Já que não apostam tanto em novidades, as gravadoras seguem investindo nos relançamentos de artistas de seu acervo como forma de manter o mercado com produtos “novos”. Com isso, acertam tanto no público mais velho que deseja comprar ou recomprar discos daqueles artistas que sempre gostaram, agora em CDs e vinis com versões remasterizadas, quanto no público mais jovem e que só teve acesso a esse discos pela internet.
Outro fator importante é que, através de caixas e projetos especiais, as gravadoras colocam seus catálogos para rodar, sem precisar de investimentos em novos artistas, logo, sem gastar todo um aparato em gravação, produção e até muito menos em marketing, já que não precisam tornar popular um nome desconhecido. Muito mais fácil pegar o que já está ali guardado e trabalhar com isso. Não é de todo mal, já que é uma excelente forma do público ter acesso a estes trabalhos que estavam empoeirados nos arquivos das gravadoras. Ainda assim, os relançamentos são muito tímidos frente ao grande e precioso acervo existente nas gravadoras. Muitos discos importantes da música brasileira ainda são encontrados mais facilmente no Japão e na Europa do que por aqui.
Novas caixas e lançamentos
Ainda este ano, a Universal Music pretende soltar discos avulsos de relançamentos que antes estavam presentes apenas nas caixas lançadas nos últimos anos. Trabalhos de nomes como Ben Jor, Caetano, Cazuza, Chico, Gal, Jobim, Nara Leão, entre outros. A ideia é colocar esses discos no mercado ainda este ano. Outros álbuns, que estavam fora de catálogo, devem ser relançados em dois pacotes. O primeiro incluirá Matança do Porco do Som Imaginário, Nelson Cavaquinho de Nelson Cavaquinho, Quem é Quem de João Donato, Nervos de Aço de Paulinho da Viola, Âmbar” de Maria Bethania, Clara de Clara Nunes e Quarteto Novo do Quarteto Novo. Já o segundo traria Acto I de Zé Rodrix, A Página do Relâmpago Elétrico de Beto Guedes, Alumbramento e Seduzir de Djavan e Milagre dos Peixes e Minas de Milton Nascimento.
O mercado deve receber também novas caixas compilando obras de importantes artistas. A primeira dela deve ser a de Paulinho da Viola, com 11 CDs originais e um de raridades. A caixa reúne a fase áurea do cantor e compositor carioca com os álbuns lançados pela extinta Odeon entre 1968 e 1979. A coleção já era pra ter saído pela EMI Music, mas foi adiada devido a compra da gravadora pela Universal. A previsão agora é que entre o segundo semestre de 2014 e o primeiro de 2015 seja finalmente lançada. Outras coleções previstas são a caixa de Rita Lee com 14 CDs da EMI, seis da Universal, além de um bônus; e a caixa dos Paralamas do Sucesso, reunindo 20 títulos, sendo dois deles com raridades.
Uma outra iniciativa mais independente é o relançamento do disco de estreia de um dos nomes mais importantes da música psicodélica pernambucana dos anos 70, a banda Ave Sangria. Através do selo Ripholandya Records, capitaneado pela banda Anjo Gabriel, de Recife, será lançado o histórico disco de estreia do antigo grupo, Ave Sangria, que originalmente saiu pela gravadora Continental em 1974. O trabalho trazia a polêmica música “Seu Waldir”, acusada de fazer apologia a homossexualidade e que acabou fazendo com o que disco fosse censurado e nunca mais relançado.
Além do álbum original, o selo também vai lançar o ao vivo Perfumes y Baratchos, registro do show de despedida da banda, no Teatro de Santa Isabel, no Recife. A gravação reúne algumas canções inéditas que não estavam no álbum de estúdio. Um show especial marcado para o dia 2 de setembro, no próprio Teatro de Santa Isabel, vai marcar os lançamentos, Os dois discos devem sair em breve em CD e vinil.
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Discobertas – Dentro dessa proposta de relançamentos, alguns nomes se destacam como pontas de lança. Atualmente, o principal deles é o pesquisador musical Marcelo Fróes com seu selo Discobertas. Através deles, vários artistas têm tido seus trabalhos recolocados no mercado. Moraes Moreira foi um deles. O cantor e compositor baianos teve recentemente relançados seus quatro primeiros discos solo, também os primeiros feitos após a saída dos Novos Baianos. Não é por menos que muito daquele tempero do grupo ainda podem ser ouvidos nestes trabalhos.
A saída aconteceu há 40 anos, quando Moraes decidiu não mais viver no sítio onde morava com o grupo no Rio. Queria viver com sua mulher e filho em outro canto, mas os integrantes dos Novos Baianos não aceitaram uma vida fora da comunidade e o cantor teve que encarar uma vida sem eles, na vida e na obra. Lançou em sequência Moraes Moreira (1975), Cara e Coração (1977), Alto Falante (1978) e Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira (1979), que acabaram delineando a carreira do baiano a partir dali. São estes quatro discos que estão na caixa Moraes Moreira Anos 70, relançada pelo Discobertas.
O primeiro disco, Moraes Moreira, traz o cantor e compositor acompanhado dos músicos que formariam em seguida A Cor do Som: Armandinho, Dadi (também recém-saído dos Novos Baianos), Mu Carvalho e Gustavo Schroeter. Sem hits no disco, apesar da regravação de “Você Pensa”, de Roberto e Erasmo Carlos, Moraes já começava a mostrar que além do samba com rock do antigo grupo, flertava também com ritmos regionais e a sonoridade do trio elétrico de Dodô e Osmar. O disco seguinte, Cara e Coração, tem Armandinho como base do trabalho, tocando vários instrumentos e sendo responsável pelos arranjos ao lado de Moraes. O álbum traz “Pombo Correio”, que ganhou letra de Moraes e chegou a ser tema de abertura do Jornal Hoje e em propaganda dos Correios. Alto Falante mantém Armandinho, mas tem outro guitarrista de peso, Pepeu Gomes, que voltava a tocar com o colega de Novos Baianos.
Se os três primeiros discos tiveram pouco impacto comercial, Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira, o mais carnavalesco dos trabalhos, fez bastante sucesso. Os principais motivos foram a faixa-título e “Chão da Praça”, que tocaram bastante nas rádios, mas também “Eu Sou o Carnaval” e “Assim Pintou Moçambique”, ambas parceria com o escrito Antônio Rizério. O disco traz novamente Armandinho e Pepeu, além da turma da Cor do Som.
O mestre dos ritmos – Também pelo Discobertas está sendo lançada uma caixa especial com relançamentos do mestre Jackson do Pandeiro. A coleção Anos 60 reúne obras de uma fase menos conhecida do cantor e compositor paraibano, incluindo três discos de carreira lançados entre 1966 e 1968, e um álbum com raridades editadas em compactos na mesma época. Apesar de não ser a fase dos maiores sucessos, a coleção dá conta de mostrar um período com Jackson em forma, com aquele típico repertório que conta como crônicas as histórias cotidianas do período.
Os dois primeiros discos trazem Jackson ainda ao lado da parceira e esposa Almira, que já estariam separados em 1967. O primeiro, O Cabra da Peste, tem o selo da gravadora Continental e tem até a participação de uma orquestra na gravação. Lançado originalmente em 1966, traz basicamente sambas, forrós e baiões de diversos autores, inclusive três parcerias do próprio Jackson, além de uma composição de Humberto Teixeira (famoso por compor com Luiz Gonzaga).
Os dois seguintes mostram Jackson longe das grandes gravadoras, fazendo seus lançamentos pelo pequeno selo paulistano Cantagalo. A Braza do Norte (1967) traz um misto de estilos, com rojões, xotes, baiões, sambas, samba choro, coco e toada. Nele Jackson compôs cinco faixas com parceiros como Antônio Barros e Nivaldo Lima. Entre os outros compositores estão nomes desconhecidos como Maruim e José Bezerra. Jackson do Pandeiro é Sucesso (68) segue a mesma toada. Já o álbum Mais um pouquinho traz repertório lançado em cinco compactos também pelo selo Cantagalo, entre 1966 e 1969, e inclui marchas, sambas, xotes e baiões. Um bom apanhado do mestre do ritmo.
O selo carioca também soltou recentemente a caixa Pery internacional, com reedições de sete títulos raros da discografia do cantor carioca Pery Ribeiro (1937-2012). A coleção, sequência da caixa Pery Ribeiro anos 60 (2013), inclui trabalhos lançados originalmente entre 1967 e 1972, quando a carreira fonográfica do cantor esteve direcionada para o mercado externo. Estão presentes os discos Os Gemini V en México (1967), Pery (1968), Bossa Rio (1968), Bossa Rio – Alegria!(1969), Bossa Rio Live in Japan (1970), Pery Ribeiro (1971) e Pery Ribeiro (1972).
Série Tons – Quem também tem feito um trabalho importante de relançamentos é a Universal Music, até por deter o mais importante acervo no país, que inclui material das gravadoras Sinter, Companhia Brasileira de Discos (mais tarde Polygram, com os selos Philips, Polydor e Fontana), Elenco, Forma, Ariola (no Brasil) e EMI/Odeon e Copacabana.
O principal canal de escoamento da gravadora atualmente é a série Tons, que depois de soltar em CD discos raros de Fafá de Belém, Carlos Lyra, e Maysa, em 2012, Rita Lee, Alceu Valença, Edu Lobo, Luiz Melodia e Erasmo Carlos, em 2013, lançou outras pérolas entre o final do ano passado e maio desse ano. Odair José, Emílio Santiago e Jorge Mautner foram os últimos agraciados, com discos inéditos ou raros em CD.
É o caso da caixa com discos do compositor e músico carioca Jorge Mautner, que traz três discos lançados originalmente pela gravadora Philips na década de 70: Para Iluminar a Cidade (1972), Jorge Mautner (1974) e Mil e uma Noites de Bagdá (1976). Todos eles já haviam sido lançados em CD, mas estavam há pelo menos uma década fora de catálogo.
Para Iluminar a Cidade é o registro do show realizado no teatro Opinião em 1972. Já havia sido relançado no formato de CD em 2002 pelo próprio Marcelo Fróes e, originalmente, saiu na série Pirata, criada por Nelson Motta na antiga Phillips, com LPs que se assemelhavam a bootlegs. Acompanhado de músicos até então amadores, Mautner apresenta neste disco uma de suas principais músicas, “Quero ser Locomotiva”, que receberia depois uma versão de Wanderléa.
Os outros dois discos, Jorge Mautner e Mil e uma Noites de Bagdá, também já haviam sido lançados em CD, mas há muito mais tempo, em 1995, pelo selo Rock Company. O segundo, inclusive, com um histórico defeito no andamento das últimas músicas. O primeiro traz algumas das canções mais marcantes de Mautner, como “O Relógio Quebrou”, “Herói das Estrelas” e a mais conhecida, “Maracatu Atômico”. Menos Mil e uma noites de Bagdá é o que tem o repertório menos conhecido, mas não fica atrás na qualidade. Estão lá músicas como “O som do meu violino”, “Samba dos meses” e “Rainha do Egito”.
Logo após a caixa, Jorge Mautner teve lançado também aquele que é considerado seu “álbum zero”, com gravações anteriores aos três discos. O duplo Para Detonar a Cidade, compilado a partir de fitas encontras por Marcelo Fróes e lançado pelo selo Discobertas, traz registros feitos em um gravador caseiro de um show no início de 1972. Em formato acústico, com violões, percussão, baixo, além do violino e bandolim do cantor, o disco reúne seis canções inéditas de Mautner (“Roses from Baghdad”, “Louca Curtição”, Chave de um Perdido Paraíso”, “Magic Hill”, “Medonho Quilombo” e “Salve, Salve a Bahia”). Tem ainda algumas músicas que apareceriam em seus discos, mas com arranjos diferentes, entre elas “Estrela da Noite”, “Olhar Bestial”, “Quero ser Locomotiva”, “Sapo Cururu”, “Sheridan Square” e “From Faraway”. Além de sucessos da música americana (”Tutti frutti”, de Little Richard; “Jambalaya”, de Hank Williams), o samba “Agô-iê” (de Ataulfo Alves) e a pré-sertaneja “Boi de Carro”, da dupla Tonico e Tinoco.
De Emilio Santiago a Série Tons resgatou os álbuns Comigo é Assim (1977), O Canto Crescente de Emílio Santiago (1979) e Guerreiro Coração (ao vivo, 1980), que marcam o início da carreira do cantor até então estavam inexplicavelmente inéditos em CD. São obras que mostram, especialmente os dois primeiros, o grande intérprete que era Emílio e sua importância para a música brasileira. Trabalhos refinados, com senso artístico apurado, com um cantor de alto nível e muito distante do que marcou sua carreira nos anos pós-Aquarela.
Comigo é Assim é o terceiro disco da carreira do cantor e traz o primeiro sucesso “Nega” (Vevé Calazans), além de composições de nomes como João Nogueira, Dominguinhos e Anastácia, e Gonzaguinha, sob os arranjos de Adolfo, João Donato, Roberto Menescal, Sivuca, Meirelles, Zé Menezes e Aécio Flávio. Canto Crescente, com arranjos de Antonio Adolfo e J.Meirelles, reúne inéditas e regravações, incluindo “As Rosas não Falam” (Cartola), “Homenagem ao Malandro” (Chico Buarque), “Recado” (Gonzaguinha) e “Trocando em Miúdos” (Chico Buarque e Francis Hime). Guerreiro Coração, gravado ao vivo num estúdio para uma plateia de 200 convidados, traz versões de músicas de Elis Regina, Clara Nunes, Leci Brandão, Ivan Lins, João Nogueira, Gonzaguinha e Cauby Peixoto e é meio que uma prévia da série Aquarelas, gravado pelo cantor a partir dos anos 80.
Outro nome com importantes discos recolocados no mercado em CD é Odair José, taxado como um dos grandes nomes da música brega, mas que tinha um trabalho bastante rico. Através da Série Tons, quatro dos álbuns mais populares gravados na extinta Polydor pelo cantor estão disponíveis: Assim Sou Eu… (1972), Odair (1973), Lembranças (1974) e Odair (1975).
Neles estão algumas das marcas que caracterizaram a carreira do cantor e compositor, especialmente abordar nas letras temas espinhosos ou ousados que ninguém tratava. Em Assim Sou Eu…, por exemplo, ele falava do trauma da separação familiar em “Pense pelo Menos nos Seus Filhos”. No álbum seguinte, falava da vida de uma empregada doméstica no hit “Deixe Essa Vergonha de Lado”, de masturbação em “Revista Proibida”, e sobre pílula anticoncepcional na clássica “Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)”. No disco de 73, ia mais além, criticando a burocracia do casamento em “Na Minha Opinião” e falando de drogas em “Viagem”.
Este ano também marcou o relançamento de 21 álbuns e quatro coletâneas de Elis Regina. Os trabalhos fazem parte da Coleção Folha – O melhor de Elis Regina, colocados nas bancas fora de ordem cronológica e vendidos nas bancas encartados com livros com arte padronizada e textos inéditos com análises dos disco, contextualização sobre a vida e obra da cantora e pequenos trechos de entrevistas. Os álbuns começaram a ser vendidos em março e seguem à venda até o final de agosto por R$ 16,90 a unidade. A coleção, organizada pelo jornalista Carlos Calado, traz 25 discos pertencentes ao catálogo da Universal Music e compreende a fase mais expressiva da discografia de Elis. Somente Elis especial, lançado em 1979 à revelia da cantora com sobras inéditas de discos anteriores, não faz parte da discografia oficial da artista.
Em 2014, tivemos ainda relançamento de dois discos de Cida Moreira, dos tempos que ainda assinava seu sobrenome com “y”. Entre eles está o raríssimo primeiro álbum, Summertime (1981), gravado ao vivo em apresentação eme 1980 no Teatro Lira Paulistana e que ganha sua primeira edição em CD. O outro álbum é Cida Moreyra canta Chico Buarque, lançado originalmente em 1993 pela Kuarup, traz a cantora interpretando clássicos do compositor carioca.
Vinis – A aposta em vinil é outra forma de recolocarem no mercado grandes álbuns da música brasileira. A gravadora Polysom é o principal responsável, com vários relançamentos de nomes conhecidos como Tom Zé e Jorge Ben e menos famosos como a Banda Black Rio e Antonio Adolfo. Recentemente, a empresa, numa parceira com a Universal, relançou uma caixa especial com cinco discos da importante gravadora Elenco: Vinicius & Caymmi no ZumZum, Nara Nara Leão, Bossa Nova York Sérgio Mendes, Caymmi Visita Tom e Vinicius & Odette Lara.
A Elenco tem importante papel na música brasileira, especialmente nos anos 60, quando lançou em cinco anos cerca de 60 títulos, com alguns dos nomes principais da bossa nova, entre eles Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Baden Powell, Sergio Mendes, João Donato, Dick Farney e Sylvia Telles. As estreias de Edu Lobo e Nara Leão foram lançadas pela gravadora, que se notabilizou também pelo projeto gráfico, com fotos e layout marcantes.
A caixa com os cinco discos, que sai com apenas 2 mil cópias e valor sugerido de R$ 349, mantém o projeto gráfico original, com as capas históricas, com fotos de Chico Pereira e layout de Cesar Villela. Outras caixas com discos da Elenco estão previstas para breve.
No final de 2013, dois importantes discos que ganharam nova versão em vinil foram os clássicos Acabou Chorare, dos Novos Baianos, e Coisas, do pernambucano Moacir Santos. A reedições, fabricadas e lançadas pela Polysom, fazem parte da série Clássicos em Vinil, com remasterização feita a partir das fitas originais do disco.