O homem por trás do festival Abril Pro Rock, Paulo André, fala sobre festivais, mercados e cena pernambucana.
O Abril Pro Rock ajudou a colocar a música pernambucana em evidencia. Contribuiu para revelar nomes como Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e toda uma cena pernambucana. Mais do que isso, durante um tempo foi o principal posto de lançamento de novos nomes para a música pop brasileira, revelando para a grande indústria nomes como Los Hermanos e Penélope. Entre momentos históricos, o festival trouxe alguns dos shows gringos de médio porte inesquecíveis, como o show de Jon Spencer Blues Explosion. O festival virou referência nacional, por apostar em um circuito alternativo quando este ainda não estava tão consolidado. Mais, mostrou que era possível viabilizar um festival de porte, com boa estrutura no Nordeste. Acabou servindo de exemplo para vários outros que vieram em seguida. Por estas e outras, o Abril Pro Rock se tornou o festival mais importante do país. Batemos um papo online com Paulo André, o homem por trás do Abril Pro Rock. Produtor do festival e responsável por levar várias bandas pernambucanas para turnês pela Europa, além de organizar o Porto Musical e coletâneas com artistas pernambucanos e nordestinos para o mercado internacional. Começamos com ele um série de entrevistas com os produtores dos principais festivais independentes do país.
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el Cabong – Bom, primeiro gostaria que você falasse desse processo que é montar o Abril Pro Rock hoje, quais as dificuldades? Porque o que parece é que atualmente há ferramentas que facilitam, como a ABRAFIN, os editais, qual a realidade?
Paulo André – As dificuldades são as mesmas, pois passados 15 anos muitas coisas mudaram, outras continuam as mesmas. Um exemplo prático é a questão das rádios. Não temos uma única rádio aqui (em Recife) que toque Nação Zumbi e Siba por exemplo. Nomes que estavam na listas dos melhores CDs de 2007, com reconhecimento internacional. Nem parece que são daqui, são literalmente ignorados pela mídia local, com exceção dos cadernos culturais. Outro gargalo são as casas noturnas, são pouquíssimas no Norte/Nordeste e particularmente achei os resultados de público do (festival) Nordeste Independente, bem aquém do potencial e das expectativas. Só mostra que tem muito trabalho a ser feito ainda. A Abrafin nos fortaleceu, deu visibilidade ao nosso trabalho e atraiu o Minc e a Petrobras, por exemplo. Provocamos o edital dos festivais, que funcionou muito bem.
el Cabong – Você acha que esse discurso que o mercado independente consegue hoje sobreviver sem a mídia, sem gravadoras, não é real?
Paulo André – Para uns sim, para outros não. Depende de onde a banda vive, de que região, da realidade distinta de cada região. Se não fosse assim, bandas como como Rockassetes, Cascadura e Astronautas não se mudariam pra São Paulo. Para falar das bandas menores, mais independentes. Tem aquelas com potencial internacional, que tem uma segunda opção de desenvolvimento de carreira, podendo ter paralelamente o mercado brasileiro e o gringo. Sem dúvida o mercado independente está mais fortalecido e grande, como nunca. Isso é um avanço absurdo. Bandas, iniciativas e festivais legais em todas as regiões do Brasil. Isso não existia quando comecei minha carreira de produtor há quase 20 anos.
el Cabong – Mas o Cascadura foi para São Paulo e aprendeu que o melhor seria voltar e trabalhar direito aqui, hoje está com um público que nunca tiveram, shows frequentes e sobrevivendo de música e afins.
Paulo André – Pois é, São Paulo é muito caro comparado ao Nordeste e, nem todo mundo está preparado. O problema é que o mercado na região Norte/NE é muito muito restrito, apesar dos festivais etc. Seria legal que bandas desse porte pudessem tocar duas vezes por ano nas capitais, por exemplo, mas não é bem assim. É difícil, pois não trazemos o tipo de show que a maioria das pessoas conhecem. Tenho ouvido por exemplo das pessoas comuns, que só conhecem Lobão da programação de 2008. O motivo maior é falta de visibilidade dos artistas de médio porte e emergentes na mídia, mas principalmente nas rádios. Então, vamos contra a corrente. Não temos nem uma rádio como a Educadora de Salvador ou a Aperipê de Aracaju. A Universitária FM da UFPE, está atrasada 30 anos. O resto é de rede: Transamérica, Jovem Pan, Oi FM. Todas com “mais do mesmo” e quase nada de ousadia.
el Cabong – Engraçado que vi pessoas daqui se assustando com seus comentários sobre a reaidade do Recife, como se dissessem que se ai é ruim, imagine aqui. O que vejo é que cada cidade tem coisas que funcionam e outras que não. Aqui, por exemplo, ainda precisamos de um festival maior que se consolide de fato, que se mantenha e que traga as novidades que estão rolando pelo país.
Paulo André – Aí vocês tem, bem ou mal, o Boomerangue, as festas semanais como a sua. Aqui…
el Cabong – A Nave é mensal.
Paulo André – Aqui, nem mensal. Tenho uma lista de 20 casas noturnas que fecharam de 2005 pra cá. Todas “mais do mesmo” voltadas pra balada, sem conteúdo, com música ao vivo ruim, cover etc. Todas ignorando a cena local, com no máximo Del Rey (n.e.: banda de covers de Roberto Carlos formada por China e integrantes do Mombojó). Aí tem rádio, casa e festa legal. Aqui tem a cena, festivais e shows de graça, além sérios gargalos.
el Cabong – Acho pertinente isso, acho que Salvador evoluiu bastante, apesar de poucos concordarem comigo. Como viabilizar um festival como o APR hoje?
Paulo André – Cara, tem que conhecer o mercado local, a realidade nacional , mas principalmente ser bem intencionado. Se for pensar no lucro, tá ferrado. Já passei dois anos trabalhando para pagar preju de mais de 100 mil reais. O Foca está pagando preju do Do Sol de 2007. Os festivais ligados a Abrafin, vivem desse mercado, trabalham o ano todo nele, são agências artísticas, produtoras, Casas, selos, bandas. Enfim tem que ser alguém ligado a cadeia produtiva da musica local, com bom relacionamento com patrocinadores. O APR não existiria mais se não fosse a Petrobrás e o Governo de Pernambuco.
el cabong – Uma questão que sempre colocam, inclusive aqui em discussões no el Cabong, é quanto a escalação de bandas. Sei que esse ano deu uma mudada e quero falar isso mais na frente, mas no geral, como é o critério de escolha para bandas?
Paulo André – Bandas que estão com atuação constante no mercado, tocando, lançando etc. Em relação as gringas, depende da parceira com outros produtores brasileiros, é mais complicado trazer diretamente, do que dividir com outras datas no Brasil. Esse ano convidei, pela primeira vez 2 pessoas com quem já me relaciono há algum tempo, inclusive em curadorias como a do Microfonia (www.festivalmicrofonia.com.br) o Bruno (Nogueira – jornalista do Pop Up) e o Guilherme (Moura – criador do site Recife Rock), que me ajudaram na escolha das bandas, foram pra o Do Sol, Noise, etc….
el Cabong – Mas o que se nota, é que o APR deu uma mudada no perfil, esse ano está mais rock. E deixou de lado aquela idéia que caracterizava o festival de reunir num mesmo espaço grupos de música popular tradicional, eletrônica etc.
Paulo André – Pois é….que cidade do Brasil tem de graça Manu Chao, Marisa Monte, Paralamas, Pato Fu, Milton Nascimento, todos os pernambucanos de médio e grande porte, com 2/ 3 show …tudo isso gratuito? Recife se transformou na maior Casa de shows abertos ao publico do Brasil. Por isso, fomos em um caminho bem diferente do que rolou entre “ciclo natalino” (até La Pupuña tocou) ao Carnaval pop. Focamos no público Rock que não é contemplado nesses exemplos. O sábado é a mistura da sexta e do domingo dos últimos anos. É só ver a ausência das bandas de médio e grande porte daqui na programação, todo mundo farto de shows delas aqui nos últimos tempos. Não estamos investindo no público pop, que vai ver um Rappa, um Los Hermanos, estamos investindo no publico mais rock em 2008.
el Cabong – Aqui teve de graça no carnaval (quem quisesse saia no bloco, mas era de graça para quem quisesse ver.
Paulo André – O Carnavla aqui virou pop, mas em palcos, não em trios. E, não é só isso tem Sábado Mangue (seja lá o que isso signifique) da Prefeitura com bandas ruins (na maioria) todo sábado, tem Ciclo Natalino que toca Vamoz, La Pupuña etc. O mais triste disso é ver bandas novas e veteranas, sobrevivendo de dinheiro público. Em breve é a vez do Festival de Inverno de Garanhuns.
el Cabong – É uma discussão que Salvador deve viver, já que aqui temos uma necessidade de shows fora do circuito axé, nem tudo dá para ser feito pelos produtores menores. Não acha que há uma função do governo nisso também?
Paulo André – Sim. O Governo tem fundamental papel nisso, mas quase sempre veem as cenas menores como inexpressivas, não dão o devido valor. Se não fosse o Governo, Chico Science e Nação Zumbi não teriam tido carreira internacional, nem o Abril Pro Rock existiria, mas te garanto todo dinheiro público que recebi, dei de volta 10 vezes mais em visibilidade ao Estado. É só ver a crítica da Spin de Fev/08, da coletânea “What´s happening in PE – new sounds from the brazilian northeast”, começa com “what the hell is Pernambuco ??”. Estamos levando o nome do Estado pro mundo e em veículos que nunca sequer publicaram o nome do estado.
el Cabong – Você falou das atrações gringas, que parece ser o caminho para atrair o público a pagar. Salvador vive um problema sério, não consegue entrar no circuito destes shows, apesar de já ter dado provas que o público comparece, vide casa cheia em shows de gente não tão conhecida do grande público, como Placebo e Madeleine Peyroux. Como viabilizar isso? O que acha que pode viabilizar isso por aqui?
Paulo André – Só mesmo a abertura de cabeça dos produtores daí, que encheram o c…de grana com o axé, mas não sacam nada além disso. É igual aos ex-donos de bloco do Recifolia, só produzem mais do mesmo e, nunca ousam. Não são produtores, são comerciantes. Não criam conceito ou correr riscos ou apostar, não consta no dicionário deles.
el Cabong – Eu não espero que isso venham deles, sinceramente.
Paulo André – Então, tem que surgir uma nova geração de produtores…ousados, atrevidos e afoitos.
el Cabong – Acho que os produtores que não são desse meio poderiam tentar viabilizar, mas acho que a dificuldade é grana de patrocinadores que não tem visão, as rádios que não sabem nem quem é Monobloco…
Paulo André – Pois é, falta mesmo é visão e ousadia….
el Cabong – Para terminar. Eu acho que não existe fórmula, mas que caminho indica para uma banda se dar bem no mercado atual?
Paulo André – Trabalhar, trabalhar e trabalhar. Pensar grande, se comunicar com o mundo, não enxergar a internet como vilã, mas como aliada.