prosoema Pra Ocê Ará”, poema de Ramon Vane com música de Carlinhos Brown e Jackson Costa, com este recitando numa onda entre rap, tropicalismo e música pop contemporânea. Nem os momentos mais questionáveis do álbum tiram o mérito do trabalho. É o caso do texto tipo de comercial do Ministério da Saúde declamado por Caetano Veloso em “Camisinha”. Uma espécie de marchinha rock a la Timbalada, com guitarras e percussão dando o tom, para uma mensagem simples e direta sobre o uso do preservativo, que tornava ainda mais dispensável a fala de poucos segundos do bardo de Santo Amaro. Cada Cabeça é um Mundo mostrava que, depois dos blocos afro e da primeira leva de artistas da Axé Music, ainda havia vida inteligente na produção musical baiana que almejava o sucesso popular. Bem amarrado do início ao fim, Carlinhos Brown e companhia provavam que dava para alcançar o grande público com criatividade e autenticidade, dialogando com o mundo sem abrir mão dos elementos particulares. Foi assim, do Candeal pro mundo.