Sempre se falou da resistência do rock baiano e de como ele mantém características próprias, seja no modo radical de reagir a certos ritmos populares, ou por não ter uma única marca forte que o caracterize ou por soar diverso como a própria música do estado. Com um histórico repleto de nomes de peso nacional, de Raul Seixas a Pitty, passando por Novos Baianos, Camisa de Vênus, Maria Bacana e Penélope, o rock feito na Bahia manteve-se em alta produção independente das marés do mercado e continua bastante ativo. O el Cabong fez um apanhado dessa história, lembrando e apresentando nomes desde os anos 60 até os dias atuais no rock baiano, com direito a um podcast com algumas bandas e músicas marcantes.
Olhando pra trás, poucos nomes ultrapassaram as fronteiras do estado, mas, com apresentações históricas, discos importantes ou músicas marcantes, deixaram seu legado no rock feito por aqui. No quesito shows, impossível não lembrar de dois que faziam qualquer convidado de fora virar figurante. No começo dos anos 90, a Úteros em Fúria fazia apresentações antológicas, que terminavam quase sempre com a banda de cuecas e metade da plateia em cima do palco. A Dead Billies cantava em inglês um psychobilly falando de filmes B que parecia ter pouco a ver com a Bahia, mas foi a cara dos anos 90 em inferninhos de Salvador. Shows inesquecíveis, com um vocalista possuído e até stripteases completos de meninas no palco marcaram época. Ambas ganharam até documentários registrando seus feitos – o da Dead Billies, pouco exibido, continua inédito na internet. (N.R. já estão disponíveis aqui)
Outros nomes também poderiam ter alçado maiores voos, desde o rock mais melancólico, passando pelo punk, pelos experimentalismos, o metal e indo até o rock mais descompromissado e divertido. O que aqui já foi chamado de guitar band e rock triste, aglutinava o então indie rock, com nomes como Utopia e Treblinka. Essa última fez história com um disco fundamental no rock baiano, ‘Indução Hipnótica’, e mais tarde a brincando de deus, ponta de lança de um cenário indie nos anos 90, que rendeu diversas outras bandas. Ou o punk, que revelou bandas como Pastel de Miolos (foto) e Dever de Classe, ambas de certa forma ainda na ativa. Até os sons experimentais da Meio Homem e da banda Crac!, o bom humor de grupos como Rabo de Saia e Los Canos ou a mistura de rock com outras sonoridade em bandas como Mundamundistas e Lampirônicos. Além do metal de nomes como Zona Abissal, Crânio Metálico e Trash Massacre nos anos 80, e Headhunter DC, Malefactor e Mystifier, que conquistaram espaço importante no cenário nacional e até internacional.
História – O rock baiano tem começo lá atrás, com com Raul, Os Panteras e Waldir Serrão, o Big Ben. Nos anos seguintes vieram nomes como Os Minos e Os Novos Baianos. Continuou na época do desbunde dos anos 70, com bandas seminais como Os Cremes, Banda do Companheiro Mágico e Mar Revolto, que tinha entre seus integrantes Carlinhos Brown. Nos anos 80, quando o rock nacional viveu seu período mais popular, a Bahia viu surgir uma nova cena local, com grupos como Gonorréia, Espírito de Porco, Trem Fantasma, Delirium Tremens, que, juntos ao Camisa de Vênus, lotavam show nos Circos Relâmpago e Troca de Segredos. Na sequência, ainda nos anos 80, outras bandas chamaram atenção, como Elite Marginal, Diário Oficial, Ramal 12, Cravo Negro, Via Sacra, Faróis Acesos, entre outros, destacando-se em coletâneas e numa rádio local focada em rock, fato único no dial baiano.
O tempo passou, a Axé Music explodiu nos anos 90 e uma uma nova geração surgiu, lutando contra uma força cultural, econômica e midiática. Além de algumas já citadas, nesse período se destacam nomes mais ligados ao universo HC/ Funk Metal/ Punk, como Inkoma, banda de origem de Pitty, Lisergia, Dois Sapos e Meio (foto) e Bosta Rala. Outras mesclando sons, como Catapulta, Zambotronic e Saci Tric, e até uma continuação de uma cena mais indie, com Arsene Lupin, Jupiterscope e Dinky Dau. Dessa época, duas bandas se destacariam, Maria Bacana e Penélope, com discos lançados por selos nacionais e um relativo sucesso fora do estado.
Assim foi também nos anos 2000, que viu surgir mais outra geração, com nomes como Retrofoguetes, Brinde, Soma, Automata, Lou, Canto dos Malditos na Terra do Nunca, A Sangue Frio, Messias, Scambo, Vinil 69, O Círculo, Radiola, Formidável Família Musical, Sangria, Matiz, Drearylands, Starla, Cobalto, entre tantas outras. Mais uma vez demonstrando a mescla de estilos dentro do rock baiano, HC, indie, folk, hard rock, nu-metal, blues-rock, entre outros.
Tempos atuais
Sempre criativo, brigador e nadando contra a maré, o rock baiano persiste. Não seria diferente nos tempos atuais, com o cenário mantendo suas características e sobrevivendo num universo paralelo. Uma variedade de novos nomes tem surgido, distante dos olhos até de quem sempre acompanhou o rock baiano, como se sobrevivesse no subterrâneo, em ambiente quase inóspito.
Paralelo às novidades, no entanto, veteranos, que já alcançaram seu espaço, continuam na ativa, lançando discos, fazendo turnês, shows e produzindo trabalhos ainda bastante relevantes. Com seus mais de 20 anos, a Cascadura é um bom exemplo. A banda segue lançando trabalhos consistentes e importantes, como os dois últimos discos, ‘Bogary’ (2006) e ‘Aleluia’ (2012). Já Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta, depois de um hiato, volta para shows e também deve lançar novidades. A The Honkers, aos trancos e barrancos, segue na ativa e também promete material novo em breve.
Glauber Guimarães, aquele que foi do Dead Billies, segue com projetos paralelos, que passeiam por diversas sonoridades, como Teclas Pretas, Glauberovsky Orchestra, Samba Sujo e Tanpura, nem sempre exatamente focado no universo das guitarras, mas com o espírito rocker sempre presente. André Mendes, ex-Maria Bacana, continua em carreira solo, que em 2013 ganhou novo capítulo com seu terceiro disco solo, ‘Amor Atlântico’. Já a banda Theatro de Séraphin (foto), na ativa há alguns anos, traz integrantes que fizeram parte da Treblinka e Via Sacra. Mauro Pithon, ex-Úteros e, Fúria, segue no comando da Bestiário, além de nomes como Alex Pochat, Vandex, Tony Lopes, Nancy Viegas, entre outros, que prosseguem apresentando sempre novos trabalhos.
De uma geração um pouco mais nova, diversas bandas, como Maglore e Vivendo do Ócio, que atualmente tentam a vida em São Paulo, Vendo 147, Velotroz, Yun-Fat, Trônica, Tentrio, entre outras, seguem carreira, umas mais na ativa, com muitos shows e novos trabalhos, e outras mais lentamente. O que tem chamado atenção no cenário rock, no entanto, é a profusão de novas bandas que têm surgido ou se destacado nos últimos meses, não mais apenas em Salvador, mas cada vez mais também em cidades do interior.
Apesar de shows irregulares, poucos e incipientes festivais, o habitual pouco espaço na mídia e quase ausência total nas rádios, esse tal de rock baiano continua a se mostrar ativo, fértil e interessante, com bons trabalhos sendo lançados, especialmente através da internet. Na capital, destaque para nomes como Gozo de Lebre, Gepetto, Falsos Modernos, Jato Invisível, Os Jonsóns, Lo Han, Teenage Buzz, Trônica, Minus Blindness, Wanda Chase, Callangazoo, Os Fracassados do Undergroud (foto), Vitrola Azul, Buster e Van Der Vous.
No interior, algumas cidades chamam atenção, com festivais, eventos frequentes e muitas bandas surgindo. Entre os destaques estão a The Gins, de Cruz das Almas, Dona Iracema, de Vitória da Conquista, The Pivos e Ultrasônica, de Camaçari, Universo Variante e Inventura, de Alagoinhas, Magdalene and The Rock and Roll Explosion, Calafrio, Novelta e Tangerina Jones, de Feira de Santana.
O rock na Bahia sempre viveu o dilema de revelar talentos, produzir em quantidade e qualidade e, ao mesmo tempo, brigar por espaço e por reconhecimento. Talvez o número de lugares para tocar nunca tenha sido tão grande quanto hoje. Os festivais, com reforço do interior, também cresceram em todo o estado. Nunca foi tão fácil produzir, gravar e disponibilizar música. A internet está ai, proporcionando que as novidades sejam conhecidas de forma mais rápida pelo público. O que falta então? Já parou para pensar que talvez seja você que não esteja dando a atenção merecida a esse tal de rock baiano?