Pouco mais de um ano depois de lançar seu último trabalho, o cantor e compositor baiano Bruno Capinan apresenta agora ‘Leão Alado Sem Juba’, seu sexto álbum. Seguindo a proposta de tentar aqui no el Cabong dar vazão à imensa produção musical baiana, mais uma vez temos a resenha de mais um novo trabalho lançado por artistas do estado.
* Por Julli Rodrigues
Em meio à pandemia de Covid-19, Bruno Capinan, cantor e compositor baiano radicado no Canadá, trouxe à vida ‘Leão Alado Sem Juba’, sexto álbum da carreira. O trabalho, lançado no último dia 11 de novembro, mescla sonoridades acústicas e eletrônicas em colaborações com diferentes produtores e músicos, incluindo parcerias inéditas na discografia do artista. Nas nove canções autorais gravadas de forma remota entre Canadá, Brasil, França e Portugal, Capinan fala sobre perdas, isolamento, solidão e violência policial contra negros.
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O resultado é um disco com pouco menos de meia hora de duração, que proporciona um clima geral dúbio: a ambiência sonora é ao mesmo tempo relaxante e melancólica, calma e sombria. A mensagem não bate e corta da mesma maneira que ocorre no álbum anterior, “Real” (2019), e em alguns momentos ela promete mais do que cumpre. Mas a música de Capinan permanece ecoando no fundo da mente, como naquelas canções que você ouve muitas vezes e de repente percebe um significado que não tinha sido capturado antes.
Há a calmaria quase bossanovística de “Último Carnaval”, que conta com a participação do violonista e guitarrista Felipe Guedes, e as percussões africanas de “O Tempo Que Tudo Devora”, com a luxuosa colaboração de Moreno Veloso ao prato-e-faca. Esta última faixa é co-produzida por Capinan com Gustavo Ruiz, um dos produtores com os quais o artista “já dialogava” antes do isolamento social, como aponta o material de divulgação do álbum. O outro é Diogo Strausz, que dá um toque synth-pop oitentista certeiro na derramada canção de amor “Quando Te Encontrei”, lançada como single no mês de outubro. Na intensa sensualidade de “Quatro Paredes Sólidas”, Capinan abre parceria com Pedro Sá e reencontra os velhos parceiros Bruno di Lullo e Domenico Lancelotti.
Além da paixão, Capinan também expõe as dores do desencontro e da perda em “Cavaleiro da Amargura”, uma das faixas mais belas e dolorosas de “Leão Alado Sem Juba”, cuja atmosfera casa perfeitamente com o piano de Zé Manoel. O sofrimento do povo negro com a violência policial inspira duas canções. A primeira é “Oitenta”, lançada como single em junho e já conhecida do público dos shows brasileiros de Capinan. A letra contundente não usa de meias-palavras para dizer o que todo mundo sabe e finge não enxergar: “a polícia tá matando” nas grandes cidades, no interior, nas favelas, no norte e no sul do país, da mesma maneira cruel que o Exército brasileiro matou o músico Evaldo dos Santos Rosa, executado com os (mais de) oitenta tiros que dão nome à música. É direta e reta, como tem que ser.
Por outro lado, essa qualidade do “dedo na ferida”, com o perdão do chavão, é o que falta às outras duas faixas que o artista afirma ter escrito com base nas questões de racismo e violência policial. Segundo o material de divulgação de ‘Leão Alado Sem Juba’, “Tomorrow” é inspirada nos protestos antirracistas motivados pela morte do segurança George Floyd, nos Estados Unidos, enquanto “O Tempo Que Tudo Devora” tem a ver com o descaso com a população preta na pandemia. Claro, a inspiração existe para quem escreveu, mas é muito difícil, para quem ouve e lê a letra, entrever essas temáticas. O excesso de subjetividade dilui a mensagem.
‘Leão Alado Sem Juba’ cumpre bem o papel de expressar a natureza agridoce – mais acre do que doce – das vivências da pandemia de Covid-19, entre amarguras, paixões e decepções com o estado geral das coisas. As colaborações novas e antigas trazem profunda riqueza sonora, e a intensidade continua sendo uma marca da música e poesia de Capinan. Poderia ser um disco ainda maior se o leão alado rugisse um pouco mais forte quando necessário.
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Ouça o disco de Bruno Capinan
* Julli Rodrigues é jornalista formada pela UFBA. Atualmente, trabalha na Rádio Metrópole FM como repórter. Apresenta a série mensal “A Música no Tempo” no Especial das Seis da Educadora FM, sobre o contexto da MPB entre os anos 60 e 80, e escreve análises sobre música e áudio no blog Ouvindo Coisas.