Em seu terceiro EP, a banda Flerte Flamingo traça novos caminhos para sua proposta de fazer uma música brasileira com tons de indie rock e psicodelia. Produzido por Junix11, ‘Espero que você entenda’ é mais um passo para consolidação da banda no cenário baiano e ganha análise de Pedro Gusavaqui. O el Cabong já havia entrevistado a banda sobre o EP, leia aqui.
Veja Também:
– Os melhores discos brasileiros de 2020 segundo a imprensa.
– Entrevista: andre L.R. mendes manda notícias de seu novo álbum.
– Entrevistas: Silvio de Carvalho fala de estreia solo.
– Discos: a obra sublime da Orquestra Afrosinfônica.
– Discos: Tangolo Mangos pega o caminho experimental em tngl_mngs.rar.
Por Pedro Gusavaqui*
No ano minimamente conturbado e polêmico em que não parecia haver luz no fim do túnel, a arte tornou o ar ao nosso redor respirável. Especialmente a atmosfera soteropolitana se tornou coletivamente – contrariando as recomendações sanitárias – agradável. Mas calma, é muito mais no âmbito metafísico, ideológico e cultural do que presencialmente. É propriamente no aspecto virtual. Isso porque foi um ano repleto de descobertas e produções fonográficas baianas de imensa qualidade.
Numa ensolarada Salvador qualquer um quer fazer algo pra se divertir e, talvez, como eu, se pegue na completa indecisão sobre o que será sua trilha sonora. Quanto a mim, sob a fortíssima onda de influência dos Tangolo Mangos e meu recém estado de poesia (sob modestos requintes e sem a grandeza de Chico César), opto por pousar nas águas do Flerte Flamingo. Sem acréscimos e divagações, que banho refrescante.
O disco que eu coloquei pra tocar em meu Spotify, foi o mais recente álbum do conjunto, “Espero que você entenda”. Distribuído pela TAG Music, o EP não é exatamente uma novidade de sonoridade. Não. Ele age como mais um reforço desse movimento lírico, poético, estético brasileiro, sobretudo baiano, que é calcado num imenso retorno ao pós-futuro já visto. E essa é a beleza.
‘Espero que você entenda’ ecoa a brasilidade apresentada por Ana Frango Elétrico, Léo Middea e Tangolo Mangos. O Flerte Flamingo, e esses outros nomes, são setentistas e sessentistas sob a ótica de que coabitam a estrutura de Jorge Ben Jor, Sérgio Mendes e João Donato. Sob essa mesma ótica, quando se fala de Jorge Ben, se fala em Mallu Magalhães. Portanto, esse não é um processo recente.
O que quero dizer é que o Flerte Flamingo decide por mirar em carregar esse peso cultural fortíssimo (que tem muito que ver com a alegria dos trópicos vendida por Carmen Miranda) e o faz bem.
Os meninos, modestamente, reconhecem limitações de orçamento que uma banda de cunho independente possui. Apesar de qualquer situação que pudesse comprometê-los, eles se empenham numa entrega digna de grandessíssimas apresentações em qualquer Circo Voador.
Os arranjos, que permitem o uso de metais, são substituídos, em certas linhas, pela guitarra, sem prejuízo algum. Bom que se diga que eu tenho uma queda por naipes. De fato, talvez os meninos nem mesmo quisessem trazê-los.
Produzido com elementos de psicodelia, como o uso de salas grandes de reverb, na qual estão guitarras de wah-wah e teclados minimamente arpejados que se complementam, o disco é uma grande imersão nesse bem-estar praieiro e tropical baiano. Como notado pelas referências ao movimento, mais que baiano, é dignamente brasileiro.
Esse é um som de se dançar junto e gritar nos cantos-resposta dos refrães marcantes. O molejo percussivo é muito bem empregado com um elemento mais aparente, o pandeiro. Excelente escolha. As harmonias soam a devida sofisticação que esta geração, que tem passe-livre à informação, é mais do que capaz de fazer. Mesmo assim, não se prendem a monotonias de puro exibicionismo técnico que afastariam qualquer público popular. Afinal de contas, trata-se de uma banda, que, em cerne, é de (Samba) Rock. De fato, o rock baiano passa mais uma vez o bastão pra um aprazível deleite de sangue novo. A Maglore agradece.
Será que pude eu, neste momento em que ouvia e apreciava o disco, sob esse calor alaranjado, pensar nisso tudo? Não. É bonito saber que o som me prendeu numa sensação de liberdade (inexistente no período pandêmico) em que só queria sombra e água fresca. Nada de preguiça baiana. Esse é o merecido som do relaxamento brasileiro. É mais que um flerte, é um Flerte Flamingo.
Ouça ‘Espero que você entenda’:
* Pedro Gusavaqui é estudante de Licenciatura em Letras Vernáculas na UFBA, poeta e compositor. Entusiasta da nova leva de artistas brasileiros, passou a analisar e a escrever sobre eles em sites especializados em música e cultura.