Carlos Pita: O Embaixador da Cultura Sertaneja

carlos pita

Por Luciano Kalatalo

 

Nestes primeiros dias de 2025, perdemos Carlos Pita, melhor dizendo, deixamos de compartilhar sua presença física. Contudo, sua musicalidade permanece viva — seja como produtor, músico ou compositor, o artista baiano deixa um legado que será reverenciado por muito tempo.

Tudo começou em Reconsertânica, como Carlos Pita chamava sua terra natal, Feira de Santana (BA), o epicentro econômico e cultural onde o Recôncavo Baiano encontra o sertão nordestino. Batizada por Rui Barbosa como “Portal do Sertão”, Feira de Santana foi o cenário onde Pita, frequentando feiras e festas tradicionais — experiências sensoriais de sons, sabores e imagens que uma novela de TV jamais poderia capturar —, apaixonou-se pela música ainda menino. Motivado por essa paixão, mudou-se para Salvador, contrariando a família, para estudar Composição e Regência na UFBA.

A vivência com diferentes mundos e culturas marcou sua carreira. Carlos Pita produziu clássicos da música brasileira experimental, como Interregno (Walter Smetak & Conjunto de Microtons, 1980), ao mesmo tempo em que contribuiu para a música sertaneja com obras como Na Quadrada das Águas Perdidas (Elomar, 1979). Foi também “descobridor” de talentos, como Ivete Sangalo, que apadrinhou no início da carreira.

Essa versatilidade refletiu-se em sua carreira como artista. Ele mesclou obras regionais e produções pop, antecipando a fusão que anos depois resultaria na axé music, gênero que certamente tem em Carlos Pita um de seus progenitores.

Seu primeiro disco, Águas do São Francisco (1979), nasceu de uma tragédia: as composições eram destinadas ao disco de seu amigo Fernando Lona, que faleceu em um acidente automobilístico. O álbum combina o lirismo das paisagens do sertão com referências à literatura de cordel. Aclamado pelo crítico José Ramos Tinhorão como um dos dez discos mais importantes da música brasileira, o trabalho também chamou a atenção de Rolando Boldrin, que fez de Pita presença frequente em seus programas de TV.

Em 1981, lançou Coração de Índio, em parceria com o tropicalista Capinan. Nesse disco, destaca-se a faixa Olho da Ilha, com solos de guitarra que prenunciam um ijexá sobre a ilha de Itaparica, suas lendas e conexões com povos originários. Outro marco é Estrela, composição de Gilberto Gil feita especialmente para Pita, na qual coral e metais se mesclam a guitarras psicodélicas, criando a versão definitiva da música.

Navegando entre vanguarda e eruditismo, lançou A Lenda do Pássaro que Roubou o Fogo (1983), em parceria com a escritora Myriam Fraga. Com prefácio de Jorge Amado, o disco narra a história do pássaro Japuaçu e a origem do fogo, inspirada em uma lenda ancestral brasileira.

Em 1984, voltou com o intimista Brisa, recheado de participações, como Antônio Adolfo, João Donato, Robertinho Silva e Jorge Degas. A levada ijexá de Asa Clareada, com João Donato no piano, é magistral.

O ano de 1986 trouxe Feliz, com a regravação de Cometa Mambembe, música que se tornou um clássico do Carnaval de Salvador, com arranjo e sanfona de Dominguinhos. O disco também incluiu Trança Fina, um reggae de Carlinhos Brown enriquecido com ijexá, guitarra baiana e sintetizadores.

Sempre flertando com o moderno sem esquecer as raízes, Carlos Pita inovou com faixas como Rastafari, do disco Tapete Mágico (1988), onde guitarras pesadas se misturam ao samba-reggae em uma melodia pop irresistível.

Apesar da sofisticação, Carlos Pita preocupava-se em preservar tradições, resgatando festas populares e convidando artistas não tão lembrados para suas apresentações. Ele também lançou discos de forró, revisitando clássicos do gênero com músicos icônicos do nordeste.

Como compositor, Pita assinou mais de 200 fonogramas. Entre seus sucessos estão:

  • Rebentão (Cheiro de Amor), que retrata a efervescência cultural de Salvador;
  • Ilha (Ademar e Banda Furta Cor), um grande sucesso;
  • Tenda do Amor (Magia) (Margareth Menezes), presente no disco de estreia da cantora.

Carlos Pita deixa um legado inestimável: um artista que navegou entre o regional e o universal, preservando as tradições enquanto inovava com modernidade.

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