Magary

Magary: Um novo balanço afro pop na Bahia

Magary é uma das apostas para o verão de 2012 e um dos poucos caras que podem hoje na música baiana, e talvez brasileira, juntar diversão e música sem abrir mão de qualidade. Um autêntico fruto popular baiano, já que só na Bahia um músico engendrado no ventre de bairros populares assimilaria Black Music, música africana, samba, percussão e tornaria isso pop com sabor tropical em medida similar com o que a Axé fez no seu início.

Ao contrário de quase tudo que é popular hoje e cai nas graças do grande público, a música de Magary não é fundamentada em adaptações mal feitas, não é tosca e por isso engraçadinha e por isso abraçada pelas classes supostamente mais bem informadas. É simples, divertida, pra dançar, mas bem feita, inteligente e espontânea.

Magary vive agora um momento decisivo em sua carreira. De um artista independente de fato, com dois discos lançados, sem gravadora, sem grande produtora por trás e com estrutura voluntariosa, o cantor e compositor assinou com a 8Bisz, agência de marketing promocional formada pelo grupo EVA, Lícia Fabio Produções de Eventos e pela empresária Pagana Carvalho.

De início já deu novo rumo, gravando DVD no Teatro Vila Velha, entrando na programação do palco 2 do Festival de Verão e do Reveillon do Farol da Barra, iniciando temporada no point dos novos e jovens ricos de Salvador, mesmo sendo essencialmente destoante a esse universo. É uma das caras de uma nova música baiana, que consegue flertar com os tradicionais ritmos de Salvador, mesclando com referências externas, criando uma sonoridade típica das ruas da cidade sem se render a fórmulas e modas efêmeras.  Conheça um pouco mais de Magary num perfil escrito originalmente para a revista BeQuadro:

Magary Lord mistura black music americana com semba angolano e cria estilo próprio

Ele já se apresentou em várias partes do mundo, tocou com nomes como Luiz Melodia e Gilberto Gil, tem músicas gravadas por Seu Jorge, Bebel Gilberto, Ivete Sangalo e Saulo Fernandes. Francisco Pereira Chagas, no entanto, só foi se sentir completo artisticamente quando decidiu que iria fazer e cantar sua própria música. Aos 35 anos, esse baiano do bairro do Ogunjá, em Salvador, vem chamando atenção pela mistura sonora criada por ele mesmo. Black Semba foi como Magary, codinome adotado por Francisco, batizou sua música, uma fusão de várias referências que foi pescando nos seus quase vinte anos de carreira. Ela é, entretanto, especialmente feita do encontro da Black Music norte-americana com o Semba angolano, “ritmo que é o pai do samba”, como ele mesmo enfatiza. É com essa sonoridade que ele quer mudar a música baiana.

Magary é um dos nomes que vem mostrando atualmente uma nova faceta na música afro pop baiana. Fugindo de clichês e de formatos engessados que têm marcado esse universo da música feita na Bahia, nomes como Orkestra Rumpilezz, Opanijé, Russo Passapusso, Dão, Peu Meurray, Dubstereo, Orquestra Afro Sinfônica e Magary vêm mostrando um novo momento. Cada um deles a sua maneira vem captando influências soltas pelo mundo e temperando com sonoridades caracteristicamente baianas. Não assimilado ainda pelas rádios, esses artistas têm revelado uma música carregada de personalidade, naturalmente negra e com traço, essencialmente, percussivo.

Foi justamente a percussão quem deu régua, compasso e coragem para Magary deixar tudo de lado para se tornar artista. Tocando de forma amadora desde quando ganhou um atabaque do irmão aos 12 anos, foi só ao completar 18 anos, depois de um período trabalhando de office boy na Caixa Econômica, que pôde sacar o dinheiro que guardava na poupança e dar de fato o pontapé inicial na carreira. “Tirei o dinheiro, comprei todos os instrumentos e montei minha primeira banda de percussão, a Suingue e Sedução. Minha mãe foi à loucura e perguntou ‘Cadê o dinheiro que tava guardado?”. Mal sabia ela que era apenas o início da carreira musical de Magary.

O nome artístico a mãe já conhecia sem saber. Ainda criança, o pequeno Francisco saia para brincar depois de ver televisão. O sucesso no período era o seriado japonês Jaspion. Mas enquanto todos queriam ser o herói, restava para ele ter identidade própria e se assumir como o filho do vilão Satan Goss, MacGaren, ou Magary, em bom baianês.

Fusão rítmica
Foi desde essa época que ele começou a receber as influências para a música que iria fazer anos mais tarde. Camisa número 11 de doze irmãos, como gosta de dizer, se encantou com a música ouvindo os discos da família. Cada um ouvia um tipo de música. Os pais iam de Wilson Simonal, Roberto Carlos, Nelson Gonçalves, alguns irmãos ouviam James Brown, Tina Charles, Donna Summer, Funkadelic, enquanto outros partiam mais pra praia do samba, com Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Cartola. Mas a influência decisiva vinha da própria terra. O enorme campo perto de casa, entre Brotas e Ogunjá, servia para passagem de som dos trios elétricos que iam para o Carnaval. “Aquilo me fascinava, ficava maravilhado com a batida do bumbo”, conta.

A carreira seguiu adiante. Depois de formar outras bandas, viajar por diversos países acompanhando outros artistas e tocar com muita gente, Magary queria montar um trabalho próprio, motivado, segundo ele, pela falta de novidades na música em Salvador. “Eu tava a fim de fazer uma coisa diferente, que criança, adulto, velhinhos, todo mundo pudesse dançar. Uma música alegre, dançante, divertida, com letras positivas, contando histórias engraçadas e de uma forma bem espontânea”.

Juntou todas as referências, influências, sonoridades e ritmos que conheceu desde a infância e nas viagens que fez, e, em 2005, criou o projeto Afro Black Semba Bahia. Dois anos depois, de forma independente, lançou o primeiro disco, ‘Magary Black Semba’, que formatando sua ideia de fusão rítmica, algo tão característico na Bahia. O segundo disco, ‘Escutando Magary’, lançado este ano, também de forma independente, consolidava as misturas. Nele, hits automáticos como ‘Pegada de Dodó’ e ‘Joelho’ – essa com candidata a música e dança do verão -, mostram que o potencial pop de Magary é enorme. Em ‘Inventando Moda’, ele segue a ideia do título, numa divertida homenagem à Michael Jackson cria moda a seu próprio estilo. Referências do pop mundial para uma música pop autenticamente baiana.

Os discos dão uma bela mostra da música criada por Magary: ritmos dançantes latinos, africanos e baianos translançados com forte pegada percussiva, baixo suingado, muito groove e linhas de guitarra angolanas. Segundo ele, o Black Semba não é um movimento, “é uma coisa nova pra ficar, um ritmo novo, no qual fiz muito laboratório e pesquisas”. Para isso, mergulhou na negritude da música mundial, “o recheio”. “Peguei a batida de Angola, coisas da África, a dança, os costumes, a black music, soul, funk, samba rock, trouxe todos esses elementos juntei com samba, chula, ciranda, maxixe, agreguei tudo num só e criei o Black Semba”. Como ele mesmo diz na música ‘Sábado a Noite’, uma mistura de carimbó, atabaque e funk, e muito mais.

Uma sonoridade que remete de certa forma ao que era a música baiana carnavalesca antes da indústria tomar conta de tudo. Especialmente no espírito. Espontaneidade, leveza, uma dose de malícia musical, muito groove, balanço, letras simples, diversão acima de tudo, mas com uma preocupação maior com música do que com a fórmula da moda do momento. “Por favor, gente, não tire os pés do chão não, continuem com os pés no chão”, decreta, se distanciando do modo imperativo descerebrado da Axé Music.

Independente
O resultado desse cuidado com a música, aliado ao convite direto para mais pura diversão, ganha nos shows ainda mais força. Se compondo Magary é meio que um Carlinhos Brown, com suas antenas abertas para ritmos e referências diversas, no palco ele remete a um James Brown misturado com Wilson Simonal. Claras e assumidas influências do cantor e compositor. As danças diferentes, o astral, a energia, o jeito como conduz e ferve banda e público, as expressões próprias que inventa e usa, mostram no palco um cantor que, se não tem a voz mais fantástica e impactante, tem um controle e carisma irresistível.

Essa combinação tem dado muito certo. Os shows de Magary costumam arrastar um bom e fiel público, que canta em coro quase todas as músicas, mesmo elas não freqüentando as programações das rádios. Como tem chegado ao público? “Acho que foi tudo muito pela Internet, a gente posta muito vídeo no YouTube e isso fez com que a galera conhecesse as músicas. Acho também que por a gente mostrar algo novo numa cidade carente de novidades ajudou também”, tenta explicar.

As dificuldades em fazer música em Salvador, principalmente para quem é independente, ele parece já tirar de letra. “Eu construí minha própria carreira durante esses dez anos sem empresário, sem ajuda de ninguém. Chamo isso de atitude, tem que ter atitude para montar um trabalho que ninguém conhece sem essa estrutura”.

Mesmo sem gravadora, sem empresário, com um trabalho totalmente independente, Magary vem chamando atenção. Suas músicas já começam a rondar o mundo mais comercial da música brasileira, em especial o universo da Axé Music. Aliás, a primeira gravação de uma música sua foi justamente desse meio. Saulo Fernandes, da Banda Eva, gravou a primeira, ‘Chaleira’ e, recentemente outra, ‘Circulou’. O cantor acabou participando dos dois discos de Magary e se tornando um parceiro. Uma outra música sua não só entrou no projeto ‘A Casa Amarela’, onde Saulo e Ivete Sangalo cantam para crianças, como é a que dá nome ao CD. O Araketu também se rendeu e gravou ‘Joelho’, cantada por Larissa Luz. Seu Jorge foi outro que descobriu sua música. Compôs junto e gravou ‘Pessoal Particular’ – que depois ganhou versão de Bebel Gilberto – e agora vai gravar ‘Mudança’.

“Quero meu espaço”
Aos 35 anos, pai de Júnior, 15; Francine Morena, 12; e Kalind Maiara, 9; Magary já enfrentou momentos difíceis para se firmar no mundo da música. “Às vezes eu falava pra minha comadre não comprar um quilo de feijão e sim meio quilo, por que tinha de sobrar pra pagar o estúdio”. Teve situações que chegou a pensar em desistir da música. “Uma vez eu cortei o cabelo e pensei em trabalhar no sistema. Estava muito desestimulado, desacreditado, principalmente quando ouvia essas músicas de má qualidade, que tocam nas rádios, que atrapalham na educação das famílias e contribuem com a violência e com as drogas”, diz chateado.

E se tem um tema que o deixa triste, é justamente o sucesso dessas músicas na capital baiana. “Salvador é uma cidade rica musicalmente, de conceitos musicais maravilhosos, mas, às vezes, eles não têm oportunidade de mostrar seus trabalhos. Essa música plastificada atrapalha muito. Atrapalha a musicalidade, a cultura de nossa terra. Você chega em outro país e acham que aqui é só esse ‘axé babá’. E não é, aqui tem música boa”.

Questionado que música ruim é essa, ele desvia e prefere não citar nomes diretamente, mas não é difícil acertar o que pensa. “Música de má qualidade é essa feita sem coração, sem sensibilidade, uma música plastificada, que os empresários compram e inserem no mercado e ocupa nossos lugares”. Assim mesmo, a ideia de cortar o cabelo e desistir ficou para trás, “o cabelo cresceu e a música também”. O incômodo com a tal música plastificada permanece, mas agora soa mais como um desafio a superar.

“Sou muito magoado com esse tipo de música, sou triste com isso, mas eu estou aqui e quero mudar isso, quero ao menos dar minha contribuição, que é com minha música. Eu sou ousado e quero meu espaço, não quero o espaço de ninguém. Tenho um objetivo, não vou desistir. Eu respiro música, se não fosse musico seria o próprio tambor”.

  1. Verdade, cara, lembra os primórdios do axé no quesito espontaneidade.
    Antes do toque de Midas pelo avesso da indústria.
    Gostei, tomara que estoure nacionalmente.
    Tá mais do que na hora de colocar esses figurões da Axé pra dormir um pouco – embore ele se relacione bem com eles/elas.
    Hay que endurecer pero sin perder la ternura e tb tem que se pagar o leitinho das crianças.
    É compreensível.

    PS: Muito foda/linda mesmo a última frase.

  2. mas quem faz a música plastificada? não sei, não compro que o “axé do início” era melhor porque mais puro. a essência da música é parecida (não conheço uma música triste de axé), até as figuras são parecidas, a questão é geracional e de esgotamento da criatividade mesmo.

    1. Bom, ouve ‘Protesto Olodum’, diz se é a mesma coisa de ‘Olodum tá rico Olodum tá pobre’, só pra dar exemplo de duas músicas de um mesmo grupo fora do axé-system mais branco e famoso hoje. Isso falando do teor. Agora compara a leveza, a quase inocência de “Jubiabá”, “Mistério das Estrelas” ou sei lá, “Cometa Mambembe” com as fórmulas que se seguiram a partir dos anos 90. Não é saudosismo, foi uma posição de mercado, a partir do início dos anos 90 quem passou a fazer música não foram mais compositores, foram empresários, ou eles mesmo ou por encomenda. Deixou de ser o contar histórias ou visões de um universo de pessoas que andavam pelas ruas para ser música pré-fabricada em escritórios.

  3. Quando lembro do tempo que eu ia assistir Magary no Sankofa e hoje vejo ele com esse merecido reconhecimento, fico emocionado. Vida longa a Magary e a sua música!

  4. O texto tá massa. Conheci Magary lá no Galpão Cheio de Assunto. Todo domingo ele ia dar uma canja com Peu Meurray, cantando “Sábado à noite”. E todo mundo no ombrinho…

  5. queridos amigos, acredito que não querer nem conferir pra ver do que se trata é uma postura um tanto baixo astral… vamos todos marcar em um evento que magary esteja tocando, assistir o show e depois conversar a respeito!
    😀
    eu já assisti a alguns shows e minha opinião é bem parecida com a de luciano, acho que ele, juntamente, principalmente, com baiana system, são as demonstrações de que a musica pop baiana ainda tem muitas (e boas) possibilidades.
    abraços a todas e todos.

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