Entrevista I.F.Á. Afrobeat Banda Bahia

Entrevista I.F.Á. Afrobeat: “O desejo de renovação é a maior força da música baiana de agora”

Na entrevista que você confere abaixo, fruto de uma conversa com dois membros-fundadores da I.F.Á. Afrobeat , o baterista Jorge Dubman e o baixista Fabrício Mota, você vai conhecer um pouco da história da formação da banda e os planos atuais. Eles também explicam a influência da herança afro existente na Bahia e no Brasil. Falam sobre a parceria com a cantora Okweii Odili de Lagos (Nigéria). Mostram também o desejo de expandir sua música para além-mar. Contam ainda sobre as mudanças que vêm acontecendo na música baiana e na juventude negra local.

Eles começaram em 2012 como um power trio instrumental, gravando e compondo afrofunks brasileiros, num estúdio caseiro em Salvador. Três anos depois, a banda virou uma big band com nove membros. Lançou singles e dois videoclipes, das ótimas faixas “Suffer” e “Axé”. Realizou shows elogiados pela imprensa. A banda acaba de ganhar o prêmio de grupo Revelação 2015, pelo tradicional Troféu Caymmi, na capital baiana. Uma novidade é que o esperado álbum de estreia deve ser lançado até o final de 2015.

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Por Lívia Rangel (ElevenCulture.com) *

I.F.Á. Afrobeat é: Jorge Dubman – bateria; Fabricio Mota – baixo; Átila Santtana – guitarra; Prince Áddamo – guitarra; Alexandre “Loro” Espinheira – percussão; Tiago Tamango – teclado; Normando Mendes – trompete; Matias Hernan Traut – trombone e Raiden Coelho – sax e flauta.

ENTREVISTA I.F.Á. AFROBEAT:

Lívia Rangel – Conta um pouco do início da história de vocês.
Jorge Dubman – A IFÁ começou em meados de 2012, como um power trio, formado por mim – Jorge Dubman (bateria) – Fabricio Mota (baixo) e Átila Santtana (guitarra). As primeiras composições foram criadas em encontros semanais num home Studio. Já tínhamos alguns temas e começamos a ensaiar com o intuito de fazer uma banda mesmo de Afrobeat com sopros, percussão, etc. Chamamos o Alexandre Espinheira (percussão) e Prince Áddamo (guitarra). Os outros músicos foram conhecendo o projeto e se interessando em fazer parte. Assim, hoje, somos 9.

Lívia Rangel – Vocês lançaram, recentemente, o tema instrumental “Axé”que mostra uma sinergia entre Ijexá, Funk e Afrobeat. Como se dá essa mistura sonora no momento de criação musical da banda?
Jorge Dubman – Cada um chega com uma ideia, às vezes eu estou fazendo uma levada de bateria, aí o Fabrício já me acompanha numa linha de baixo e as coisas começam a acontecer, muitas vezes isso acontece no ensaio… ai gravamos essas ideias no computador, com software de gravação ou no celular.

Música da Bahia

Lívia Rangel – O clipe dessa música foi gravado no Curuzu, no estúdio do Ilê Aiyê. Qual a relação do I.F.Á. com o bloco afro mais importante da Bahia?

Fabricio Mota – Acima de tudo temos muita admiração e respeito por tudo que o Ilê Ayiê representa pra cultura negra na contemporaneidade (dentro e fora do Brasil)! Hoje podemos dizer que há um reconhecimento recíproco. O que nos deixa muito honrados. Fomos acolhidos pela equipe do estúdio do Ilê de maneira muito cuidadosa e buscamos fazer o melhor registro possível. Esperamos fortalecer esses laços em outros trabalhos futuros.

Lívia Rangel – No momento em que a música popular de Carnaval entra em crise e o rock perde força, a Bahia tem lançado projetos maravilhosos de orquestras e big bands que respiram a ancestralidade africana como a Rumpilezz e a Orquestra Afro Sinfônica. Bandas como a IFÁ e Baiana System chegam pra somar nesse ambiente. O que mudou na música baiana?

“Grande parte de toda riqueza cultural,
simbólica, espiritual, sonora, social, política,
artística… tudo no Brasil nos remete à África”

Fabricio Mota – Acredito que o desejo de renovação (em todos os sentidos) é a maior força do cenário musical da Bahia de agora. Nesse movimento a “ancestralidade “ é mesmo o ponto chave pra compreender a virada! Olhamos para nós mesmos de maneira diferente, buscamos cada vez mais mergulhar nesse universo de referências e matrizes africanas, muito em busca de auto compreensão. E isso se reflete naturalmente na arte. Atualmente, alguns grupos/bandas têm um diálogo forte com a ancestralidade. O que é diferente de alguns “produtos sonoros”, que até os anos 90 apenas se apropriavam dos significados estéticos, negando os principais “sujeitos” criadores e suas trajetórias.

Entrevista I.F.Á. Afrobeat Bahia

Negritude

Lívia Rangel – Salvador é considerada uma das cidades mais pretas fora da África. De que maneira essa realidade é assimilada (ou não) pelos soteropolitanos? Por quê?

Fabricio Mota – Vivemos entre a dor e a delícia desse contexto tão especial. Se por um lado estamos num caldeirão criativo em plena ebulição com uma antena ligada no mundo, por outro amargamos os efeitos desastrosos que o racismo traz à população da cidade (à juventude negra particularmente).

Nessa contradição toda, nota-se que as pessoas têm buscado mais conhecimento a respeito da diversidade e da necessidade de identidade. O debate e o (re)conhecimento sobre a negritude como valor humano tem ganhado mais corpo e ampliado a percepção das pessoas, graças aos movimentos artísticos ligados aos blocos afros, aos afoxés, aos grupos de Hip Hop, às comunidades de terreiro, às organizações quilombolas, nas escolas. Sem dúvidas, essa é a parte boa!

“O debate e o (re)conhecimento sobre a negritude, como valor humano, tem ganhado mais corpo e ampliado a percepção das pessoas”

Lívia Rangel – Ainda dentro desse tema, a I.F.Á. tenta conectar o “Atlântico Negro” e já chegou a simular, num show, as duas margens do oceano (com dois palcos) que dividem os países da África e o Brasil. Fala um pouco dessa experiência.

Fabrício – É muito divertido poder compartilhar um pensamento, uma reflexão, um ponto de vista de maneira simples, direta, prática. A proposta do show intitulado “Atlântico Negro”, inspirado nas leituras do livro homônimo do Sociólogo Paul Gilroy, era apresentar essas trocas de influência sonora da música da diáspora africana, a partir das canções das colagens, dos arranjos do espetáculo.

Curiosamente, a organização do palco surgiu de uma limitação de espaço que comportasse todo o grupo. Acabamos criando outro ambiente sonoro que rompia com a experiência tradicional do público também. Tudo se encaixou e tem sido tão interessante que já virou uma marca da banda na cidade. Essa é a parte interessante de fazer arte… “nada se perde tudo se transforma”.

Ouça o single “Suffer” do I.F.Á. Afrobeat:

Lívia Rangel – No DVD de Mart´nália, a cantora Mayra Andrade (Cabo Verde) se declara orgulhosa por estar conseguindo atingir o público do Brasil, mas lamenta o fato de o País e o continente africano “não dialogarem”. O que falta para o Brasil “descobrir” a África?

Fabricio – Reconhecer-se historicamente. Grande parte de toda riqueza cultural, simbólica, espiritual, sonora, social, política, artística… tudo no Brasil nos remete à África. Na verdade, esses diálogos sempre existiram, mas foram silenciados, negados, diria até que negligenciados. A negação da diversidade, os estereótipos e o desconhecimento da história afasta a compreensão dos laços que ligam o Brasil às muitas Áfricas, desde muito tempo.

“A negação da diversidade, os estereótipos e o desconhecimento da história afasta a compreensão dos laços que ligam o Brasil às muitas Áfricas, desde muito tempo”

Interessante mesmo é poder fazer parte de um movimento artístico que tem como princípio a (re) conexão. Quando escutei Mayra Andrade pela primeira vez fiquei tão encantado e emocionado por essa razão!!! Sentia que aquele canto era ao mesmo tempo familiar e novo, inédito. Não conseguia definir, explicar apenas, sentir! Essas redescobertas através da música (seja em que lado estejamos do Atlântico) é uma prova viva das conexões que nos unem ao longo do caminho. Cabe agora aprofundar essa busca.

Futuro

Lívia Rangel – Quais os planos do I.F.Á.? Existem intenções para o mercado internacional?

Fabrício – Vamos gravar um primeiro disco, registrando as canções com os arranjos que apresentamos nos shows (mas deixando livre para a experiência criativa que só o estúdio possibilita). Esse é o objetivo pra o ano em curso, é uma demanda que já bateu na porta faz tempo e estamos batalhando pra concretizar essa missão. Ainda que sejamos uma banda de música instrumental, vamos lançar um EP em parceria com uma cantora Okweii Odili de Lagos (Nigéria).

Trata-se de um projeto em paralelo que nos orgulha muito pois, foi graças à vinda dela pra Salvador em 2013 que juntamos pela primeira vez o núcleo do grupo que existe hoje. No mais, acreditamos que a música nos dê asas para levar o trabalho do I.F.Á. Afrobeat para outros lugares do mundo para além da Bahia!

Lívia Rangel, atualmente residindo em Londres, é jornalista e editora do ElevenCulture.com

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