e-entrevista – Anderson Foca – Festival DoSol

Anderson Foca
Anderson Foca

Quem imaginava que a pequena e bela cidade de Natal tivesse uma das cenas de rock mais consolidadas e forte do país? Dois bons festivais, estúdios, bares, selos, bandas etc. Um dos nomes que leva isso adiante é Anderson Foca. Ele não é apenas um cara que faz um festival, ele é um peão do rock. Acorda invariavelmente às 6 horas da manhã para resolver uma das mil pendências de seus trabalhos: bar, selo, bandas, festival, agenciador de turnês. Sim, o trabalho dele é exclusivamente com o rock. Acabou se tornando conhecido nacionalmente pelo Festival DoSol, um dos eventos de rock do Nordeste mais bacanas e bem organizado. Mas a marca DoSol é muito mais do que apenas um festival, é um conglomerado de açõs independentes e fundamentais para a cena de Natal, do Rio Grande do Norte e do próprio Nordeste. É com ele que damos seguimento a nossa série de entrevistas. Uma boa chance de ver como as coisas podem andar com muito trabalho.

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el Cabong – Bom, pra começar queria que você se apresentasse, já que faz mil coisas no rock ao mesmo tempo, e dissesse em que tem atuado.

Anderson Foca – Dentro do rock faço algumas coisas: toco no The Sinks e no Allface, tenho o DoSol, que hoje é um estúdio de gravação de áudio fixo e móvel, um rock bar chamado Centro Cultural Dosolrockbar, fazemos tabém um festival chamado DoSol, edito um portal na web chamado dosol.com.br e dirijo e faço produção executiva na DoSolImagem, perna da DoSol para vídeos. Resumidamente é isso.

el Cabong – Você é um dos exemplos de operários do rock. Você sobrevive disso, como é que funciona?

Anderson Foca – Sim, só faço isso. Eu percebi, acho que desde 2000 quando comecei com o DoSol mesmo sem saber, que eu jamais conseguiria viver dentro do rock sendo só músico. Percebi que poderia fazer várias coisas, desde vender camisetas até vender ingresso, gravar bandas, estar contido no rock do pés a cabeça. Então larguei minha faculdade de Contábeis já perto do fim e resolvi que não faria mais outra coisa a não ser isso. Ai fui gerando, crescendo, investindo, reinvestindo, que é basicamente o que faço até hoje. Sempre junto com algumas pessoas que acreditam no projeto e que dão uma mão. Minha sócia e esposa Ana Morena também está inserida neste contexto desde o começo, mesmo tendo outro trabalho fora do rock.

el Cabong – E mesmo sendo em Natal dá pra levar isso de forma profissional?

Anderson Foca – Dá. Na real essa é a base da minha palestra sobre o assunto que tenho dado para o Itaú Cultural e outras entidades que me chamam para dividir essa experiência. Dá em Natal e daria em qualquer lugar se o cara se dedicar 100% e saber que isso é um trabalho como qualquer outro e que requer uma formação de uma teia de contatos, network e por ai vai. A diferença de vender feijão é que estamos lhe dando com música, com arte. E ai só quem realmente ama muito esse negócio aguenta as idas e vindas do mercado.

el Cabong – E você acha que falta o que para mais pessoas trabalharem dessa forma e consolidarem cenas, bandas…?

Anderson Foca – Não falta nada. Talvez um pouco de coragem porque não é fácil. Mas hoje em dia onde é fácil ganhar dinheiro?

el Cabong – E como você tem viabilizado essas produções, além do próprio trabalho, de onde tira recursos?

Anderson Foca – Só o Festival DoSol tem recursos vindos de leis de incentivos locais e coisas do tipo. E mesmo assim em quatro edições só duas tiveram patrocínio. O resto viabilizamos com idéias, pesquisa e uma dose poderosa de formação de platéia que é nossa busca constante. O Warm Up do Festival DoSol que acabou de rolar é uma prova disso. De graça, cheio de bandas novas e palestras para exatamente formar público consumidor (bandas e espectadores para o que a gente faz). Fidelizar esse pessoal de alguma maneira. Acho que é por aí.

el Cabong – Como foi o começo do Festival Do Sol e como é fazer hoje, quais as maiores dificuldades?

Anderson Foca – Fizemos a primeira edição do Festival em 2002 num bar chamado Blackout. Era outro formato só com bandas locais e mais uma ação do selo mesmo. Em 2005 conseguimos finalmente botá-lo na rua como desejávamos muito em função do DoSolRockBar ter crescido e virado ponto referencial da cena roqueira de Natal. Fizemos dois anos seguidos com patrocínio (embora não muito alto) do Banco do Brasil, mas que dava para fazer um festival bastante relevante. Em 2007 perdemos esse patrocínio mas não a fé em fazer o rock e levamos para rua nossa maior edição com 46 bandas em ação e mais 20 na prévia. Somamos um prejuízo de quase trinta mil reais que estamos pagando as últimas coisas ainda hoje. Para 2008 conseguimos ser aprovados no edital da Oi Futuro e temos a edição garantida nos mesmo moldes do ano passado. Dificuldade de fazer música de vanguarda são todas, pouca gente conhece, tem pouco público e você tem que pensar em todas as etapas, desde formar o público até fazê-lo ou ensiná-lo a valorizar isso. É como eu disse, não é fácil, tem que ter muita paciência e ter a certeza de que público sempre tem razão em qualquer instância.

el Cabong – O que me parece é que depois que vocês (produtores dos festivais) começaram a se organizar mais, a coisa ficou mais viável. Depois que começou a Abrafin e tal. Existe isso de fato? Um reconhecimento maior. O que mudou?

Anderson Foca – Processos associativos sempre trazem bons frutos independente de onde role. Na Abrafin não é diferente. É lógico que a associação está começando as atividades, muita coisa precisa ser vista, os percalços são enormes e muito gente vai ficar pelo caminho. Mas muita coisa mudou para melhor. Até a visibilidade das nossas ações melhorou. No edital que entrei tem mais um festival da Abrafin, o Eletronika (em Belo Horizonte). Somando-se ao edital da Petrobras metade dos associados tem patrocínio para 2008 para fazer ao menos uma edição sem risco de prejuízo, o que é praticamente certo sem patrocínio, já que não fazemos festival com concessão comercial e sim artística.

el Cabong – O Do Sol tem uma característica que me chamou atenção. Não sei se foram em todas as edições, mas você fazia questão de dizer que não quer de forma alguma que a banda pague para tocar. Era um dos poucos festivais que pagava passagem, hospedagem e, às vezes, cachê. Ainda é assim? Porque isso não é uma regra? Com essa viabilização através dos editais, acredita que esse é o próximo passo?

Anderson Foca – Fizemos isso sempre que foi possível fazer. Nas edições de 2005 e 2006 fizemos, em 2007 fizemos apenas 70% dessa meta. Para 2008 deveremos manter esses 70%. Acho que é importante que isso aocnteça desa maneira mas depende muito de cada caso. Eu já vi bandas reclamando muito dessa situação, como se eles fossem enormes e levassem mil pessoas a um show. E a realidade das bandas também não é essa, concorda? Acho que uma banda ir a um festival com os custos pagos e mostrar seu som autoral fora da caidade sem pagar por isso é um avanço. Tirando isso o próprio mercado vai dizer quanto cada artista vale!

el Cabong – E como contornar isso? Os editais e os apoios que têm rolado não são suficientes?

Anderson Foca – Quase todos os eventos da Abrafin até agora deram prejuizo em 2008. Só o Rec Beat tinha patrocínio dos que rolaram. Todos os outros não estavam nos editais e perderam dinheiro. Mesmo assim o rock rolou.

el Cabong – Uma das questões que as vezes colocam, e você viu isso aqui no blog, é que acusam os festivais de sempre chamarem as mesmas bandas, de privilegiar um grupo. Como você vê isso? E mais, como é feita a escolha das bandas?

Anderson Foca – Eu acho que poucas bandas no Brasil (nem dez por estado) realmente fazem o que deveriam fazer: tocar por ai, tentar shows, receber bandas em suas cidades e por ai vai. E são exatamente essas bandas, tirando alguns fenômenos artísticos excepcionais que tocam nos festivais. Porque quem toca tem visibilidade, quem tem visibilidade tem mais chance de passar em qualquer seleção, concorda? No caso do DoSol nós vemos muitos shows e ouvimos os trabalhos e somamos as duas coisas. Acho que nossas escalações são bem boas desde o primeiro ano, mas ai você é que pode emitir sua opinião e não eu…

el Cabong – O que vejo são bandas reclamando muito, mas fazendo pouco, parece ser uma tônica geral.

Anderson Foca – Normal cara. É aquele achismo criado no século passado de que você toca e vai acontecer. Essa espera mata 99% das bandas. As que tão no corre estão ai. Quantos anos tem o Cascadura? A situação da banda não é magnífica, mas continua ai fazendo rock dignamente e sem parar! Rock se faz e pronto

el Cabong – Eu acho que esse segredo é universal, as bandas de fora pelo que sei ralam muito, fazem muitos shows, dai colhem.

Anderson Foca – Rock não se faz por isso e aquilo. É uma necessidade do cara, um vômito. infelizmente ainda tem gente que acha que rock é para você ficar rico e quebrar quarto de hotel. Um erro.

el Cabong – Você acha que as bandas estão se tocando mais disso? encarando o trampo de verdade?

Anderson Foca – Acho que sim. Os últimos dois anos têm sido de mudanças radicais em todas as áreas e as bandas também acompanham isso. Gravadora não existe mais, o que existe são empresas que gerenciam carreiras. Então ou fortalecemos esse mercado que fazemos parte ou morremos abraçados. Por esse motivo o DoSol não paga cachê para medalhão do rock nacional, não alimento mercado que eu não faço parte…

el Cabong – Acho ótimo. Você vê então um mercado paralelo, alternativo se fortalecendo?

Anderson Foca – Sim, com muito vagareza, mas sim. Estamos sempre 15 anos atrás dos gringos, mas ao menos eles servem de exemplo.

el Cabong – E como você acha que a internet tem ajudado nisso e como você acha que bandas, festivais, produtores podem utilizá-la melhor?

Anderson Foca – Olha, aqui paramos de fazer a divulgação que fazíamos há dois anos. Investimos num portal para que ele possa ser fio condutor da nossa divulgação sem depender de ninguém. Fizemos uma TV na web pelo mesmo motivo e fortalecemos tudo o que possa nos trazer interação com pessoas que estejam conectadas com o nosso mundo. Então internet é fundamental para o DoSol existir como existe hoje! A última vez que utilizamos rádio convencional para divulgar nosso show foi no Festival DoSol 2007. Vai fazer um ano.

el Cabong – E porque você acha que Natal, uma cidade pequena, sem grande tradição na música, hoje tem dois bons festivais de rock, selos, uma estrutura boa até, uma movimentação. Há apoio estatal, como funciona?

Anderson Foca – Cara, acho que Natal tem bons produtores e gera isso. O apoio público é meio que igual em todos os lugares, uns conseguem mais coisas outros menos, mas é bem parecido. Não tem nenhum vínculo com orgão ou partido nenhum. Acho que merecemos todos os patrocínios que merecemos porque fazemos as coisas primeiros e com os resultados provamos que as ações são ou podem ser importantes para o estado. Não acredito em produtor que do nada faz um “festival de rock independente”. Normalmente estão nisso por um patrocínio ou por uma contigência. Só acredito em quem vive o dia do rock e da música de vanguarda. Natal tem bons produtores, eu acho. Não tem outra explicação!

el Cabong – O que você destacaria nesse rock independente feito hoje?

Anderson Foca – Cara, é dificil destacar algo no meio de tantas paradas realmente boas. O Móveis Coloniais é impressionante, o Hurtmold também, o Retrofoguetes nossa, outro disco já! Tem tanta coisa. Eu destaco a raça de todos em continuar fazendo rock por ai… Tenham compromisso e aí os frutos vem com força!

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