Sem medo de ser pop, nova geração de artistas independentes de Norte a Sul do país abraça sonoridades regionais, refrãos fáceis e até dancinhas para conquistar públicos maiores.
Por Luciano Matos (em parceira com a UBC)
Até há pouco tempo, a pernambucana Eduarda Bittencourt trabalhava numa loja para pagar as contas e pintava paredes para custear o primeiro disco. Meses depois, já assinando como Duda Beat, tornou-se um dos principais nomes de uma nova música pop brasileira.
Ela é parte de um pop emergente com origem no cenário independente e que não tem medo de abusar de letras fáceis, melodias grudentas, refrãos e batidas repetidas e dançantes, tudo quase sempre permeado por modernos elementos eletrônicos. Muitas vezes repetitivo e girando em torno de temas batidos, inclusive os mesmos do mainstrem. Ainda distante das rádios e TVs e de um público massivo, essa turma já ocupa, no entanto, ambientes que até então resistiam ao seu som.
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Ao lado de Duda Beat, aparecem artistas diversos, como Tuyo, Jaloo, ÀttooxxÁ, Romero Ferro, Mateus Carrilho, Keila, Luísa e os Alquimistas, Rosa Neon, Jacintho, entra tantos outros. Com características diversas, eles têm mostrado que o pop está cada vez mais forte também no ambiente fora do mainstream. É fácil perceber isso observando, por exemplo, o circuito de festivais que eles têm percorrido. Se, antes, eles tinham foco maior no rock e em sonoridades de apelo menos populares, hoje trazem alguns desses artistas do pop até como atração principal.
Duda Beat, por exemplo, em 2019, foi cabeça de cartaz no Coala (SP), no Sarará (MG), no Bananada (GO), no CoMA (DF), no Queremos (RJ) e no Wehoo (PE). Ela acabou sendo convidada também para dois dos maiores festivais do país, o Lollapalooza e o Rock in Rio. O grupo baiano ÀttooxxÁ já tinha passado pelo Coala (SP), Mada (RN) e CoMa (DF), em 2018, e se apresentou no BR-135 (MA), Se Rasgum (PA) e DoSol (RN), no ano passado, também entre os headliners. A banda curitibana Tuyo foi outra que esteve em diversos festivais, como Radioca (BA), Favela Sounds (DF), Polifonia (RJ), Locomotiva (SP), Rec Beat (PE), entre outros.
Novo pop
Mas o que mudou? Quais as razões para o pop ganhar todo esse espaço no universo independente? Segundo Patrick Torquato, DJ e Gerente de Programação da rádio Frei Caneca FM, em Recife, é uma resposta natural da geração. “Todas têm seus desafios e uma demanda de autoafirmação”. Depois da Axé Music e do sertanejo, essa cena estaria se enxergando cada vez mais como pop. “Essa geração atual está ocupando esses espaços que fazem músicas com potencial para alcançar um público maior”, afirma Patrick.
Essa geração se aproxima de forma ainda mais evidente de ritmos e sonoridades populares, sem nenhum constrangimento ou pudor. É uma de suas características mais marcantes. “Eles flertam com a música periférica do funk, do brega, do pagodão, misturando com o pop gringo de Rihana, de Beyoncé, com o hip hop de maneira geral e com o raggaeton”, diz Patrick, diretor artístico do mais recente disco de outro expoente desse indie-pop nacional, o pernambucano Romero Ferro.
Em seu segundo álbum, batizado como ‘Ferro’, o cantor reforça a vertente pop e essa proximidade com ritmos populares. Amplia o leque de referências e se aproxima do brega pernambucano. O resultado é um trabalho mais solar e dançante, que segundo ele mesmo, pode ser ouvido com mais facilidade, ampliando a conexão com o público. “Eu fico muito feliz em acompanhar e fazer parte dessa geração que trabalha o pop de forma tão plural no país, principalmente no mercado independente”, afirma. “Sempre me entendi como um artista pop, por tudo o que escutei de pequeno até aqui. Já senti preconceito por me denominar assim, mas hoje o contexto é outro”.
O pop paraense
Essa proximidade e mescla de ritmos populares com o pop não é novo, nem mesmo no ambiente independente. Gaby Amarantos vem fazendo isso desde que surgiu com seu tecnobrega e influência das aparelhagens do Pará. Ela foi longe e chegou a emplacar música de abertura em novela global. A terra dela é um dos lugares de onde mais surgem artistas com essas características.
Por lá surgiu também a Gang do Eletro, que fazia um misto de bregão com música eletrônica, mesclando ritmos como carimbó, cumbia e a música eletrônica e tentando tornar o tecnobrega ainda mais pop. O grupo encerrou as atividades, mas a ex-vocalista Keila Gentil deu seguimento a proposta. Em 2019, ela lançou ‘Malaka’, álbum solo em que mistura tecnobrega paraense com ritmos como funk carioca, rap, trap e o batidão romântico do Nordeste.
Ainda do Pará, o cantor e guitarrista Felipe Cordeiro em seu quarto disco ‘Transpyra’ abriu o leque de referência, aumentando a dosagem pop. Ele mescla ritmos de sua terra com sonoridades pop oitentista, num caldo que inclui lambada, new wave e brega. Outro nome do estado nortista é Jaloo, que também foca seu trabalho em um pop autenticamente brasileiro, sem se ater apenas aos ritmos de sua terra, uma espécie de pop-eletro-brega.
Pop tropical
De Goiânia, a Banda Uó surgiu como resposta do sucesso do technobrega pelo país. A banda encerrou as atividades, mas um dos integrantes do grupo, Mateus Carrilho, deu seguimento a proposta de fazer um pop dançante e irreverente. Ele vem lançando diversos singles desde 2018, sempre mesclando brega, technobrega, axé music e outros ritmos brasileiros.
São Paulo também mostra suas novas veias de pop. MC Tha faz uma mistura de MPB, Pop, funk e outros ritmos brasileiros. Enquanto Jacintho mescla linguagens contemporâneas da música periférica latino-americana, que baião, cumbia e salsa, reggaeton e funk.
A Rosa Neon é aposta mineira para esse novo pop. A banda é formada por quatro cantores e compositores que já eram conhecidos de outros projetos da cena independente mineira. Marina Sena, Mariana Cavanellas, Marcelo Tofani e Luiz Gabriel Lopes apareceram lançando mensalmente suas músicas junto com videoclipes. Em 2019, o Rosinha, como o grupo é chamado pelos fãs, apresentou seu primeiro disco. Autointitulado, o trabalho mostra uma compilação dos 8 singles lançados de novembro a junho, mais 3 canções inéditas. Um autêntico pop-tropical, com refrões chiclete e danças coreografadas no palco.
Geração nordestina
Pra falar de música pop e coreografias não dá para não falar da Bahia. Terra de um dos maiores movimentos da música pop brasileira, a axé music, o estado tem apresentado novos nomes vindos de uma proeminente cena independente. De lá vem nomes como Larissa Luz (com uma pegada mais politizada), Hiran, Majur, Nêssa, e TrapFunk&Alívio. O grande fenômeno pop, no entanto, tem sido o ÀTTOOXXÁ. O grupo promove um encontro do pagode quebradeira das periferias soteropolitanos com pop e eletrônica, numa proposta com dançante com bastante groove e letras provocativas.
Ainda do Nordeste, outro nome que vem colocando suas fichas numa veia mais pop é Luísa e os Alquimistas. A banda potiguar, liderada pela cantora e compositora potiguar Luisa Nascim, lançou em 2019 o álbum ‘Jaguatirica Print’, que mergulha numa miscelânea pop entre brega funk, música popular nordestina, dub, dancehall, reggaeton, rap, zouk, r&b.
O outro caminho do Pop melancólico
Há ainda uma turma fazendo um pop por um caminho diferente, mais intimista, melancólico, baseado em canções no violão. São nomes mais consolidados como Tiago Iorc, AnaVitória, Roberta Campos e a banda Vanguart, entre outros. Alguns já frequentando até o universo do mainstream. Outros ainda mais novos têm crescido e ganhado espaço em outros ambientes, como Castello Branco, Ana Muller e Phill Veras.
Um dos artistas novos que tem crescido bastante é o do cantor carioca Rubel. Ele tem uma trajetória interessante. Sua estreia, como álbum “Pearl”, em 2013, tinha uma pegada mais folk, com violão de cordas de aço e carregado de melancolia. No trabalho seguinte, “Casas”, o cantor apostou em melodias mais complexas, poucos refrãos e uma inspiração no hip-hop. Com o sucesso desse álbum, engatou intensas turnês, circulando por mais de 60 cidade ao longo de 2018. Foram 11 a 12 shows por mês, no Brasil e fora do País, incluindo Nova Iorque, Lisboa, Porto, e alguns dos principais festivais do país, como o Coala, o Queremos e o Rock the Mountain.
Em entrevista à revista Rolling Stone, o artista conta que em 2019 mudou de vez a forma como encara carreira e o mercado. Numa viagem à Mucugê, na Chapada Diamantina, teve contato com moradores da pequena cidade e percebeu que elas nunca tinham ouvido falar de indie-folk e afins. “Foi transformador. Eu perdi qualquer vergonha de ser popular e querer tocar na rádio”, afirmou Rubel. “A minha vontade agora é me comunicar com todo mundo. Não ter qualquer tipo de restrição sobre essa pessoa deve ouvir minha música, essa não. Isso é perverso e elitista”.
E tem conseguido. A canção “Partilhar”, que já tinha entrado na trilha sonora da telenovela ‘Malhação: Vidas Brasileiras’, ganhou uma versão com participação Anavitória, e virou sucesso nas rádios. Assim como os singles “Só Pra te Mostrar” e “Você Me Pergunta” (com Adriana Calcanhoto)
Pop é bom
Outro nome que vem chamando atenção é o grupo paranaense Tuyo, que também aposta menos em sons dançantes e mais em uma sonoridade melancólica. O trio mistura vocais melódicos, suaves e sofridos, com violões, beats eletrônicos e letras que falam de amor e desilusões. A harmonização das vozes das irmãs Lio e Lay Soares e do parceiro Jean Machado se combina e se cruza com versos sinceros e diretos e referências que passam por folk, synth pop e pinceladas de hip hop. Um pop um pouco menos festivo, mas pop em essência, que tem levado hordas de fãs aos shows, que costumam cantar e chorar juntos com a banda.
A ideia de optar pelo pop é simples de entender. Como diz Lay Soares, uma das cantoras do grupo: “Pop é bom, pop é gostoso. Gostoso demais de cantar, você sabe as letras, você curte. É um som democrático, todo mundo ouve, todo mundo entende, chega no pai, chega na mãe, chega na vó, chega em todo mundo”, explica. ‘Eu acho muito bonito o pessoal independente chegando no pop. A gente tem que estourar as bolhas. Você quer ser mainstream, quer vender, quer que todo mundo ouça sua música? Qual o problema se você tiver essa belíssima ideia de ficar um pouco pop. Independente não quer dizer que você tem que ser a pessoa descolada do resto das coisas. Não tem problema em almejar e fazer sucesso”.
Evidente que vários nomes já buscaram anteriormente caminhos pop dentro dessa cena independente. A diferença parece é que agora há toda uma geração de artistas sem medo de apostar todas as fichas em fazer sucesso, alcançar públicos maiores e fazer uma música mais palatável, sem nenhuma vergonha disso.