Se em 2007 já tivemos interessantes nomes gringos passando por aqui, além dos bons shows de Wander Wildner e Zeferina Bomba, o show do último domingo na Boomerangue parece que foi o marco do começo do ano em Salvador. Afinal, dizem que o ele só começa por aqui depois do Carnaval. (Isso sem contar a multidão que foi ver o The Honkers e a Vinil 69 no Nhô Caldos no sábado depois do Carnaval)). Um bom público esteve presente a nova edição do Gira Independente para conferir os shows das bandas baianas Starla e Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta e dos matogrossenses da Vanguart, um dos bons nomes surgidos na atual cena independente nacional.
A Starla começou bem a noite apresentando seu indie rock cantado em português, com bonitas canções e um som ainda ganhando contornos mais particulares. Além das músicas próprias, fizeram um cover de Fagner e uma homenagem a uma das boas bandas baianas paradas, Soma. O público cheio de caras novas e cada vez com menos ranço recebeu muito bem o afoxé-rock “Aquela Dança”, que abriu o show de Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta. Era a chave para um excelente show, onde a banda se reencontrou com seus melhores momentos de alguns meses atrás. Atmosfera criada, público cantando junto os “hits”, banda afiada e um repertório próprio de alto nível. Estavam lá os pequenos sucessos que já soam como marcos de uma época no circuito rock da cidade, “O Drama”, “Noite”, “Obediência”, entre outras.
A noite foi mais ainda de lançamentos para a banda, com música do novo repertório e do segundo disco que deve sair ainda este ano. A banda mostrou estar ainda mais envolvida com a música brasileira dos anos 70, seja nos arranjos, no clima ou na forma de Ronei levar as músicas. Elas pegam menos no tom rock tradicional e focam mais numa sonoridade mais ampla, que em alguns casos ainda vai receber ajustes. Quando funcionaram, no entanto, foi em cheio, desbravando novos caminhos com direito a uso de gaita e chocalho.
Talvez fosse mesmo complicado tocar depois de Ronei Jorge, como disse o vocalista da Vanguart, Hélio Flanders. A banda matogrossense se apresentava pela primeira vez em Salvador e para um público que não conhecia muito bem a banda. Mas nem se importaram e fecharam a noite em grande estilo com um showzaço. Primeiro ponto a favor, o público estava no clima certo, receptivo para algo que pouco conheciam, como tem que ser com uma banda visitante que não toca em rádio e circula pelo universo independente. Segundo, a banda é boa pra caralho, com uma ótima performance em cima do palco.
O repetório também ajuda muito. Mesmo enfrentando um problema com o teclado já na segunda música, o que os obrigou a paralisar o show e deixar apenas Hélio cantando e tocando violão e desfilando um repertório folk com direito a bela interpretação de músicas de Bob Dylan. Teclado normalizado, seguiu-se então um desfile de belas canções a base de violão e cercadas de arranjos com guitarra, baixo, bateria e o tal teclado e de uma sonoridade que passeiam por folk e indie rock. As músicas próprias são especialmente inspiradas e acima da média do que se ouve no rock nacional, bem como a performance e a presença de palco do vocalista. Hélio é como o craque que chama para si a responsabilidade. Canta como poucos, com uma voz bem particular e uma emoção rara, ainda mais em tempos de tanto cinismo. Quase marrento, conquista ainda mais a platéia com olhares, sorrisos e com um modo próprio de interpretar. É o centro das atrações e cumpre muito bem esse papel.
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A banda completa os espaços e faz com eficiência o papel de apresentar os arranjos variados e que muitas vezes surpreende. Referências que vão de Neil Young, Love, Buffalo Springfield e, claro, Beatles. A banda costuma negar uma influência que teriam do Radiohead, talvez nem seja na música em si, e sim na forma como ela ganha variações e ganham um clima a cada interpretação (sem falar no modo emocionado do vocalista). Vai além, passeiam por outros campos. As músicas próprias funcionam mesmo para quem nunca ouviu a banda e isso é um mérito e tanto. Seja em inglês ou português me arrisco a dizer que estão entre as melhores do rock nacional hoje. “Spanish Woman”, “Into teh Ice”, “Cachaça” e claro, o hit “Semáforo”, cantada aos berros pelo público.
O repertório de versões agradaria o mais ranzina dos roqueiros, já que não é todo dia que ouvimos uma banda de garotos tocar Velvet Underground com tanta propriedade. Tudo bem, exageraram no número de covers, mas era festa e todos valeram a pena. Teve três dos Beatles (“Srgt, Peppers”, “With a I Little Help for my Friends” e “Dig a Pony” fechando os how), uma versão bacana de “I Will Survive”, além de uma interpretação nunca tão rock e divertida para “Samba de uma Nota só” de Jobim e inspirada na Bahia, “Baby” de Caetano. E foi natural e quase automático naquele momento as pessoas cantando “moramos na melhor cidade da América do Sul”. Como decretou Hélio, tudo “Divino Maravilhoso”. Showzaço. Que venha Moptop, Montage e Autoramas.
Fotos: Silvia Rodrigues
** Com esse texto estamos de volta a coberturas dos shows que passam por Salvador**