Nessa entrevista, Fernando Catatau falou para o el Cabong sobre o processo de criação e produção do disco, a relação com Fortaleza, as suas influências e o momento atual da banda.
Por Daniel Oliveira
Em “Fortaleza”, o compositor, produtor, vocalista e guitarrista Fernando Catatau, da banda de rock cearense Cidadão Instigado, mistura repente nordestino com rock ao falar de sua cidade natal. Nos versos, um recado direto, “Fortaleza eu te conheço desde o dia em que nasci”. É assim que começa a faixa que dá nome ao 4º disco do grupo, disponibilizado para download na última sexta-feira, 3, em página na plataforma Bandcamp, e que pode ser ouvido abaixo.
A primeira impressão é de que álbum é uma homenagem à cidade onde a banda começou a sua trajetória. Ao longo do disco, no entanto, é possível perceber que a “fortaleza” em questão extrapola a capital do Ceará. É a origem do grupo, as referências, as histórias vividas e as “mini-fortalezas” do ser humano. A banda Cidadão Instigado, um ano antes de completar 20 anos, faz um disco que transita entre passado, presente e futuro.
O álbum já vinha sendo esperado pelo público há alguns anos. O último trabalho lançado pela banda havia sido o elogiado “Uhuuu!”, em 2009. A maturação do “Fortaleza” durou quase três anos, começando pela praia de Icaraí de Amontada, no Ceará, com o início dos arranjos, passando pela gravação em São Paulo, e a finalização em Los Angeles, onde o disco foi mixado e masterizado.
“Fortaleza” será lançado em duas apresentações nos dias 9 e 10 de abril, no SESC Pompéia, na capital paulista e ainda não tem data prevista para show em Salvador. Produzido por Fernando Catatau e com co-produção dos outros integrantes, o disco tem as participações de Dado VillaLobos (ex-Legião urbana), no violão da faixa homônima e de Lenna Beauty, nas castanholas em ‘Besouros e Borboletas’.
No disco, do nome ao texto de apresentação e no conteúdo de algumas letras, vocês falam das lembranças de Fortaleza, cidade onde a banda começou e a maior parte dos integrantes nasceu. Hoje, vocês vivem em São Paulo. Como é essa relação entre a cidade que você vive, a música e o lugar onde você nasceu?
Fernando Catatau – Fortaleza é o nosso lugar de origem. A gente é o que é porque a gente viveu e tem todas as referências da cidade. Esse disco se chama Fortaleza, mas não quer dizer que é um disco feito simplesmente para a cidade. O disco fala sobre nós. Fortaleza sempre foi uma cidade que teve uma cultura do desapego, onde é necessário se adaptar às coisas novas. Por isso, a gente vai criando as nossas próprias fortalezas. É o nosso lugar, amo Fortaleza. Fico muito triste com o que fizeram com a cidade, a violência, a desigualdade, mas não é uma exclusividade de lá. Em vários lugares do país, precisamos criar mini-fortalezas. É o cotidiano da vida nas cidades e as suas contradições. A gente veio para São Paulo em busca de trabalho, lá era muito difícil. Eu vim para São Paulo pela primeira vez em 1994 e em 1995 morei no Rio de Janeiro um ano. Esse momento foi quando surgiu a ideia do Cidadão Instigado, a partir das vivências da gente. Mas a banda só começou em 1996, em Fortaleza. Essa relação é parte de nossa história.
O que fez a banda assumir mais concretamente nesse disco as referências do rock setentista? Você falou em outras ocasiões que algumas bandas desse período são influências importantes dos integrantes. A turnê do Cidadão Instigado tocando Pink Floyd contribuiu de alguma forma?
Fernando Catatau – A gente sempre teve isso. Nós sempre fomos roqueiros cearenses. Envolve todas as nossas referências, inclusive o rock setentista. A primeira vez que eu ouvi Led Zeppelin, Black Sabbath e Pink Floyd, tinha 13 anos. E eu enlouqueci com o rock. Depois, também passei pelo punk, que é uma referência pra mim. O pós-punk também,Joy Division. Eu fui vivendo e agregando várias referências. Por exemplo, gosto muito de Portishead. Não é apenas voltado para os anos setenta. Eu escuto muito até hoje as bandas de rock desse período e a turnê do Pink Floyd foi para gente uma escola, pois tocávamos o “The Dark Side Of The Moon” do início ao fim. E quem vê o nosso show, percebe claramente essa influência. Nós trouxemos para o disco o que a gente faz ao vivo. Esse é o disco que, talvez, mais se aproxima da gente como banda. Vamos fazer 20 anos no ano que vem e posso dizer que esse é o disco que a gente se aproximou mais da gente mesmo. É uma volta às origens e, ao mesmo tempo, um momento atual.
A banda passou bastante tempo maturando o disco. É possível perceber no resultado que a captação foi feita com muito cuidado, possui arranjos vocais bem trabalhados, os timbres também parecem ter sido escolhidos a dedo. Como foi esse processo de criação?
Fernando Catatau – A gente tem essa busca eterna, a busca pelo som. Todos nós gostamos muito disso. Quando começamos a idealizar o disco, marcamos um encontro em Icaraizinho, no Ceará, para a gente pensar de uma maneira mais leve, mais livre, na praia, em um ambiente nosso. E lá eu cheguei com as canções e a gente começou a arranjar. Depois disso só nos encontramos no contexto do disco um ano depois, em São Paulo, para gravar baixo e bateria. O que a gente prezou muito foi sair da nossa zona de conforto. Queríamos fazer algo que não estávamos acostumado. Depois disso, a gente fez o arranjo, as guitarras e os teclados. Na medida em que as coisas iam acontecendo, também fomos nos transformando, pois a gente queria fazer algo diferente do que já tínhamos. E também tem a questão de ser um disco independente, mas que a gente fez questão de fazer uma boa mixagem, juntamos grana, fizemos muitos shows, como o do Pink Floyd. A partir disso a gente conseguiu fazer a masterização e a mixagem em Los Angeles. Esse foi o tempo para o disco ficar com a gente queria.
O disco Uhuu!, o terceiro da banda, ganhou o prêmio Pixinguinha e foi financiado pela Funarte. Como foi voltar a produzir um disco completamente independente?
Fernando Catatau – A única diferença, no final das contas, é que em um você tem grana e no outro não. Então tem que fazer o disco na homeopatia, aos poucos. Os caminhos que nós buscamos foram basicamente os mesmos. Talvez tivesse saído em menos tempo, se tivesse financiamento. Seria mais fácil porque mixar em Los Angeles é caro. E a gente conseguiu um estúdio bom e acessível.
Nesse álbum, algumas mudanças ocorreram no papel de cada integrante na banda. Regis Dasmasceno foi da guitarra para o baixo, o baixista Rian Batista tocou teclado e violão e Dustan Gallas passou do teclado para guitarra. O que levou a essa troca de posições? Nas apresentações essa mudança vai se manter?
Fernando Catatau – A gente queria sair da área de conforto, porque queríamos mudar. Como a maior parte de nós toca outros instrumentos, decidimos mudar para ter outra experiência. A gente muda internamente e funciona. Quando a gente era mais novo, fazíamos parte de duas bandas, a Tribo e a Companhia Blue, lá em Fortaleza. Da tribo faziam parte o Dustan, como guitarrista, e o Rian, como baixista. E na Companhia Blue tinha eu e o Regis, que tocava baixo. A sensação é que agora a gente voltou para essas origens. Para o que a gente queria nesse disco, funcionou melhor desse jeito e nos shows também vamos nos apresentar assim.
De que forma a sua experiência como produtor musical de vários artistas da música popular brasileira contribuiu na produção do Fortaleza?
Fernando Catatau – As relações construídas sempre voltam para você. Eu comecei produzindo os nossos próprios discos. Depois teve os trabalhos do “Iê Iê Iê”, com Arnaldo Antunes e o “Avante”, de Siba. A maior parte, porém, foi os discos do Cidadão. Eu estou acostumado a produzir os meus trabalhos pessoais. E depois que eu passei a tocar com outras pessoas, tanto eu como os outros integrantes, contribuiu muito. Cada trabalho diferente é uma escola. É como tocar em uma banda de baile, várias músicas, estilos diferentes. As parcerias são muito importantes na vida. O conhecimento e a troca de ideias com as pessoas. O importante é se agrupar.
Você já falou em entrevista que um disco é o registro de um momento da carreira do artista. No caso do Cidadão Instigado, uma banda. Em Fortaleza, que momento é esse?
Fernando Catatau – Em um disco, você mostra o momento que está vivendo, é natural. É um momento em que o país está complicado e isso reverbera em todos nós. Uma coisa importante para a gente é chegar cada vez mais perto do outro. De se observar, ir para as suas raízes, entender os inícios de tudo. Até para saber como lidar com as diferenças. Um disco para a gente é muito forte. Voltamos às nossas raízes para falar sobre as coisas da gente. Ficando mais velho também, se conhecendo mais. É um momento importante e eu diria que é bom. Por mais que as diferenças gritem, a gente tem que passar por isso mesmo. Elas chegam para a gente entender.
O lançamento do álbum acontece esta semana no SESC Pompéia, em São Paulo. A banda vai entrar em turnê logo em seguida? Existe previsão de data para a banda se apresentar em Salvador?
Fernando Catatau – Como a gente acabou de lançar o disco, as pessoas estão começando a nos procurar. Estamos avaliando as possibilidades, mas, além das datas em São Paulo e no dia 30 em Fortaleza, não tem nada fechado por enquanto