O cantor e compositor pernambucano Siba acaba de lançar seu terceiro disco ‘Coruja Muda’ e fez um faixa a faixa falando de cada uma das músicas.
O pernambucano Siba é um dos principais nomes da música brasileira atual. Como poucos, ele tem a maestria de unir ritmos e poesia, soando contemporâneo, tradicional e popular. Sem delimitações. Consegue unir formatos, formações, conceitos e provocações, sem necessitar separar as referências pelo tempo ou espaço. Como poucos, ele apresenta uma discografia valiosa e intensa, que sobrevive incólume ao tempo e às modas.
Em seu terceiro disco solo, ‘Coruja Muda’, o cantor e compositor aprofunda sua proposta de usar ritmos à serviço de sua poesia e vice versa. Sempre evocando a cultura popular Nordestina, especialmente da Mata Norte pernambucana. Coco de Roda, de embolada, rural, zambê e toré soando como contemporâneos. Uma riqueza rítmica alimentada pelo convívio harmonioso de instrumentos que poderiam soar díspares, como guitarra e rabeca, synths e acordeon, tuba e guitarra. Não para Siba. Como poucos, ele utiliza esses elementos a seu favor.
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Siba utiliza a força da subjetividades. Trata de uma poesia inventiva, precisa e profunda. Acessível, mas não óbvia. Certeira, mas não panfletária. As sutilezas com inspiração nas tradições de poesia oral do Nordeste, na música da diáspora africana e seu refluxo na música moderna do continente. Tudo isso aparece em ‘Coruja Muda’, com suas 11 faixas de versos curtos e refrões insistentes, com temas alongados e temáticas incisivas. Nas sutilezas trata do microcosmo para falar da humanidade. A seu modo, faz uma reflexão do ser político e animal que somos.
O disco traz oito músicas inéditas do próprio Siba, além das regravações de “Toda Vez que eu Dou Um Passo…” e “Meu Time”. Traz ainda a inédita “Azda”, uma versão criada pelo artista para o clássico composto originalmente por Franco – importante artista africano dos anos 70.
Produzido por João Noronha, em parceria com o próprio Siba, ‘Coruja Muda’ está disponível em todas as plataformas digitais. O lançamento da EAEO Records e YB Music traz diversas participações especiais. Entre elas, as vozes de Alessandra Leão, Chico César, Mestre Anderson Miguel e Renata Rosa. E nos instrumentais de Arto Lindsay (guitarra), Dustan Gallas (teclados / synth), Edgar (ultraste), Galego Do Trombone (trombone), João Minuto (sax tenor), Leandro Gervázio (tuba), Lulinha Alencar (acordeon), Ricardo Carneiro (violão), Roberto Manoel (trompete).
Siba fala sobre ‘Coruja Muda’
“A verdade é que todo disco começa quando o anterior é lançado. Ou antes. Não é difícil que eu me pegue já enfadado do presente e projetando um futuro inventado, ainda nos processos de gravação. Mas é na estrada que as questões em aberto de um projeto começam a se mostrar e exigir respostas no próximo. Do Avante (2012) para o De Baile Solto (2015) tinha a reincorporação da rítmica perdida e a dimensão política, impossível de desviar. Quando rítmica, poética e política entenderam-se, eu já tinha um corpo de esboços de textos aleatórios que continham imagens de animais, de gente-bicho ou de bicho-gente”, explica Siba
Ele prossegue: “Carreguei por um tempo a dúvida sobre o que diabo fazer com aquilo, até perceber que justamente a indefinição dos limites que separam e conectam o homem e o animal podia ser o ponto de ligação. A gente não sabe muito bem onde termina o bicho e começa o homem em nós. Usamos alegorias animais para exaltar e para depreciar. Às vezes tratamos bicho melhor que gente e ao mesmo tempo escravizamos os animais do mesmo modo como ainda escravizamos pessoas. Brinquei com essa ideia em várias direções e deu na Coruja Muda, que me observa e nada diz”, explica.
Ouça ‘Coruja Muda’ acompanhando o faixa a faixa
Faixa a faixa:
“Só é Gente Quem Se Diz”
“Se divide em duas partes. A primeira é uma embolada em décimas, a segunda um arremedo irreconhecível de axé. A bicharada deita e rola superando a humanidade, em coerência e dignidade, ao longo da letra.”
“Tamanqueiro”
“É uma carta real, escrita em ritmo de embolada, com o objetivo de encomendar um Tamanco para uso diário. É verdade esse bilête. Na parte instrumental em que o Tamanco é fabricado, escuta-se Arto Lindsay, Edgar, Rafael dos Santos e Dustan Gallas trabalhando com dedicação.”
“Barato Pesado”
“É um frevo abolerado ou o contrário. Panfleto místico de exortação à conversão imediata e absolutamente necessária a qualquer forma de culto à vida e à alegria do presente. Hino da festa como elemento básico de exaltação religiosa.”
“Tempo Bom Redondin”
“É correria inútil contra o tempo que a tudo atravessa. Hino à preguiça e atualização da cansada tese de que não vale a pena levar nada tão a sério. Quem toca Synth nela é Dustan Gallas”
“Coruja Muda”
“Foi inspirada em um áudio de Fábio Trummer solicitando ao fotógrafo José de Holanda as condições meteorológicas perfeitas para uma foto a ser feita. Discorre sobre o que por ventura venha a ser uma parte de minha parte bicho nessa história toda. Quem canta no final a voz da Coruja é Chico César e o Pajé é Mestre Nico”
“Daqui Pracolá”
“Em “Daqui Pracolá”, fauna e flora de minhas vivências de infância no Agreste Pernambucano brincam de vida e lutam de morte. Tive essa sorte de ter família com lastro forte no interior, natureza fofinha não é muito a minha…”
“Carcará de Gaiola”
“Tem bicho que não foi feito pra gaiola. Quando está preso, carrega muitos pra dentro consigo. Não consegui evitar o Baque Solto, nem nesse disco. Na orquestra, Galego do Trombone, Roberto Manoel e Maestro Minuto, da Fuloresta.”
“Azda”
“É um atestado definitivo da cara de pau e falta de noção deste poeta em se meter a fazer uma versão de um clássico da música congolesa que sempre o
assombrou pela beleza. Antes de desistir descobri que a música era na verdade um jingle de Franco para uma loja da Wolkswagen em kinshasa. Nada é tão sério assim, afinal de contas.”
“O Que Não Há”
“Em “O Que Não Há” dou um passo em direção ao verso não metrificado, embora não chegue longe. Tem muito mais influência das longas canções de Franco com a banda OK Jazz nos anos 70 do que seria capaz de esconder. Fala da violência muda da classe média brasileira.”
“Toda vez que eu dou um passo / O mundo sai do lugar (Slight Return)”
“É a versão atualizada desta música que sou obrigado a tocar mesmo quando não quero. Atravessou todas as mutações que meu trabalho sofreu desde que ela existe. É a música que fecha os shows também.”
“Meu Time”
“É a segunda faixa extra do disco. Tá aí porque cresceu muito com as versões e os anos de estrada e pra provar que não sou oportunista. Fiquei calado na Copa e relancei a faixa fora de época mais uma vez.”