Por mais que muitas vezes camarotes, blocos e o poder público se esforcem para o Carnaval de Salvador se tornar apenas uma grande micareta fechada e privada, a festa tem ainda nos movimentos espontâneos, nas forças criativas, nos ritmos populares e na criatividade do folião seu grande trunfo. Infelizmente, não foi ainda esse ano que a queda de braço contra estas forças – blocos, cordas, camarotes e grandes estrelas – pendeu para beneficiar o folião pipoca. Temos algumas novidades na festa, fruto principalmente do primeiro Carnaval de fato da nova gestão da Prefeitura. Mas são ainda os grande nomes, aliados com o Conselho de Carnaval e sem um enfrentamento dos poderes públicos, que continuam ditando horários, ordem de desfile e a organização da festa.
As novidades do Carnaval
Há mudanças, no entanto, e entre elas as mais significativas, em se falando de programação e atrações, envolvem a diminuição do trajeto do circuito Osmar – Campo Grande. O trajeto agora não mais terá a volta pela rua Carlos Gomes, com blocos e trios se dispersando na Praça Castro Alves. Provavelmente com isso, a praça volte a ser melhor ocupada e disputada. Outra novidade é a consolidação do Afródromo, com desfile destinado aos blocos afro, ainda no circuito oficial, mas com mais espaço e horário mais justo. A grande novidade para o folião, no entanto, é a criação do projeto Furdunço, voltado para micro, pequenos e médio trios, com atrações de cunho mais artístico e em horários específicos.
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Guia do Carnaval de Salvador em 2014.
Com a criação do Furdunço e o entendimento entre Prefeitura e Secretaria de Cultura do Estado há um ganho de um lado, mas uma sensação de retrocesso em outro. O projeto Carnaval Pipoca do órgão estadual, implementado em 2008, a cada ano ganhava mais força e credibilidade, mesmo com trios elétricos em geral de baixa qualidade, horários ruins e desprestígio popular em muitos momentos.
Não era uma luta simples entrar num modelo viciado mercadológica e artisticamente e implementar mudanças. O processo estava sendo gradual, com um entendimento de que nem todo mundo tem cacife para encarar público no Carnaval e que seria preciso fornecer tanto equipamentos mais adequados, quanto brigar por espaço e horários melhores. Uma briga difícil e que ia levar tempo, mas já mostrava avanços e ocupava espaços. Quem viu nomes como BaianaSystem no Carnaval passado sabe do que estou falando.
A aposta este ano, no entanto, foi tirar as atrações do Carnaval Pipoca dos grandes e caros trios elétricos, colocando-as em trios menores. Musicalmente talvez seja um acerto, pois “domar” um trio não é fácil, seja pelo som muitas vezes precário, seja pela distância entre artistas e público. A qualidade de som agora tende a ser melhor, com menos estridência, com um aparato mais simples e menores custos, além de mais proximidade com o público. Sem dúvida uma grande vantagem são os custos que diminuem bastante para a Secretaria de Cultura, logo para o bolso do cidadão.
Pouca projeção aos novos
Se antes, porém, com grandes e precários trios era como se os artistas disputassem a primeira divisão com um time inferior, agora está se jogando a série B. A atenção para trios menores pela mídia, o público atingido e o alcance vão ser bem menores. Logo o processo de crescimento tem grandes chances de ser interrompido. Os grandes vão continuar grandes e ocupando os melhores espaços e horários. Continuará quem tem mais recursos e não necessariamente mais qualidade artística comandando a festa. E, claro, se vendendo como se fosse o próprio Carnaval de Salvador. Os artistas mais novos, que têm surgido com preocupação artística e que tem mostrado novidades, ficarão submersos em meio a tantos trios gigantes e barulhentos e blocos enormes com milhares de associados.
Pior, se antes os trios do Carnaval Pipoca tinham horários ruins, ao menos eram mais uma opção diária para quem gostaria de ver outras sonoridades atrás de um trio sem cordas. Eram 20 trios com atrações locais e de fora do estado, se revezando em dois desfiles por dia em cada circuito, oferecendo opção para quem não quisesse ser apertado pelas cordas de blocos.
Mesmo que nem todos conseguissem fazer os desfiles adequados, alguns se saíam bem e eram boa alternativa. Além de ser uma proposta nova que o grande público com o tempo poderia entender e aproveitar melhor. Este ano o projeto se resumiu a oito micro trios em 13 horários diferentes, quase nunca nobres. O Retrofolia, por exemplo, começa seu desfile na quinta-feira, dia 27, às 00h30, depois de todos os blocos.
Furdunço mantém velha lógica
Este ano, o projeto Furdunço tem sido tratado como a grande novidade e espaço para a diversidade. Segue, no entanto, a mesma lógica. Foram reunidos vários artistas em um único cortejo com horário definido: abrindo o Carnaval do Campo Grande na sexta-feira, dia 28, e fechando o circuito Barra-Ondina, na segunda-feira, dia 3. Não é mais uma opção no meio da festa, é uma programação específica em horários específicos e não tão concorridos. Agora não se joga apenas a série B, mas também não se terá transmissão e muito pouco do público geral vai ser atingido. Ou seja, a queda de braço continua pesando em cima de quem tem mostrado alguma novidade e criatividade dentro da música baiana.
Evidente, que esses péssimos horários oferecidos aos trios independentes já é a regra há alguns anos. Não é novidade. Alguns ainda conseguem sair com mais dignidade, mas são exceção. Importante lembrar também, que além dos trios da Secult e do Furdunço, há ainda os trios independentes da Bahiatursa e alguns outros, que oferecem mais algumas opções par ao folião pipoca. Assim mesmo, ainda é muito pouco diante do que é a grandeza do Carnaval de Salvador e dos imensos blocos que ocupam o espaço público, como se fossem loteamentos particulares.
O imperdível no Carnaval
Assim, mesmo o Carnaval de Salvador ainda guarda momentos, atrações, artistas, shows, blocos e trios elétricos imperdíveis. Desde alguns mais tradicionais, como a saída do Ilê Aiyê ou a passagem do Filhos de Gandhy. Ainda a tranquilidade de pular como pipoca atrás dos trios independentes de Armandinho, Dodô & Osmar, Moraes Moreira e Gerônimo. A ousadia da Mudança do Garcia e mesmo o encontro de trios.
Até as iniciativas mais novas. Cabe o desfile do Cortejo Afro, os trios de samba no Campo Grande, o próprio cortejo dos microtrios no Furdunço. Ou também as festas e shows nas praças e largos do Pelourinho, o Retrofolia. E, claro, a maior novidade da festa dos últimos anos, o desfile do Baiana System. Para muitos Carnaval em Salvador é apenas a desgastada Axé Music e seus artistas sem muito conteúdo. Quem está ligado nas novidades na cidade, porém, sabe onde encontrar muito além do óbvio e curtir um dos Carnavais ainda mais interessantes do planeta. O el Cabong fez uma seleção do que vale a pena curtir no Carnaval de Salvador em 2014 (veja aqui).