As condições não eram as ideais. Ver um show ao lado ou dentro de um carro, com distanciamento social, sem contato humano, com limitação de circulação e sem poder nem chegar perto do palco é quase broxante. Diante do quadro que vivemos desde março de 2020, no entanto, voltar a ver uma apresentação musical ao vivo, com artista e som de verdade, é de uma satisfação e prazer que a memória parecia ter esquecido.
Início da noite do domingo, num estacionamento frio e isolado no Centro de Convenções. O Festival Gastronômico Tempero Bahia promoveu seu evento em modo drive-in. A entrada era um quilo de alimento, mas podia custar bem mais. Comidas e bebidas eram pedidas pelo carro, enquanto no palco se apresentavam artistas de música instrumental. O formato tem limitações e é caro, inclusive para quem produz. Talvez por isso, durante todo esse tempo de pandemia, poucos artistas relevantes musicalmente tiveram shows nesse modo. Naquela noite, o frio do vento com a frieza de ver uma apresentação em um automóvel poderiam tornar a experiência ainda mais inexpressiva.
Para fechar o evento, a banda Skanibais foi selecionada. Foi com um repertório bem tocado de versões que iam de Moacyr Santos a Bob Marley, de Kung Fu Fighting a Monkey Man, que eles fizeram lembrar como música ao vivo faz diferença. A potência das frequência de som batendo no peito e ouvidos torna tudo diferente. A pressão sonora chega diferente, a energia, que às vezes soa só como um clichê repetitivo, circula no ambiente, e a comunicação é direta. É tudo muito diferente do que tivemos em qualquer outro formato novo explorado nos últimos meses. A sensação de estar mais perto de uma volta a shows como algo normal do cotidiano temperou a noite com uma esperança ainda mais apetitosa.
O meu último show ao vivo havia sido em 14 de março, também numa noite já esfriando, com três bandas (Tangolo Mangos, Astralplane e Flerte Flamingo) na Arenas do Sesc, no Pelourinho. Nesse período todo, o contato com música havia sido através de telas grandes e pequenas, gélidas e sem vida, mesmo que, de certa forma, tenha dado conta de suprir uma necessidade interrompida. A carência se mantinha.
Uma apresentação ao vivo faz um efeito diferente. Você é parte atuante do que está acontecendo. Danças, aplausos, gritos ou qualquer reação, mesmo acompanhados à distância, estão ali em sintonia e podendo ser recebido como feedback para quem está no palco ou para outras pessoas do público. Você não é apenas um espectador que ajuda no número de views contabilizados por um algoritmo.
Agora, se nessas condições a sensação é tão grande, imagine quando voltarmos a ver um show em situação mais normal. O que ainda não é uma realidade, mas aos poucos superamos etapas e chegamos mais perto. E ainda, se como público me senti assim, imagine os músicos e artistas que estão parados há os mesmos 18 meses sem shows e sem ter contato direto com a plateia. Mesmo à distância e em pouca quantidade, nunca os aplausos devem ter feito tanto sentido e diferença para quem estava ali produzindo aquelas músicas. A noite de vento frio, que parecia apenas mais uma nessa maratona contra um pequeno vírus, acabou como um sopro de vida real num período de tanta morte.