Maria Bacana

Maria Bacana vai voltar com disco de inéditas 20 anos depois

Duas décadas depois, banda Maria Bacana retorna com novo disco, apenas com músicas inéditas e algumas poucas apresentações.

Há 20 anos, o mercado de música girava em torno do CD, para ser alguém você tinha que estar em uma gravadora e o símbolo do sucesso era ter uma música tocada na rádio. Nada disso é essencial hoje, mas lá pelos anos 90 uma banda de rock baiana havia furado o bloqueio e tinha tudo para estourar nacionalmente. Como poucos naquela época, a Maria Bacana havia dados os passos certos e era uma grande promessa, mas na hora decisiva o mundo desmoronou (entenda mais sobre a história da banda no texto de Ricardo Cury abaixo) e a banda também. Precocemente, o baixista saiu e em pouquíssimo tempo o grupo encerrou às atividades.

Leia também o especial sobre a histórica banda Úteros em Fúria. 

Duas décadas depois de cada um ter seguido seu caminho, André Mendes (voz e guitarra), Macello Medeiros (bateria) e Lelê (baixo) anunciam uma inesperada volta, prometendo um novo disco, só com músicas inéditas, e algumas apresentações. “Vinte anos é uma data bem forte e icônica. Estamos vivos e não tem cobrança para ser sucesso…então não tem pressão.Vamos fazer um disco pra comemorar a nossa história artística e pessoal, como amigos”, revela André.

Ele continua com sua carreira solo, lançando discos anuais, enquanto Macello virou professor e pesquisador na universidade. Lelê se aposentou, depois de se livrar de uma grave doença, e está estudando. O retorno é uma oportunidade de ver na ativa um dos power trios mais interessantes da história do rock baiano. Poucos se lembram dos shows, eles nunca foram de tocar muito, mas as canções do trio ficaram marcadas na memória. A promessa é retomar o espírito da época, com composições regadas a espírito juvenil a base de guitarras e melodias assoviáveis.

“20 anos é uma data bem forte e icônica. Estamos vivos e não tem cobrança pra ser sucesso…então não tem pressão. Vamos fazer um disco pra comemorar a nossa história artística e pessoal, como amigos.”

André conta que está compondo pensando no formato Maria Bacana power trio e que uma música já está pronta. “Acho que o disco vai falar principalmente de amor. Nesse tempo nublado que a gente está vivendo no Brasil, falar de amor e leveza é respirar”, afirma. Uma das prerrogativas imposta é que o disco só vai ter músicas inéditas, mesmo que muitas delas sejam sobras da banda na época em que estava na ativa. “A banda é como andar de bike…não dá pra esquecer…então quando eu trago uma composição, Macello e Lelê já acompanham fácil fácil, no velho estilo power pop que fazíamos. Vai ser um trabalho super fiel ao disco e a banda dos anos 90. Não vai ter reinvenção,vai ser Maria Bacana”, conta André.

O disco deve ser lançado em meados do ano que vem e deve ter pelo menos um show de lançamento. “Rolando convites nada impede de rolarem outros, mas não é pra ser arroz de festa. É fazer poucos shows, mas especiais, comemorativos”, finaliza.

O porquê das coisas ou: às vezes é assim
(texto publicado originalmente no facebook em 2011)

Por Ricardo Cury

Na historia do rock, quando uma banda que tem tudo pra dar certo não dá certo, é como um acidente de avião. Nunca é um fator só. As causas para a não concretização do plano de voo são inúmeras, as respostas para as questões que se formam são sempre subjetivas e cada historia é singularmente peculiar.

Hoje, passados mais de dez anos desde o final dos anos 1990, já é possível fazer um levantamento, pelo menos superficial, de algumas historias daquela época.

Na década anterior, os famosos anos 1980, em uma entrevista para a jornalista Leilane Neubarth, a primeira da carreira da banda para a TV, perguntado sobre o sucesso da banda, Renato Russo respondeu:

– Sucesso?!

A Legião Urbana quando deu aquela entrevista estava no processo de gravação do seu primeiro disco que, obviamente, ainda não havia sido lançado, então: como já era “sucesso”? Uma das respostas é que naquela época, o simples fato de uma banda sair da sua cidade natal e ir para RJ ou SP gravar um disco já era sinal de sucesso. Esse mito permaneceu por muito tempo. Ainda em 96 eu tinha uma banda de rock e só porque a banda fez um show no Rio de Janeiro, ouvi o comentário “pooooorra, show no Rio, ta fazendo sucesso, hein?!”.

Grandes merdas show no Rio. Era só pegar uma fita demo, mandar pra vários lugares e esperar uma carta chegar ou o telefone tocar quando você estivesse em casa. Alguma carta de algum lugar chegando, era só marcar um show, concordar em pagar os custos e dividir o lucro (?), pedir o endereço e pegar a estrada. Grandes merdas fazer um show no Rio. Demoramos mais de dois dias pra chegar, num Uno Mille, tocamos pra cinco pessoas e voltamos pra mais dois dias de estrada. Num Uno Mille.

– Sucesso?!

Pra chegar ao que se convencionou chamar de “sucesso” é preciso muito mais do que ir gravar no Rio ou SP, ou ser elogiado por jornalista. A soma das vendas de Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd, Guns and Roses e Nirvana só é menor do que o numero de bandas que acharam que chegariam la. Bandas que só ganharam elogios, sem saber que ganhar elogio é talvez a parte mais fácil da coisa toda.

Diz a lenda que o jornalista baiano Hagamenon Brito tomou um a zero quando, em 1995, em uma conversa com o guitarrista Dado Villa-Lobos, perguntou a ele:

– E ai, Dado, o que é que ta rolando de som? Alguma novidade no rock?

O guitarrista respondeu?

– Já ouviu Maria Bacana, daí de Salvador?

As más línguas dizem que Hagamenon ainda perguntou “Quem? Maria Bethania?!”.

Uma semana depois, Morotó, guitarrista dos Dead Billies, estava fazendo 20 anos de idade e fez uma festa em sua casa. Na sala, ao invés de uma mesa com comidas, tinha uma mesa com bebidas e ao lado uma bateria, uma guitarra, um baixo, amplificadores e microfones. Foi um show histórico para convidados. Depois dos Dead Billies, outros três caras “subiram no palco”. Eram uns caras que, assim como os Billies, eram dali, do Bonfim. Minha primeira reação foi “oxe, quem é esse magrelo, espinhento, de calça rasgada?”. Quando eu pensei isso, Bola perguntou pra mim:

– Já viu esses caras?

– Não – respondi.

– Também não – respondeu ele –, mas eu tenho a fita demo, é legal…

E a banda atacou. Guitarra, baixo e bateria, tocado de forma alta, suja e, sobretudo, muito bem ensaiada.

“A gente ensaiava religiosamente todo sábado e todo domingo, o dia todo”, disse Macello Medeiros, baterista.

O estúdio de ensaio era em um quarto nos fundos da casa da avó dele, dona Maria, que liberou o espaço sem hesitar nem reclamar do barulho. Se os Paralamas do Sucesso homenagearam vovó Ondina, a avó de Bi Ribeiro, pelo mesmo motivo na musica “Vovó Ondina é gente fina”, Macello, André e Lelê homenageariam vovó Maria no nome da banda: Maria Bacana.

Outro motivo – menos nobre – do nome é o fato dele conter as mesmas iniciais da banda antiga do trio, chamada Master Brain. Heavy Metal cantado em inglês com referencia em Black Sabath, Metallica e Iron Maiden “até que André descobriu os Mutantes e chegou dizendo que tinha feito musicas novas”, diz Macello.

Para André Mendes (guitarra e voz) tanto quanto Mutantes, uma forte influencia foi Ratos de Porão: “ali eu percebi que podia fazer um som pesado cantando em português”, disse.

Com nome novo e musicas novas, gravaram uma fita demo composta por três musicas e bateram (via Correios) nas portas de diversas gravadoras e selos independentes (que pipocavam) no Brasil. Uma dessas portas foi a do jornalista Sergio Espírito Santo, que trabalhava naquele momento na produção de um CD só com novas bandas do Brasil, que se chamaria Brasil Compacto e que seria lançado pela Rockit!, selo criado pelo guitarrista da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos.

– Ouve isso aqui – pediu Espírito Santo e os três acordes com melodias cantadas em português atingiram em cheio o guitarrista da banda que, 10 anos antes, se tornara a maior em vendas no Brasil a partir de um primeiro disco recheado de três acordes com melodias cantadas em português.

– Recebi uma fita K7 com três faixas e bateu na hora. Não existia vídeo, o material fotográfico era precário, sabíamos apenas que vinham de Salvador. Foi só a musica. A música contagiou a todos no escritório e logo pensamos em como viabilizar o projeto de um disco. Era algo que estávamos buscando – diz o então dono de gravadora Dado Villa-Lobos.

O simples e singelo verso “você me faz pensar” da musica Caroline, composta na tal fita demo, fez Dado comentar assustado “tem uma musica do Aborto Elétrico que nunca foi lançada que fala ‘você me faz pensar’”, disse ele, sobre a banda que depois viraria Legião Urbana.

Com a participação garantida na coletânea Brasil Compacto, a Maria Bacana tocou em todos os buracos de Salvador, sempre chamando a atenção de um publico ainda pequeno, porém, a todo o momento, cada vez maior. Esses shows foram fundamentais para preparar a banda para o lançamento do Brasil Compacto, no festival Humaitá pra Peixe, Rio de Janeiro, no final de 1995.

– Não tinha muita gente, mas todo mundo que tava la tinha a ver com a coisa – relembra André.

“Vim aqui só pra ver o show de vocês”, disse Fred, então baterista dos Raimundos, para ele.

O show foi impecável. Somado aos ensaios exaustivos que se obrigavam a ter, os inúmeros shows nos inferninhos de Salvador deixaram a banda extremamente competente em cima de um palco, sempre impressionando pelo impacto de ser um trio que sabia tocar alto, pesado e, no meio disso tudo, ainda garantir o espaço da melodia. O assoviável dos Mutantes com os três acordes do punk rock.

– Podemos dizer que o pré-emo esta ali – avalia Dado, sem ser pejorativo.

Além dos Raimundos, estavam presentes nesse show músicos do Planet Hemp, Little Quail e Rappa, assim como jornalistas e a MTV, todos rasgando elogios ao trio. Em uma época onde só se falava de maconha e putaria no rock, uma banda falando de coisas mais existenciais e até mais ingênuas foi um sopro de vida até para os próprios responsáveis pela maconhagem e pela putaria. Em pouco tempo, a imprensa de Rio e SP (e fanzines Brasil afora) se rendeu. “Legião Bacana” dizia uma das matérias da revista Bizz, fazendo uma inevitável comparação.

– Em pouco tempo a gente estava sendo elogiado por quem a gente admirava – assume André, antecipando um dos fatores que seria responsável pela mudança da maré.

E o show empolgou tanto a produção que a banda foi de ônibus e voltou de avião, numa época em que andar de avião não era tão acessível, ainda mais se tratando de uma banda de rock de Salvador. O aeroporto ainda se chamava Dois de Julho. Do ponto de vista histórico, os anos 1990 foram ontem, acabamos de vivenciá-los, mas ainda assim é assustadoramente diferente dos dias atuais.

Das bandas do Brasil Compacto, três tiveram investimentos para um vídeo clipe: a também iniciante Eddie, de Pernambuco; Tiroteio, de São Paulo; e Maria Bacana. Feito por Raul Machado, premiado diretor naquele meio de década, o clipe de “Caroline” passava com certa freqüência na MTV, em uma época em que isso era como uma banda de rock de Salvador andar de avião. A banda ainda concorria ao importante premio de Banda Revelação pela revista Bizz, também em uma época em que isso…

– Ali, se um clipe seu passasse uma única vez na MTV, você tinha até 15 dias pra aproveitar a fama e ser reconhecido na rua – diz Rogério Big Brother, produtor cultural de Salvador.

Conversando com ele sobre o tema “bandas que achávamos que iam chegar la, mas não chegaram”, ele disse:

– E Lacertae? – banda sergipana que também estava na coletânea Brasil Compacto. – Os caras saíram de Lagarto, no interior do interior de Sergipe e foram direto, sem escala, pra São Paulo. Todo mundo da MTV dizendo que eles eram legais, todo mundo da Bizz dizendo que eles eram legais, a Folha de São Paulo dizendo que eles eram legais, ficaram seis meses em São Paulo com todo mundo dizendo que eles eram legais, mas ai, de repente, as pessoas que achavam eles legais foram desaparecendo, desaparecendo e eles voltaram pra Lagarto – finaliza Big Brother.

Para a Maria Bacana o ano de 1996 começava com indícios de que o “chegar la” era questão de tempo. A correnteza de acontecimentos se encarregaria de levar a banda. Os shows em Salvador estavam sempre cheios e o tão sonhado primeiro disco finalmente seria gravado. Agora seria um disco só deles.

Foram pro Rio de Janeiro e ficaram hospedados na casa do diplomata Jayme Villa-Lobos, pai do guitarrista. Um dos motivos para isso foi o barateamento da produção, economizando com hotel. Ironicamente, essa economia significava uma cobertura na Gávea, só para eles, três pirralhos de Salvador…

– Naquele momento a gente percebeu que a coisa era muito mais do que uma “simples” relação gravadora-banda. Houve uma identificação, uma admiração e, principalmente, uma amizade entre a gente. Foi tudo muito acolhedor – disse André.

O local escolhido para a gravação foi o mega estúdio novinho em folha A.R., então conhecido como “o melhor estúdio do Brasil”, e foi produzido por Dado Villa-Lobos e por um promissor produtor ainda não tão conhecido, como viria a ser, chamado Tom Capone.

“A banda vai estourar”, dizia o burburinho.

Tive algumas oportunidades de conversar com Tom Capone e em uma delas o assunto foi Maria Bacana:

– Aquela banda era foda e aquelas musicas são fodas. A única coisa que eu me arrependo é que eu não tive tempo pra mixar o disco. Quem mixou foi um cara que faz a mixagem dos discos do Djavan, ai ele deixou tudo meio limpinho… – lamentou Capone, que veio do underground de Brasília e enquanto trabalhava com Maria Bacana já estava sendo requisitado para as mais altas produções fonográficas. Colocando uma sonoridade inovadora por onde passava, artistas consagrados como Gilberto Gil, Barão Vermelho e Skank também passaram a clamar por seu talento. Como produtor do primeiro disco da cantora Maria Rita, ganhou um Grammy em 2004. Após receber o premio, saiu pelas ruas de Los Angeles em sua Harley Davidson, sofreu um acidente de transito e morreu.

Com o disco gravado, a Maria Bacana tocou no festival Close-up, em São Paulo, ao lado de David Bowie, No Doubt e outras bandas iniciantes que, como eles, ainda eram promessas: Charlie Brown Jr, Pavilhão 9, Skamundongos e a conterrânea Catapulta. Todas elogiadas pela MTV, Bizz e Folhas, todas na corrida pelo pódio e com chances de vitoria.

Dessas bandas, Skamundongos sumiu; Catapulta, com o inevitável trocadilho, não catapultou; Pavilhão 9 conseguiu algo, mas nada comparável ao Charlie Brown Jr, que quebrou todos os recordes de vendas e de paciência. E Maria Bacana…

Se o show no Humaitá pra Peixe foi incrível porque foi para um pequeno grupo seleto, esse foi mais incrível ainda porque foi para uma pequena multidão, com milhares de pessoas cantando juntos musicas da Maria Bacana. “Agora vai”, pensaram todos os envolvidos, inclusive Rafael Borges. Se já não bastasse a imprensa comparar a Maria Bacana com a Legião Urbana, de o guitarrista desta ser o produtor executivo e musical do disco, agora era Rafael Borges, o empresário da própria Legião Urbana, quem apostava neles. “Agora vai.”

Macello lembra de uma noite em que ele foi tomar uma cerveja com um técnico da equipe e no meio da bebedeira ele descobriu que eles seriam os outros que trabalhariam no lugar da Legião Urbana. Depois de um “não sei se digo”, o tal técnico disse:

– Rafael ta colocando toda a equipe da Legião pra trabalhar com vocês, ele falou pra gente que quer transformar vocês num novo Legião Urbana.

Mas acontece que um tal de destino apareceu por la. E o que parecia ser vantajoso se tornou o inverso. Em outubro daquele ano, Dado Villa-Lobos e Rafael Borges tiveram de esquecer a Maria Bacana e todas as outras bandas com que trabalhavam – Dado com as da sua gravadora e Rafael com todo seu elenco que incluía, entre outros, Cássia Eller e Kid Abelha – para cuidar dos interesses de apenas uma banda. Naquele mês, a Legião Urbana terminava suas atividades com a morte de Renato Russo e as pessoas mais próximas a ele eram justamente as pessoas de quem dependia o trabalho da Maria Bacana. E tudo isso justamente no peculiar momento de lançamento de um primeiro disco. Ninguém conseguia fechar shows com a Maria Bacana, ninguém encontrava os discos nas lojas.

A Legião Urbana, banda que de certa forma gerou a chance de sucesso da Maria Bacana, com o seu fim, gerou também o fim da Maria Bacana? Esse motivo, por mais intrigante e irônico que pareça, seria simples demais se fosse o único.

Dado Villa-Lobos avalia de forma mais fria e traz argumentos:

– Foi um momento conturbado pra mim, para Rafael e todos à nossa volta, talvez esse seja um de vários motivos do “fracasso”, não o único… Os discos não chegavam às lojas porque a distribuidora EMI/Virgin não colocava; não colocava porque não havia demanda; não tinha demanda porque não tocava no rádio; não tocava no rádio porque não tínhamos a montanha de dinheiro exigida pro jabá. Impossível querer de um selo como a Rockit! financiar o “marketing” vigente à época, algo a se lamentar, pois havia a confiança na possibilidade de a Maria Bacana alcançar algum êxito no plano nacional, mas faltou dar um passo além, faltou jabá. Simples assim.

Passada a fase do luto, passava com ela a fase dos elogios e chegava-se a fase seguinte, o tal passo além, a fase do dinheiro. Tem?

Macello lembra também de depois de um show, no meio do camarim, uma produtora renomada entrou e foi bem direta:

– Se tiver 50 mil reais eu estouro. Com Charlie Brown Jr precisei de R$150 mil, mas com vocês só preciso de R$50 mil, tem?

Não tinha.

Uma época estranha esse fim dos anos 1990. As chamadas grandes gravadoras estavam desmoronando em praça publica, mas ainda assim se buscavam contratos com elas e ainda assim se usavam as mesmas ferramentas que estavam fazendo aquele próprio império ruir.

Mesmo antes da morte de Renato Russo, Rafael Borges já sabia que o futuro da “sua” grande banda era mais que incerto. A fila precisava andar e tudo indicava que era a vez da Maria Bacana. Mas saber que o próprio produtor das duas bandas pensava de forma tão megalomaníaca mexeu com a cabeça de André, principalmente depois de que nada passou a acontecer de fato.

– Cadê a turnê? – se perguntavam os três e a resposta era sempre “a Rockit! não tem dinheiro”.

Em um instante, de uma hora pra outra, Dado Villa-Lobos foi de guitar-hero a vilão. Entre desentendimentos e impulsos juvenis, a banda, com exceção de Macello (o mais velho dos três), passou a responsabilizá-lo pela desilusão e decidiram ignorar o contrato e tudo o que já tinha sido feito. Que “livres” e que apenas com Rafael Borges eles conseguiriam um outro contrato, dessa vez com uma grande gravadora.

Hoje lamentam:

– Fomos escrotos e filhos da puta com Dado. Subi no salto, eu pensei ‘eu sou foda’ e vou fazer o que quiser… Fazer o que? Num momento eu sou um guri de Salvador, da cidade baixa e de repente eu estava no Rio, sendo chamado de gênio… Tinha dezessete anos, não segurei a onda, é uma pena – diz André.

Depois de uns dez anos sem saber dele, liguei pra Lelê, baixista, pra ouvir sua versão:

– A verdade é que a gente vacilou com Dado e com todos na Rockit!, a gente endoidou. Ele foi um guerreiro, conseguiu diretores de vídeo clipe, abriu a casa do pai dele pra gente, pagava nossas passagens e a gente deu mole. Tudo foi rápido demais, em um instante já queríamos algo bem maior… Ele ainda mandou uma carta pra cada um de nós, pedindo pra gente não procurar outra gravadora, gravar um segundo CD com ele, mas recusamos e naquele momento eu também já estava pensando em sair.

Em sua carreira, além do Close-up em São Paulo, a Maria Bacana fez algumas apresentações interessantes, como a abertura dos shows de Cássia Eller na Concha Acústica, em Salvador, e no Canecão, no Rio de Janeiro (após o show a cantora Elba Ramalho fez questão de ir no camarim conhece-los); tocou no inovador evento Expo Alternative, também no Rio e no festival Abril pro Rock, em Pernambuco. E cancelou alguns de forma irresponsável. Havia um publico enorme em Aracaju, recebiam inúmeras cartas de la e Rafael Jr, musico e produtor cultural da cidade fechou um show com a banda. Mas, na véspera, André desmarcou, colocando mentiras e burocracias no rock, ao dizer que a Rockit! os proibiu de tocarem nesse evento, quando o verdadeiro motivo foi o de que o evento não tinha sido fechado por Rafael Borges.

– Marquei o show, tudo bem acertadinho, claro e limpo. Fiz cartaz, busquei patrocinadores, comecei a divulgar e quando consegui falar com eles (depois de um tempo dizendo que “não estavam”), vieram com uma conversa esquisita de que foram proibidos pela gravadora de tocar – relembra Rafael Jr, que, imediatamente, através de uma carta, entrou em contato com a Rockit! pra deixar clara a sua indignação, questionando “como eles (um selo alternativo) atrapalharam um pequeno produtor que fazia o rock gerar e trabalhava com seriedade, pela música, fazendo as coisas acontecerem numa cidade provinciana”.

Sérgio Espírito Santo, ao ler a carta, ligou na hora. E pra surpresa de Rafael Jr, disse que a Rockit! não tinha nada a ver com aquilo, que nem sabiam do evento e que todos la também estavam decepcionados com eles.

Para Macello, o único a discordar das atitudes dos companheiros (e que estava atento a todas as nuances), isso foi o começo do fim. Isso e o fato de Lelê ter pedido as contas.

– Deixei a banda porque estava sentindo a necessidade de construir uma família e a banda já não me dava mais garantias nenhuma… Ou investia no meu sonho de rock and roll ou montava uma família com minha esposa; optei pela família e abandonei meu grande sonho que até hoje me persegue – resigna-se o baixista.

Para André e Macello, o tecido do sonho do rock ainda se mantinha, mas os fios já começavam a se esfarrapar. Sem Lelê, testaram inúmeros baixistas, mas nenhum conseguiu trazer aquela vibração de volta. Com nova formação, gravaram uma outra fita demo e bateram na porta de outro Rafael. Rafael Ramos, que estava naquele show de lançamento pra um grupo seleto e ficou na frente do palco, hipnotizado, vendo a Maria Bacana tocar. Rafael Ramos, o responsável direto pelo surgimento dos Mamonas Assassinas e que naquele momento era um produtor musical promissor (produziria Los Hermanos e Pitty) respondeu logo em seguida e disse que tinha total interesse em produzir o segundo disco deles.

Com essa promessa, André pensou que estavam salvos. Mas Rafael só se mostrou empolgado até o momento em que ouviu as novas musicas.

– Aconteceu que aquela banda que ele gostava não existia mais – assume André, melancolicamente.

E, enfim, melancolicamente, aquela banda então, literalmente, deixou de existir.

Dez anos depois, em 2007, André, Lelê e Macello se reuniram novamente numa festa de um amigo em comum, como aquela festa dos Dead Billies.

– Esse dia foi uma coisa incrível, parecia que nunca tínhamos parado, foi algo mágico, impressionante, sobrenatural. Macello fazia “3,4” e a musica entrava. É uma das sensações que vou levar pra sempre comigo – se emociona Lelê.

– O que fica são as canções, Primavera, Caroline, Luvas, Bem Pensado… Como gravadora não correspondemos à expectativa do artista, expectativa essa meio fantasiada pelos sonhos do próprio artista. Esse mundo é cruel! – finaliza Dado.”

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