Aláfia

Entrevista: Aláfia reforça sonoridade negra e discurso incisivo

A banda paulista Aláfia fala nessa entrevista sobre o segundo disco, ‘Corpura’, a sonoridade do grupo, a importância de se posicionar e a influência da Bahia.

Dentro da programação de um festival com mais de 80% das atrações tocando rock, mostrar um som calcado em afrobeat, black music e sons derivados da música negra mais direta é sempre um grande desafio. A banda paulista tinha acabado de ser aprovada no teste se apresentando no maior palco do Festival DoSol, em Natal, com louvor (veja aqui como foi). Ainda eufóricos com o resultado do show, alguns dos integrantes da banda conversaram com o el Cabong nos bastidores do festival.

Formado por um trio de cantores, Xênia França, Jairo Pereira e Eduardo Brechó, pelo guitarrista Pipo Pegoraro, o baixista de Gabriel Catanzaro, o tecladista Fábio Leandro, o baterista Filipe Gomes, e o percussionista Alysson Bruno, o trombonista Gil Duarte e o gaitista Lucas Cirillo, o grupo vem se destacando pelos shows vibrantes e pelos discursos contundentes. Nessa entrevista, a banda fala do segundo disco, “Corpura”, a sonoridade do grupo, a importância de se posicionar e a influência da Bahia.

Leia outras entrevistas:
BNegão fala do novo álbum e da diversidade de influências.
O afrofuturismo de Dr. Drumah em novo disco.
I.F.Á. Afrobeat: “O desejo de renovação é a maior força da música baiana de agora”.

el Cabong – Como acredito que a maioria ainda não conhece o trabalho de vocês, gostaria primeiro que vocês apresentassem a banda.

Xênia França – Nós somos o Aláfia, banda que se formou em São Paulo em meados de 2011 e a banda é enorme, tem 10 integrantes. Cada um tinha uma necessidade artística e musical diferente e o que nos atraiu foi que tínhamos em comum essa identidade e consciência da nossa ancestralidade. Esse é um foco bem forte do nosso trabalho, tanto na estética da música como um todo, quanto no nosso posicionamento no discurso. Isso é uma coisa que é clara, a gente não esconde isso e está muito presente em qualquer coisa que você apontar o dedo, na capa do disco, qualquer letra você vai achar o lance de ancestralidade. Essa é a nossa fonte motora, essa coisa da matriz africana, que é tão rica e nos oferece tanto conteúdo, principalmente porque esse conteúdo é escondido, e a gente tem necessidade de fazer ele vir à luz.

“Nada da nossa musicalidade está colocada à toa. Tudo que está ali, cada elemento, cada vírgula, cada ponto, está tratando de uma questão. Se você quiser, você vai destrinchar e você vai achar. É um trabalho feito por camadas, e é importante que os artistas se comprometam com alguma coisa que lhes incomoda. Não é possível que todo mundo viva no país das maravilhas”. – Xênia França

el Cabong – E como isso surgiu em São Paulo? Porque a gente pensa que na Bahia isso é muito comum, claro que em São Paulo existam várias influências, gente de todo lugar, mas, ao mesmo tempo, é um lugar às vezes ingrato com a questão negra, com essa coisa de ancestralidade. Como foi surgir isso, de onde surgiu, vocês se conhecem de onde? 

Xênia França – São Paulo naturalmente, como você falou, é um caldo cultural, recebe gente do Brasil inteiro, quiçá do mundo. A gente tinha projetos paralelos, cada um tinha projetos paralelos com uma pessoa da banda, que é o Eduardo Brechó. O Jairo já era amigo e frequentava a casa do Eduardo para fazer pesquisas. Eles tinham uma ideia de fazer alguma coisa que envolvesse música e teatro. Eu conheci Eduardo por causa de um amigo e acabei fazendo uma pesquisa com ele porque eu tinha interesse de fazer na época um disco solo meu. Todos os membros da banda, de alguma forma, estavam ligados diretamente a ele. Algumas outras pessoas chegaram através de outros membros da banda, mas o núcleo que tava aqui hoje se conheceu assim. É muito natural que o Aláfia tenha se desenvolvido em São Paulo, porque estávamos em São Paulo no momento em que estávamos com vontade de viver uma parada artística autoral, que falasse diretamente com os nossos anseios pessoais, artísticos e musicais, e a gente se encontrou cosmicamente.

el Cabong – Você é baiana e o resto é paulista? Como é a formação do grupo?

Jairo Pereira – Cada um é de um canto. São Paulo é o epicentro do grupo, mas tem gente do Ceará, interior de São Paulo, da capital. Na verdade, como a Xênia disse, foi esse encontro místico que aconteceu na casa do Eduardo e as pessoas foram se encontrando, praticamente durante um ano, todas as quartas-feiras a gente se encontrava e as pessoas iam  se reunindo e estudando música. O Eduardo é DJ também, então, ele tem uma boa coleção de vinil. A gente se juntava para escutar vinil e para ir enriquecendo e tentar juntar as nossas referências, e nisso, naturalmente, foram acontecendo esses encontros artísticos.

Aláfia

el Cabong – O som de vocês capta várias referências, muitas influências da música negra, de várias origens. Como foi a formatação disso?

Pipo Pegoraro – Não foi fácil… Não é fácil até agora. A gente vai reunindo matrizes brasileiras, muito fortes, e a nossa matriz brasileira tem, claro, uma coisa negra muito forte e eu acredito que é uma fusão mesmo diária, as pessoas vão trazendo coisas que estão ouvindo ou que já ouviram e aí eu acho que essa mescla sonora se dá nesse contexto de criação.

el Cabong – A sonoridade de vocês não é exatamente uma coisa apenas, não é black music, não é afrobeat…

Xênia – A gente acessa assim, basicamente, estruturalmente, três elementos: a gente propõe a pesquisa dos blocos afro e dos terreiros de candomblé, a pesquisa da canção, tanto harmonicamente quanto poeticamente, a gente está sempre preocupado com isso, e o lance das guitarras e as batidas do funk americano e do funk brasileiro também, como Black Rio, por exemplo. A gente quer fazer com que isso se funda. Temos, realmente, muitas referências, mas queremos colocar tudo isso dentro do nosso trabalho e fazer com que soe como uma coisa só. Eu acho que conseguimos fazer isso desde o primeiro disco, tanto que há uma dificuldade muito grande de dizer qual é o gênero que a gente toca. Todo mundo pergunta qual é o nosso estilo, não da para dizer agora e, se as pessoas se sentirem á vontade de dizer o que é, fique a vontade.

Pipo Pegoraro – Tem um jornalista da BBC que classificou nosso som como Funk Candomblé. E aí a gente usa isso, também, como uma definição, não sei se simplificada, mas como uma definição.

Xênia – Esta definição é bem direta, fala exatamente o que é, quais os elementos que a gente acessa, qual é a estrutura, qual o lastro do nosso trabalho, é realmente isso.

“Se você tem a consciência de que há algo que oprime uma comunidade, uma sociedade, como não se utilizar disso? O Aláfia, fora toda essa questão da musicalidade, não tem como fugir disso”. – Jairo Pereira

el Cabong – Vocês lançaram esse ano o segundo disco, “Corpura”, que mudanças vocês vêem nesse processo de um disco para o outro, na criação, na sonoridade? 

Xênia – O primeiro disco a gente fez muito lentamente. Tínhamos decidido fazer o disco no mesmo ano em que nos juntamos. Então, quando a gente não tinha dinheiro, a gente gravava um pouco no estúdio do Pipo, um pouco no estúdio do Gabiru. Fizemos um retiro, fomos para Campinas, começamos a gravar algumas coisas lá. E quando voltamos para São Paulo, foi muito difícil concluir o disco porque a gente precisava de grana. Chegou uma hora que a gente precisava de grana. Foi aí que recebemos o convite para entrar na YB, que é nossa gravadora em São Paulo, e eles deram o suporte que a gente precisava. A produção do primeiro disco foi feita pelo Pipo Pegoraro e o Eduardo Brechó, que são o guitarrista e um dos cantores do Aláfia. Nesse segundo disco a gente teve a produção de Alê Siqueira, (N.R.: produtor paulistano que já trabalhou com Elza Soares, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Tribalistas, Caetano Veloso, entre outros), em parceria com Brechó também. Nesse segundo disco, a gente tem patrocínio da Natura Musical e tem o suporte e envergadura luxuosa do Alê Siqueira que é um conhecedor de toque do candomblé de todo Brasil e trouxe muita coisa pra gente. Trocamos muito com ele no estúdio, foi uma experiência incrível.

Jairo – O Alê Siqueira, fora a questão do candomblé, dos cantos e das culturas de matrizes afro, ele também foi um cara que ganhou o Grammy pelo disco dos Tribalistas. Ele já tinha uma linguagem pop relacionada principalmente a três vozes, quase a mesma formação de vozes da gente. Isso também enriqueceu muito o nosso trabalho. É uma mudança, o primeiro trabalho na verdade foi uma coletânea de ideias, de sons, de músicas, o segundo já foi mais pensado para ser um disco.

Pipo – O segundo disco é resultado também de quatro anos de estrada. No primeiro disco, tínhamos a ideia do que queríamos, só que não sabíamos ainda o que a gente era. Não que a gente saiba muito bem hoje, mas não tínhamos uma estética, buscávamos algo. Eu acho que nesse último disco a gente conseguiu projetar essa estética, com ajuda do Alê Siqueira, de uma forma muito mais clara.

Xênia – Ele tinha duas coisas que a gente precisava. É um cara que veio oferecer essa linguagem, esse conhecimento, ele é um cara que já trabalhou com orquestra, com massa sonora, que é algo que a gente tem. Você pôde assistir o show, é pressão de som o tempo inteiro. Então conseguir com que isso fique organizado e que consiga comunicar, precisa de alguém e ele era essa pessoa. A gente queria ele há muito tempo. A diferença do primeiro trabalho para esse, é que ele conseguiu colocar os pingos nos is. Ele conseguiu falar a nossa língua, chegou entendendo o nosso processo e nós estávamos totalmente dispostos para o que ele tinha para nos oferecer. E a linguagem que ele tem, produzindo Ana Carolina, Marisa Monte, Tribalistas, já trabalhou com Deus e o mundo. ele era o cara que a gente precisava nesse momento. Então, a gente tem essa diferença larga de produção, de consciência do que a gente é agora e de unidade como banda.

Ouça o disco “Corpura”:

el Cabong – Vocês são uma banda grande, com vários integrantes, como é a produção, a criação? Todo mundo colabora, tem um que cria mais? Como é que funciona?

Jairo – A gente tem o nosso, não dá para se dizer maestro, mas dá para dizer band leader, que é o Eduardo Brechó. Na verdade, foi ele quem acabou alinhavando todos esses potenciais em uma banda grande. Boa parte das composições são dele. Ele também traz essa parte, não somente teórica, mas, também, da religião de matriz africana. O Eduardo é um estudioso, além de ser da religião, é um pesquisador. Então, grande parte das letras são dele, mas, nesse disco, em especial, abre-se para outras pessoas participarem também, mais ainda dessas composições. Por exemplo, Lucas Cirillo, que é compositor de algumas músicas do disco, eu, que no primeiro e no segundo também tenho músicas. Mas é sempre uma escolha em prol do trabalho. O que queremos dizer e o que nós temos corresponde a esse anseio do todo. É mais ou menos esse raciocínio. No terceiro disco, pode ter mais participação do Pico, de Xênia, Flávio Leandro, nosso maestro. Eu acho que vai sendo trabalhado dessa maneira, à necessidade, o que nós queremos dizer, como nós queremos dizer e quem tem algo que se encaixa a tudo isso que a gente imagina ou que a gente anseia.

el Cabong – Uma coisa muito clara que vocês apresentam é o discurso muito forte, isso aparece nas letras e até na postura de vocês no palco. E estamos passando por um momento bem complicado. Como é que vocês se encaixam nisso, trazendo essa coisa do discurso forte e importante para a música.

Jairo – Todos nós do Aláfia fomos semeados de alguma forma por essa semente da revolução, de uma revolução que corresponde a uma sociedade que é totalmente presa a preceitos e padrões, com mais de 500 anos de opressão com os povos de origem africana da diáspora. A gente tem todas essas responsabilidades já em nós, cada um com o seu trabalho compreende a necessidade de se falar sobre esses problemas e o microfone é muito poderoso. Se você tem a consciência de que há algo que oprime uma comunidade, uma sociedade, como não se utilizar disso? O Aláfia, fora toda essa questão da musicalidade, não tem como fugir disso. Porque, por mais que nós possamos ter referências diferentes, todas desaguam em algo que a gente quer dizer e que é mais forte do que a gente, que são o fim dessas barreiras e dessas correntes. Essas correntes se estendem. Quando a gente vai falar do preto, da preta, das mulheres, quando a gente vai falar de racismo, como na música ‘Preto Cismado’, a questão de gênero também participando dentro disso, é porque a gente compreende que isso é algo que tem que ser mexido. É algo que precisa ser transformado. A arte é o principal pilar para a transformação de qualquer coisa. Pelo menos é o que eu acredito e creio que todos os outros da banda também acreditam nisso.

el Cabong – Vocês no show falaram que o público e todos nós temos a responsabilidade com essas questões. Hoje, no entanto, não é muito comum, com exceção do rap, trazer discursos fortes para a música, para o palco. Vocês sentem falta disso na música brasileira?

Jairo – Muito, porque a gente teve um movimento que aconteceu na época da ditadura, onde os músicos, mesmo com pouco poder de liberdade de expressão, conseguiram criar linguagens para falar sobre isso. A gente vive uma ditadura também e a cada dia que passa a gente percebe isso, porque essa ditadura são os resquícios dessa época que estão nas pessoas e suas educações, suas criações e elas colocam isso para fora.

Xênia – Eu sinto. Uma coisa que me deixa muito assustada é ver como a maioria dos artistas se comporta como se não fosse com eles, como se eles não estivessem vendo e não tomam para si a responsabilidade. Você arrasta uma massa, uma multidão. Estou falando de gente que arrasta muita gente, que poderia chegar junto. Estou falando de gente que é filho de gente foda, passou por coisas absurdas, eu duvido que essas pessoas não tiveram essa educação, e, simplesmente, essas pessoas não estão preocupadas. Na minha opinião, todo artista tinha que se posicionar, porque a gente vive um período da nossa sociedade onde os meios de comunicação de massa são um fator crucial de emburrecimento da massa. E parece que está tudo bem, que está tudo certo, e está mesmo, para quem interessa, está. Para nós, isso é totalmente assustador e talvez seja por isso que a gente está tão incomodado e esse incômodo gerou o nosso encontro. Isso faz com que, mesmo numa nossa música de amor, essas coisas vão estar embutidas. Nada da nossa musicalidade está colocada à toa. Tudo que está ali, cada elemento, cada vírgula, cada ponto, está tratando de uma questão. Se você quiser, você vai destrinchar e você vai achar. É um trabalho feito por camadas, e é importante que os artistas se comprometam com alguma coisa que lhes incomoda. Não é possível que todo mundo viva no país das maravilhas, “tá tudo bem, vou lá ganhar o meu dinheiro”. Eu acho que todo mundo quer mesma coisa, todo mundo quer trabalhar, quer ter seu dinheiro, quer ter sucesso, mas eu acho que a maioria está vivendo num ‘Walking Dead’.

Pipo – Festejar é maravilhoso, as pessoas têm que festejar, têm que fazer festa, têm que ser feliz, mas pensar também é maravilhoso. Eu acho que conseguir unir um discurso de alguma coisa que pode melhorar, porque a gente precisa mudar muita coisa nesse país, com a festa, é também um caminho possível.

Aláfia

el Cabong – A gente viu aqui no festival DoSol um público muito jovem, que reagiu muito bem aos discursos e às provocações de vocês. Eu queria saber se a recepção tem sido assim, como é que tem sido?

Xênia – Tem sido assim, mas aqui a gente ficou impressionado. É um trabalho de  formiga, mas se a gente para dez pessoas, todas essas dez pessoas estarão envolvidas, elas estão lá porque ouviram falar que a gente faz exatamente isso. Só que hoje foi completamente diferente, porque a gente está a não sei quantos mil quilômetros de distância e a gente chegou aqui sem ter a menor ideia do que iria encontrar. Percebemos que o Festival DoSol tem uma essência meio que de rock e a gente chegou aqui e falou assim: “o que é que vai ser? Vai ser especial hoje, de alguma forma, vai ser especial”. Mas foi muto mais especial, porque a gente vê, de fato, no corpo a corpo que as pessoas querem alguma coisa e isso complementa a outra pergunta que você fez. Os artistas em geral não estão falando sobre, não estão se posicionando, mas o público quer, o público está querendo alguma coisa dos artistas. Eu vejo que, não só nós, mas tem outros artistas, tem Tássia Reis, tem Rico (Dalasam), tem uma galera que está se posicionando sobre os problemas sociais e estão arrastando uma galera justamente pelo discurso. Tem a coisa da estética, você vai lá se veste bem, faz uma festa, mas a maioria das pessoas que têm vindo ao nosso encontro é porque ficou sabendo que a gente está falando alguma coisa que interessa.

“Festejar é maravilhoso, as pessoas têm que festejar, têm que fazer festa, têm que ser feliz, mas pensar também é maravilhoso.” – Pipo Pegoraro

el Cabong – Ao mesmo tempo vocês não têm um medo do discurso se sobrepor à estética, a música de vocês?

Pipo –  Eu acho que esse é o grande lance. Não esquecer que a gente é uma banda, está fazendo música. Tem músicas que não vão falar só de política, a gente vai falar de orixás, fala da relação com o universo, a gente pode falar do plantio de alguma coisa. Não é que a gente só vai falar sobre política.

Xênia – É que, naturalmente, isso é uma coisa que está muito na nossa cara. Se a gente chegar no palco e não falar… A gente toca uma música que chama ‘Quintal’, que é uma música que fala sobre o bem querer, sobre você estar próximo um do outro, do ser humano. É uma música de amor, não do amor romântico, mas é uma música de amor, de afeição entre seres humanos. Se por um acaso, o discurso se sobrepor ao nosso trabalho musical, eu vou achar isso do caralho, porque a gente precisa que alguma coisa aconteça. Não queremos levar esse estandarte. Não é nossa intenção. Quando a gente sobe no palco, a gente sobe como banda, vai fazer música. Só que, porque a gente é assim, e a gente se juntou por isso, acontece. Como você falou, o povo puxa, sem a gente chamar.

el Cabgong Ao mesmo tempo que vemos alguns artistas articulados, com discursos interessantes, vemos o velho mainstream cada vez mais raso e omisso. E aí, como virar isso, como manter a postura e viver nesse mercado, como se sustentar, como encontrar brechas?

Jairo – Existe um número de pessoas que também estão indignadas, que também estão buscando referências, porque também estão reconhecendo tudo isso que você está dizendo. Temos também uma herança de pessoas que acabam tendo medo de falar algumas coisas, até por causa de sua origem, sua classe, raça e por acharem que não têm que falar sobre determinadas coisas. O Aláfia carrega consigo todas as essas indignações, e eu acho que o artista acaba colocando em sua arte suas indignações, suas aspirações, essas coisas todas. Dentro das coisas de hoje, tem um monte de artista cuzão para caralho, que esconde o que poderia estar dizendo, mas se esconde para de repente conseguir uma vaga em um programa de TV, tem medo de dizer as paradas porque pode ofender X patrocinador. No Aláfia, acho que a gente tem uma preocupação com a música e a gente não tem medo do nosso discurso. Quem curtir, quem gostar, quem achar válido, vai atrás do disco, vai chegar no show. O patrocinador que não tiver medo, vai colar junto, como foi o caso, por exemplo, da Natura. O recorte mesmo de escolha das pessoas que foram contempladas por esse prêmio. A gente percebe, por exemplo, que esse ano tiveram, teve, um recorte de pessoas que têm esse compromisso.

Xênia – Larissa Luz, BNegão, Emicida. O recorte que a Natura fez nessa edição (edital de 2014/2015) é bem específica nesse ponto. Não sei se intencionalmente ou não, se eles queriam isso ou não. Tem Elza Soares, com um disco de alguns temas que falavam da história da vida dela, falando sobre violência doméstica. Larissa vai lançar um disco agora falando sobre emponderamento feminino, e por aí vai. Emicida foi para a África resgatar as origens e tudo o mais. Eu acho que a gente está vivendo um momento e estamos refletindo na arte este momento. É natural que existem pessoas que estejam atentas. Quem disse isso nem fui eu, foi Nina Simone, que é impossível você estar vivendo uma situação conflitante na sociedade, você sendo artista, você ser uma pessoa atenta e você não refletir a sua época. Eu acho que é o que está acontecendo não só com a gente, mas com outras partes, como a gente mencionou.

“No Aláfia, acho que a gente tem uma preocupação com a música e a gente não tem medo do nosso discurso. Quem curtir, quem gostar, quem achar válido, vai atrás do disco, vai chegar no show”. – Jairo Pereira

el Cabong – Eu queria saber como é que vocês estão pensando em circular pelo país. Você não tocaram ainda em muitos lugares. 

Fábio Leandro – Pela Natura são quatro shows que fazem parte do edital que a gente ganhou, todos dentro do estado de São Paulo. Um que a gente já fez, no Ibirapuera, e tem mais três que vão ser no ano que vem que também vão ser no estado de São Paulo. Mas eu acho que nesse disco a gente tem conseguido fazer mais coisa em relação ao primeiro. A gente fez em São Paulo, Brasília, São Carlos, Rio duas vezes e estamos aqui em Natal. Tem Belo Horizonte. Existe uma série de possibilidades, também, de outros estados mesmo da gente fazer. Como é um número muto grande de pessoas, isso dificulta. Mas ao mesmo tempo te uma coisa engraçada. Tem algumas pessoas que fazem um trabalho reduzido para reduzir custo, só que essas pessoas eu não vejo fazendo mais shows e ganhando melhor. Então, não sei qual é essa conta, essa logística, eu ainda não entendi como é que é. Se você tem dez, é difícil. Se você tem três, tem hora que você consegue trabalhar mais, mas não é sempre assim.

Xênia – Mas a gente, mesmo sendo em onze, consegue trabalhar bastante. A gente tem uma agenda mensal, bate agenda um mês antes e tem show todo mês. Tem a perspectiva para esse novo CD, que está mais falado na imprensa, por críticos de música. Saiu em lugares como no Afrosamba (leia matéria), um site especializado em música brasileira que é da França que é renomadíssimo. Saímos no Afropunk (leia matéria), que é o maior portal de cultura afro-americana. Eles deram uma matéria maravilhosa, longa da gente lá, ficamos super felizes. Então, tem saído em vários lugares. A gente tá conseguindo levar o disco novo para vários lugares. Só que, como somos uma banda nova ainda, que não tem nem cinco anos, temos que mostrar o que a gente é desde o primeiro disco. Então, o show de hoje, por exemplo, a gente tocou coisa do primeiro disco e tocou coisa do disco novo. O nosso interesse, a nossa vontade, é de rodar o Brasil mesmo e levar o CD para cada canto, fazer dançar, ser feliz e pensar também.

el Cabong – Vocês têm muito a ver com a Bahia, com Salvador. As músicas, as letras. Tem essa coisa da questão negra muito forte. Além de Xênia ser baiana, existem ligações com a Bahia?

Xênia – Embora a banda seja de São Paulo, a gente tem uma relação muito forte com a Bahia, por causa da questão dos candomblés e a pesquisa que é feita no nosso trabalho que acessa esse fundamento. E tem duas músicas do Aláfia que tem ligação direta com a Bahia e Salvador. ‘Primeiro do Ano’ que foi feita em homenagem ao terreiro do Bogum, ali na Federação (N.R.: Terreiro da Nação Jeje, localizado no bairro de Engenho Velho da Federação e marcado pela língua e cultos diferentes dos usuais). Eu e Lucas Cirillo, que é o compositor dessa música, frequentamos muito lá e todo dia primeiro acontece a festa das águas de Oxalá, e ele fez uma homenagem com essa música. A outra é  ‘Peregrino (Okê Kala)’, uma música para Oxóssi, que é também de Lucas e é uma homenagem a Mãe Stella (N.R.: Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador). Ele é totalmente fanático por Mãe Stella e dedicou essa música a ela no disco. São duas músicas que brotaram lá, vieram prontas da Bahia.

Para quem gosta de música sem preconceitos.

O el Cabong tem foco na produção musical da Bahia e do Brasil e um olhar para o mundo, com matérias, entrevistas, notícias, videoclipes, cobertura de shows e festivais.

Veja as festas, shows, festivais e eventos de música que acontecem em Salvador, com artistas locais e de fora dos estilos mais diversos.