O mundo hoje é uma grande bacia, onde coisas se relacionam de alguma forma e nem precisa muito para elas se encontrarem, independente das distâncias, na verdade, está tudo muito próximo. Na música não poderia ser diferente e cada vez mais pouco importa onde se esteja – mesmo culturas tão distintas como a Ocidental e a Oriental vão se encontrar. Por exemplo, o tal K-Pop ou o J-Pop fazem sucesso em todo canto do mundo, sim, pop coreano e pop japonês, para quem não sacou o significado das duas letras. Esse “Gangnam Style” de Psy é hoje o exemplo mais bem sucedido disso. No Brasil e até mesmo em Salvador, onde há poucos imigrantes orientais, já são comuns bandas tocando temas de trilhas de desenhos animado japonês. Cantado em japonês e com aquelas caras de jovens que vivem em Tóquio. Uma coisa meio louca, se formos pensar.
O curioso, no entanto, é quando acontece o contrário. A música brasileira fazer sucesso no Oriente. Não, não é só no Japão, como estamos já acostumados a saber. E nem um sucesso restrito. China, Coréia e outros países também assimilaram a música brasileira no cotidiano de seus habitantes. Você acreditaria se te dissessem que andando pelas ruas de Pequim, Xangai, Hong Kong, ou outras cidades chinesas, iria ouvir música brasileira como algo comum? O diplomata Marcos Caramuru de Paiva está morando por lá contou isso em seu blog. O mais surpreendente é que tem Michel Teló tocando por lá, sim, mas não é só isso. Ouve-se Gal Costa no som de bares, bossa-nova nos supermercados, e mais, é fácil encontrar artistas chineses cantando músicas brasileiras ou fazendo suas próprias músicas brasileiras.
“Nos shoppings, nas lojas, nos restaurantes, se você prestar atenção, vai ouvir frequentemente música brasileira. E não é só bossa nova. Há dias, no Pacific Place, em Hong Kong, ouvi uma voz que não reconheci cantando músicas de Zé Keti e João do Vale, que só ouvira anteriormente nos anos 70, nos shows de segundas-feiras do antigo teatro Opinião, na rua Siqueira Campos, em Copacabana. Até sentei para escutar com calma. Numa loja em Xangai, em outro momento, numa voz que tampouco reconheci, ouvi, surpreendido, o repertório de Noel Rosa. Não um, vários dos seus sambinhas. Vozes como a de Rosa Passos, Marisa Monte, Seu Jorge e vários outros estão frequentemente no ar”, conta Caramuru em um texto no blog sobre a música brasileira na China.
Outro blogueiro, o colega Dimas Novais, que acaba de chegar na China para passar um período por lá, conta que esteve numa festa e ouviu pelo menos cinco músicas brasileiras. “Fiquei de cara. Não imaginava. Além de ‘Ai se eu te pego’, CLARO, tocou um sertanejo, um tal de “Fazer Beré Beré” ou algo assim – não conhecia. Tocou também “Magalenha”, de Sergio Mendes (Com Carlinhos Brown), “Chorando Se Foi” e um rap muito doido que eu não conhecia”.
O mais surpreendente, no entanto, não é ouvir os medalhões ou certos artistas dos trópicos por lá, mas saber que eles estão fazendo a sua própria música brasileira. Pensou em chineses tocando bossa nova? Coreanos tocando pagode? Japonês cantando música baiana? É isso mesmo.
A Coreya Banda é um destes exemplos. Banda formada por seis jovens músicos que tocam o que seria classificado por World Music. Isso porque mesclam ritmos coreanos, como o pansori, com rock, música cigana dos Balcãs, música sul-americana e africana, mas também buscam valorizar a música tradicional coreana. Dentro desse espírito o grupo inclui no repertório um dos maiores clássicos da música brasileira, “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Do sertão nordestino para a Coréia.
Apesar da ótima versão, tocar apenas uma música brasileira não seria nada tão raro. Que tal um grupo japonês que faz o autêntico pagode brasileiro? Aquele pagode romântico dos anos 90, com cavaquinho, bandolim, pandeiro e boa parte das letras em português. O Y-No faz exatamente isso. A formação conta com Kenta Ohno no rebolo e voz, Aixu no pandeiro, Max no banjo, Bekki no surdo, Tanaka Yuji no baixo, Hisashi no cavaquinho, Itú no teclado e repique de mão e Yamagataro na bateria. O grupo foi criado em Tóquio em 2007 por estudantes da Sophia University que se conheceram em um clube especializado em música brasileira.
Com letras em inglês e português macarrônico, e às vezes quase incompreensível, falam do cotidiano deles, que nem parece tão distante do que vivem os brasileiros. “Eu estava sofrendo para te procurar/ Namoração da internet é bom, né?/ Eu sou galinha/ Eu quis te olhar, a mulher nua/ Mas agora você já está batendo no meu coração/ Aí gatinha, me dá uma chance para este lixo/ Ma-ra-vi-lho-so”. Diz a letra do que seria o maior sucesso do grupo. Nela, cantam um amor na internet e falam em “moer-moer-moer”, uma mistura do “morrer de amor” com o “Moe”, uma expressão utilizada por otaku que significa atração.
Fãs do pagode, mas também de axé e do hip-hop brasileiro, eles citam como influências nomes como Fundo de Quintal, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Art Popular, Alcione, Pique Novo e Revelação, entre outros. O grupo agora se prepara para vir em 2013 ao Brasil para mostrar seu pagode. Assistindo ao clipe dá pra perceber que até os trejeitos do pessoal do samba eles adquiriram.Se existe o J-pop, existe também o J-pagode.
E que tal uma guitarra baiana tocada em pleno Japão? A banda japonesa os Novos Naniwanos não só usa a guitarrinha como faz releituras de músicas de Armandinho, Dodô & Osmar e dos Novos Baianos. O nome já é uma homenagem, sendo que “Naniwa” se refere ao nome histórico de Osaka, cidade onde a banda se formou em 1993. O clima, os instrumentos, a música e a cabeça estão nos anos 70, na rua Chile, na Praça Castro Alves e na Avenida Sete, mesmo que eles nunca tenham ido nem perto destes lugares.
O grupo faz versões – “Pombo Correio”, “Chame Gente” e “Frevo Novo” (que tem até uma gravação ao vivo com Moreno Veloso) estão entre elas – mas já tem suas próprias músicas neste mesmo clima carnavalesco baiano, como “Saisiubi no Marcha”, “Nova Naniwa”, “Grande renovado”, “Tentar”, “Maldição de Naniwa” e “Osaka mulher”, algumas delas estão no primeiro disco do grupo. Ou, como tão bem sempre fez Armandinho, pegam uma música ultraconhecida mundialmente (como “Dança do Sabre”) ou tradicionais músicas locais, como a enka, e transformam em puro frevo elétrico. O melhor, o público já tá caindo na farra.
Não para por ai. O Japão é sem dúvida onde aparecem mais artistas deste tipo, não é pra menos. Interessante é perceber que, além da música norte-americana que chega e influencia todo o planeta, a música brasileira se mostra presente e não apenas com os clichês que achamos. Além de pagode, frevo elétrico, tem também banda de forró, aquele considerado o autêntico forró pé-de-serra.
Em 2003, alguns jovens resolveram estudar a música brasileira e decidiram passear pelo Nordeste. Se inspiraram num animal brasileiro, a jaguatirica, para batizar a banda, que em japonês ficou Forró Ocelote. Mais ainda, adotaram os instrumentos originais da clássica formação dos trios nordestinos, a sanfona, o triângulo e a zabumba, reforçado por um cavaquinho. Com forte sotaque, tocam clássicos de Jackson do Pandeiro, como “Canto da Ema”, “Sebastiana” e “Chiclete com Banana”, e Luiz Gonzaga, como ” Feira de Caruaru” (que o líder da banda foi visitar e relata do que se trata no site da banda) e músicas próprias.
O diplomata Marcos Caramuru, lá do começo do texto, também nos fala de Lisa Ono, uma cantora brasileira, filha de japoneses, que vive em Tókio desde os dez anos. Segundo ele, “em Xangai, o som da rua pertence a Lisa Ono”. Com quase 30 discos lançados, sendo um deles, “Dream – Sonho”, de 1999, já tendo vendido mais dede 200.000 cópias no Japão, Lisa é um fenômeno desconhecido no Brasil, mas que vai se alastrando pelo mundo oriental, sempre com a Bossa-nova.
A descrição de Caramuru na China dá uma boa medida disso: “Os camelôs de CDs nas esquinas movimentadas da cidade fazem da voz de Lisa o seu grande comercial. Carregam com seus estandes um sonzinho particular e poderoso e tocam Lisa às alturas, para atrair compradores. Não espanta: Lisa colocou no ano passado 8.000 pessoas num ginásio na cidade. Ela canta em várias línguas, é verdade, mas quase sempre em português, no tom e na batida da bossa nova, que a fez conhecida e que é o carro-chefe dos seus shows. Os seus arranjos são frequentemente escritos à distância, no Brasil, pelo extraordinário Mario Adnet.”