Revista norte-americana inclui álbuns brasileiros em lista de melhores de todos os tempos

Entre os 300 álbuns da lista, aparece Clube da Esquina e Acabou Chorare, vários nomes consagrados, mas também boas surpresas, incluindo artistas do Japão, Coréia, Etiópia, Jamaica e Cuba. Confira a lista completa.

A revista norte-americana Paste Magazine publicou uma lista elegendo os 330 melhores discos da história da música mundial. Como toda lista, há polêmicas, ausências, mas também, boas surpresas. Para nós, a inclusão de dois álbuns brasileiros, um deles no top 10, é um reconhecimento da extensa contribuição nacional para a música mundial. Podia até ser mais, mas diante de mais uma lista ocupada majoritariamente por álbuns norte-americanos e ingleses, como na maioria deste tipo de votação, é uma presença importante.

A votação foi feita por editores, redatores, freelancers e estagiários da revista, que explica que “o critério para o que constitui um ‘grande álbum’, para nós, fica em algum lugar entre influência e atemporalidade”. Não por acaso o maior foco da lista está em álbuns lançados nos anos 1960 e 1990, com quase 80% dos 300. A década mais presente é a de 70, com 77 álbuns; seguido dos anos 1990 com 69, e dos 1980, com 50. Completam a lista em ordem de maior presença, as décadas de 1960, com 39; os anos 2000 com 30 e os anos 2010, com 28. Os anos 1950 aparecem apenas com 5 trabalhos. 

Entre os artistas mais citados, os Beatles continuam imbatíveis em qualquer lista que se preze. Nessa da Paste, o quarteto de Liverpool aparece com 5 álbuns: Abbey Road (1969), em 5º; Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), em 26º; Revolver (1966), em 45º; The Beatles (1968), em 62º; e Rubber Soul (1965), em 128º. Joni Mitchell é a segunda mais citada, aparecendo com quatro álbuns. Os outros artistas que aparecem com mais álbuns são Aretha Franklin, Bruce Springsteen, Bob Dylan, David Bowie, Neil Young e Prince, com três álbuns cada. 

O melhor disco da história, segundo a publicação, no entanto, é Songs in the key of life, de Stevie Wonder, lançado em 1976. Na sequência aparecem Disintegration (1989), do The Cure, na segunda colocação; seguido de Hounds of love (1985), de Kate Bush, em terceiro; Sign o’ the Times, de Prince, em quarto; e Abbey Road, dos Beatles, na quinta colocação. O álbum mais recente do Top 10 é Stankonia, do OutKast, lançado em 2000. Mesmo com apenas 4 anos, o atual anos 2020, já tem duas obras citadas: Fiona Apple com Fetch the Bolt Cutters, de 2020; e Alvvays com Blue Rev, de 2022.

Brasileiros

O primeiro brasileiro a aparecer na lista é o álbum Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento e Lô Borges, que ocupa o nono lugar. Com texto de Matt Mitchell, a revista define assim a obra: “Com malhas de pop barroco e folk, com toques de psicodelia e MPB, o Clube da Esquina se inspira tanto nos Beatles quanto em Chopin, criando um dos projetos sul-americanos mais ricos já compostos. Com 64 minutos de duração, o álbum duplo nunca supera a sua própria criatividade”.

E completa: “Do começo ao fim, as notas e sons notáveis de Nascimento e Borges, que viam a música clássica e pop como iguais, que imploravam para ser eternizadas juntas em canções, fazem de Clube da Esquina o maior álbum brasileiro de todos os tempos”.

O outro brasileiro presente é Acabou Chorare, lançado pelos Novos Baianos também em 1972, e que aparece na 51ª posição. O mesmo jornalista trata assim o emblemático trabalho: “Foi uma mistura perfeita de samba rock e música da tropicália feita na esteira da ditadura militar em curso no Brasil e dos pares oprimidos da banda. Instrumentalmente, Acabou Chorare é impressionante; liricamente, o álbum é esperançoso em um momento em que não deveria”.

E complementa: “Todo o projeto é cheio de paixão e de uma audição fácil e única, ensolarada. Dançante e sublimemente notável, Acabou Chorare é acessível a muitos e é uma obra-prima edificante, em grande parte não replicada desde então. “Preta Pretinha” e “Brasil Pandeiro” são cheias de esplendor melódico, e os tons mais lentos que surgem em “A Menina Dança” e “Acabou Chorare” apenas colorem ainda mais a dimensionalidade das joias do samba uptempo. É um álbum que não para de elogiar suas próprias partes móveis, uma máquina bem lubrificada bordada com alegria e romance inebriantes.”

Ásia, África e América Latina

Apesar de privilegiar artistas anglo-americanos, a lista da Paste inclui, além dos brasileiros, alguns artistas de países latino-americanos, África e até asiáticos. Muito menos do que poderia e deveria também, mas muito além do que essas listas costumam citar. O que revela um molhar mais cuidados e oferece ao leitor uma oportunidade de conhecer trabalhos além do óbvio, o que qualquer lista deveria fazer, inclusive,

Aliás, é uma feliz surpresa ver cinco álbuns vindos da Ásia, de quatro artistas japoneses e dois sul-coreanos. Um desses japoneses é a Fishmans, uma obscura e instigante banda que mescla dub, dream pop, hip, hop, ska, entre outras sonoridades. O grupo não só emplacou dois álbuns Long Season e Kuuchuu Camp, como o primeiro deles foi considerado o sétimo melhor de todos os tempos, o segundo, na 153ª posição. O trabalho, de fato, é uma delícia.

Sexto álbum lançado pelo grupo, Long Season se resume a uma faixa única de 35 minutos de duração dividida em 5 partes. Uma suíte onírica, uma experiência imersiva de dream pop, dub, neo-psychedelia e experimentações, entrelaçados por pianos hipnotizantes, um baixo marcante, teclados, guitarras, programações, em meio a coros, assobios, sinos, violino, acordeão, órgão, entre outros. Daqueles discos que você não entende por que nunca tinha ouvido falar antes e deixa o ouvinte de queixo caído. Para isso servem listas.

Completam a lista de japoneses o músico de jazz, rock, funk e soul Tatsuro Yamashita com For You (1982), em 135º; o compositor e designer de som Hiroshi Yoshimura com Music For Nine Post Cards (1982), em 278º, e a banda de sludge/doom metal band Boris com Pink (2005), em 142º. Da vizinha Córeia do Sul, apareceram a banda de korean folk, rock psicodélico e blues setentista Shin Joong Hyun & Yup Juns com 신중현과 엽전들 (1974), em 281º, que vendeu um milhão de cópias, e o grupo de rock dos anos 80 e 90 Deulgukhwa, conhecidos como “Beatles da Coreia”, com o álbum 들국화 (1985), em 294º.

O aspecto mais negativo da lista talvez seja a enorme ausência da música africana, que aparece com apenas um álbum de artista. O único é Éthiopiques, Vol. 7: Ere Mèla (1975), do cantor etíope Mahmoud Ahmed, em 266º. Nada de Fela Kuti, Salif Keita, Miriam Makeba, Cesária Évora, Mulatu Astatke ou Manu Dibango. Infelizmente, a inexistência de nomes africanos em listas deste tipo é o mais comum.

A América Latina é também pouco lembrada, além dos dois brasileiros, apenas três outros trabalhos. Um deles é o projeto com artistas cubanos Buena Vista Social Club, em 198º, com o álbum de mesmo nome (1997), organizado pelo executivo Nick Gold e produzido pelo guitarrista norte-americano Ry Cooder. Aparecem ainda dois jamaicanos: a modelo, cantora e atriz Grace Jones, radicada nos Estados Unidos, com o clássico da new wave Nightclubbing (1981), em 212º, e o mestre Bob Marley and the Wailers com Burnin’ (1973), em 283º. Ele poderia tranquilamente ter outros álbuns citados. No ambiente latino, aparece ainda o legendário cantor espanhol de flamenco Camarón com La leyenda del tiempo (1979), em 291º.