Diante dos novos tempos vividos no universo dos festivais, novas possibilidade vem se configurando, com formatos híbridos e incorporação de outras linguagens, como game e 3D. O festival No Ar Coquetel Molotov, de Recife, é um exemplo de festival que vai apostar nessas tecnologias. De 11 a 23 de janeiro, o evento vai realizar uma edição em formato “imersivo e sensorial híbrido”. A proposta é unir música e arte em um formato online, com ações virtuais e em 3D.
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O formato digital mais tradicional terá workshops, mentorias e oficinas. A parte de shows terá apresentações inéditas de mais de 20 artistas nacionais e internacionais, toda exibida como uma série conceitual gravada entre elementos naturais e urbanos, com locações entre montanhas, a vegetação e som de animais. Entre as atrações estão Lia de Itamaracá, Tuyo, Jup do Bairro, um encontro inédito de Ava Rocha com Boogarins, Amaro Freitas, entre outros. A parte tridimensional, batizada de Mundo Imersivo 3D, terá ativações de marcas, uma galeria audiovisual com novos artistas pernambucanos, além de um show exclusivo.
“O mundo 3D será um espaço para lançamentos exclusivos e de conteúdo das marcas que estão patrocinando o festival. Acho que ele tornará a experiência mais divertida e imersiva”, explica Ana Garcia. Para a produtora, ainda há um longo caminho para evolução nesse tipo de tecnologia no Brasil. “Poucos brasileiros tem óculos VR, por exemplo, algo que é mais comum na gringa”. Ela lembra que outros festivais brasileiros já criaram experiências do tipo, como a Feira da Música, de Fortaleza. “Eu achei fantástico assistir ao show dentro de um jogo e tem link total com a nova geração. Os festivais precisam inovar e se manter frescos e esse com certeza é um caminho importante”.
Nova plataforma
A Feira da Música, realizada no último mês de novembro, foi de fato umas das experiências mais exitosas no uso de games por um festival no Brasil. O evento foi ousado não apenas no formato, mas também por apostar no uso de um software próprio desenvolvido em um curto período de tempo e totalmente adaptado às suas necessidades. Construída e idealizada de forma coletiva numa parceira da Feira com dois outros festivais, Afete-se e Convida, e do Ninja Hacker Space e S.O.M, a plataforma OASI levou para o modo virtual a diversidade desses eventos.
No caso da Feira, todo o ambiente de shows, mostras de videoclipes, rodas de negócios e feira de expositores presentes no formato físico ganharam uma conversão para o formato de game. Além da realização da Zona de Propulsão, uma maratona de inovação seguindo a ética hacker e focada no desenvolvimento de soluções e ferramentas para artistas, produtores e público em geral.
Segundo Branca Schulz, coordenadora da NINJA Hacker Space (Midia NINJA), para criação da plataforma foi desenvolvida uma narrativa que contemplasse a diversidade do universo dos usuários dos festivais e que, ao mesmo tempo, entendesse a dificuldade de espelhar a realidade do ambiente físico para uma plataforma virtual. “Para isso criamos personagens, além de desconstruirmos um pouco essa visão que se tem do que seria um avatar. Criamos uma história pra começar um processo de gameficação desses festivais”.
Segundo ela, foi pensada ainda a questão da ludicidade para envolver o usuário nesse novo universo. “Os festivais tiveram seus mapas de navegação personalizados, os avatares também eram personalizados, cada pessoa podia personalizar o seu. Foram criados ambientes versáteis para as diferentes programações dos festivais. Ambientes tanto para realização dos shows, com transmissões dentro da plataforma e arenas para os avatares poderem dançar, quanto espaços de chats em ambientes públicos e privados para interações, para visualização de vídeo clipes ou mesmo um passeio para compras pelos estandes da feira”.
Festivais no minecraft
No exterior, durante a pandemia aconteceram outras experiências. Em agosto passado, por exemplo, foi realizado o festival virtual Lavapalooza, com duas noites de apresentações musicais imersas no jogo Minecraft. Organizando pelo grupo de eventos virtuais Open Pit, o festival recebeu artistas de EDM populares e menos conhecidos, com possibilidade para não-usuários do game também poderem assistir o festival gratuitamente. Dentro da lógica de game, o público podia ir até a frente do palco e se jogar, visitar uma barraca de mercadoria do jogo e comprar uma camiseta de alguma das bandas.
Outra experiência semelhante foi o Block By Blockwest, uma brincadeira com o nome South by Southwest e abreviado de forma semelhante como BXBW. Realizado em maio e organizado pela banda Courier Club da Filadélfia, atraiu 134 mil espectadores da transmissão ao vivo no Twitch e no YouTube, além de 5 mil jogadores do Minecraft, arrecadando quase 50 mil dólares para um Fundo de Alívio do COVID do Centro de Controle e Prevenção de Doenças.
Realizado em um servidor personalizado do game, que oferecia estágios separados para os usuários, o festival oferecia diversas possibilidades para os participantes, que iam de jogos interativos e recursos especiais e easter eggs, além de oportunidades para interação com os artistas e entre si. Com uma doação de 15 dólares, tinham acesso a vantagens como encontros e saudações de artistas virtuais. O BXBW recebeu bandas como IDLES e os russos do Pussy Riot, que fizeram apresentações pré-gravadas, via transmissões ao vivo no YouTube e Twitch.
Tomás Bertoni, produtor e sócio-fundador do Festival CoMA, de Brasília, afirma que tem estudado as possibilidades desses formatos e já experimentou algumas delas em seu festival. Ele, no entanto, ainda vê com reserva a aplicação dessa lógica de games nos festivais brasileiros. “O público fiel de games é muito diferente do público de festivais. Claro que tem uma interseção, mas são idades diferentes e principalmente mentalidades completamente diferentes. Vai depender de como essa linguagem é usada e qual objetivo”.
Para ele, se o objetivo for atrair o público de games para o festival, a produção vai precisar caprichar. “É um público exigente e acostumado com grandes eventos, não é fácil tirar essa galera de casa e da twitch. Se for pra melhorar e inovar a experiência do público que já frequenta ou potencialmente frequentaria seu evento, daí podem até ser pequenas sacadas que já podem trazer resultados interessantes”. Segundo ele, não são visões excludentes, é possível equilibrar os interesses desses públicos. “Mas é difícil. As tentativas que vi até hoje não deram muito certo. Se for ser feito algo nesse sentido é importante trazer pessoas que vivem e entendem esse mundo”.
Na experiência com a plataforma OASI houve uma preocupação nesse sentido. Para Branca Schulz, os usuários são parte da construção desse novo modelo. “Para o público desses festivais talvez ainda não seja algo tão usual explorar esse mundo 3D. Mas através dele o público pode acessar o festival que gosta, assistir o artista que curte num ambiente em que desconhece. Isso também é despertar o espírito explorador. Acho que para os usuários da Feira isso aconteceu. A gente buscou e eu acredito que tenha concretizado essa sensação”.