Discos: “Amor, mar e diáspora: o ‘Tempo’ de Monique Nascimento”

Em seu álbum de estreia, intitulado Tempo e lançado no último mês de julho, a cantora e compositora baiana Monique Nascimento busca condensar influências diaspóricas em um caldeirão afetivo e suave, que transita entre a música cubana e as diversas vertentes do que se conhece como Música Popular Brasileira. O disco, de nove faixas, tem direção musical de Sebastian Notini, produtor com vasta experiência nesse tipo de sonoridade, tendo trabalhado com nomes como Luedji Luna e Tiganá Santana. Notini assina a maioria das faixas ao lado de Monique.

Por Julli Rodrigues*

O material de divulgação do álbum Tempo ressalta aspectos formadores de Monique enquanto pessoa, que naturalmente se refletem em sua arte. Criada pela mãe e pela avó, mulheres negras retintas, a artista cresceu ao som de Djavan, Emílio Santiago e outros ícones da MPB. Fez apresentações no interior da Bahia e na Europa, até encontrar a musicalidade de Cuba e incorporá-la à sua arte. O resultado é um trabalho quase todo autoral, essencialmente acústico, permeado por um olhar muito feminino, com letras que tratam de temas como identidades, as águas da Bahia e o amor. Inclusive, haja amor.

As canções românticas marcam forte presença no álbum, vestidas de diversas formas. O tema aparece em “Navegar” (Monique Nascimento/Sebastian Notini) e “Pele Fresca”(Nascimento/Notini), duas das faixas mais influenciadas pela latinidade, sendo essa última uma das melhores do disco, com refrão forte, melódico e facilmente “cantarolável”. Também existe amor em “Morro do Bem Me Quer”, única música não assinada por Monique. O simpático e solar samba-reggae é de autoria do produtor, compositor e multi-instrumentista Munir Hossn.

A cara do verão, propondo “um banho de estrelas frente ao mar”. Por sinal, haja mar. Todo o álbum é, de alguma forma, permeado pelas águas salgadas enquanto assunto. “Barravento”(Nascimento/Notini) e “Correnteza” (Nascimento/Notini) são as faixas que se debruçam mais sobre o tema, sendo a primeira uma autêntica “canção praieira”, que fala sobre “encher o ori de mar”. O mar é tratado como a força da natureza que é, como cenário ou como metáfora. É tão importante que na lentinha “Samba pra Você” (Nascimento/Notini/Felipe Guedes), vem na forma de um lembrete ao ouvinte: “Fiz esse samba pra você não esquecer de olhar o mar”.

Por falar em samba, aquela MPB que Monique ouvia quando criança aparece como influência em outras faixas do álbum. Para além da afetividade ancestral representada na capa – onde a avó da artista, Nena, aparece sentada ao lado de uma quartinha, objeto usado no candomblé, sobre a qual repousa um gramofone -, Tempo também traz ecos de bossa nova, ritmos afro-brasileiros e MPB dos anos 60. Faixas como a introspectiva “T’a Marra” (Nascimento/Camila Costa/Neila Kadhí) e a jazzística “Travessias” (Nascimento) refletem bem essa herança musical. Fechando o álbum, “Sueños/Um Sulamericano Blues” (Nascimento/Notini/Tarcísio Santos) reforça a importância do elo de Monique com a “sua gente”, sua raiz, sua América Latina.

Em postagem no Instagram, Monique definiu seu trabalho de estreia como um disco que traz as “memórias das águas do Atlântico que desembocam em poesia e que dão sentido ao movimento do Tempo”. Com uma sonoridade acústica que por vezes chega a lembrar a obra da conterrânea Joana Terra, Tempo também pode ser definido em quatro palavras: fluxo, afeto, amor e mar. Um disco para ouvir em uma praia tranquila, sentindo a brisa de uma manhã preguiçosa. Com todo o tempo do mundo.

*Julli Rodrigues é jornalista e pesquisadora musical. Mais detalhes sobre a autora aqui.

Monique Nascimento - Tempo
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