Banda paraense La Pupuña mostra força da lambada numa mistura com surf music, ritmos latinos e eletrônica.
Se você ainda acha que a lambada surgiu na Bahia e considera o ritmo meio morto, precisa rever seus conceitos. Vindo originalmente do Pará, com forte influência dos sons da vizinhança caribenha, o gênero ainda tem produção por lá, especialmente em sua versão instrumental tocada com base na guitarra, batizada como guitarrada. Inspirados nos velhos mestres, nomes das novas gerações, como a banda La Pupuña (myspace.com/lapupuna), têm atualizado e levado essa sonoridade mundo afora.
É esse som, mesclado com surf music, ritmos latinos e com elementos modernos, que a banda apresentou-se no Carnaval de Salvador, num trio ao lado da banda Retrofoguetes, fazendo uma mistura das escolas de guitarrada do Pará com a guitarra baiana. Ao lado do instrumentista Pio Lobato e dos velhos, mas ainda atuantes, mestres da guitarrada, a La Pupuña é um dos nomes que vem disseminando o formato pelo Brasil. Assumidamente ou não, artistas como Vanessa da Mata, Kassin, a banda Autoramas e até na Timbalada têm assimilado elementos da sonoridade paraense.
“A gente diz que a guitarrada não é um ritmo, é um sotaque, ela não tem uma batida própria, uma parte percussiva. Ela é um jeito de tocar guitarra com bases variadas, às vezes em carimbó, às vezes em xote, às vezes até em merengue ou cumbia”, explica Luis Felix, guitarrista, vocalista e um dos compositores da La Pupuña.
Das novas gerações, a banda é nome de destaque, levando a guitarrada adiante, para fora do estado e até do país, em países como Alemanha, França e Estados Unidos. A La Pupuña surgiu da curiosidade de seus integrantes com aquela especialidade local, a partir de um projeto de pesquisa de Félix com alguns colegas no curso de licenciatura em música da Universidade Estadual do Pará, com a temática da guitarrada e seu sotaque próprio.
Depois de pesquisar os discos, ir às casas dos mestres que tocavam e entender as suas inspirações, estavam tão mergulhados naquele universo que passaram a ter vontade de compor. Como já eram guitarristas com projetos diversos, partiram para gravar algumas faixas no formato da guitarrada, que logo foram executadas numa rádio local. Acabaram sendo chamados para tocar ao vivo e decidiram montar definitivamente o grupo.
O nome La Pupuña foi sugerido por um amigo de Félix. “Era um nome de um time de futebol da rua dele, uma sátira ao time espanhol La Coruña. Pupunha é um fruto espinhoso típico da região. Guardei esse nome porque a gente tinha idéia de fazer um som regional, mas com pitada latina”.
Apoderados do sotaque da guitarrada, a banda aproveitou para combinar coisas que a geração deles ouvia, como o rock e a surf music, e mesclaram ainda mais, criando uma sonoridade própria e interessantíssima. “Brincamos com o surf da Pororoca. Assim como a surf music é a música instrumental na guitarra feita na beira do mar, a guitarrada é a música instrumental na guitarra feita na beira do rio”, diverte-se Félix.
Assim como foi em toda história da guitarrada, a mistura foi muito bem recebida, parecendo ter sido criada para soar daquela forma. A banda criou um estilo próprio e contribuiu para o avanço da guitarrada.
Influências – A sonoridade da guitarrada traz duas guitarras tocando juntas e em solo, com um teclado também solando e fazendo o mesmo sotaque, aliado a força da percussão. O resultado é uma música irresistível e de fácil assimilação, que a La Pupuña se encarregou de temperar ainda mais. “Em Belém, a gente faz música e ela sempre tem um balanço, parecido aqui com Salvador”.
Toda a criação dos veteranos mestres da guitarrada, como Vieira, Aldo Sena, Curica e, também, o contemporâneo Pio Lobato, serviu de influência para a banda. Assim como a surf music de nomes como Beah Boys, Surfaris e Dick Dale. Outra influência que é bastante conhecida aqui na Bahia, apesar de pouca gente saber de fato quem são eles, são os Les Aiglons. A banda formada no Haiti nos anos 70, estourou na década de 80 com hits como “Cuisse La”, conhecida como “Ti piti piti”, “Yo Vouai Ou” ou “Ail Couyonner”. Lembra daquele vinil de capa vermelha “Lambadas Internacionais Vol. 6”? Tinha muita coisa deles ali.
O som dos haitianos era altamente dançante e de pura psicodelia nos timbres, com teclados e sopros se misturando loucamente. “Eles tinham a grande sacada de saber fazer o balanço, de finalizar uma frase e já entrar solando com outra, como se fosse um grande pot-porrit de uma musica só”, diz Félix. “A gente adotou muito essa batida expressiva, só que a gente fez do nosso jeito, com nossos instrumentos”.
Festivais e viagens – Os integrantes da La Pupuña têm a exata noção que a guitarrada, por ser essencialmente instrumental, cria uma barreira para se tornar radiofônica e estar na boca do povo. Em compensação, pretendem apostar no mercado internacional, passando uma temporada nos Estados Unidos, onde consideram mais fácil mostrar o seu trabalho, justamente por ser instrumental e não ter a limitação da língua.
Circular mostrando a guitarrada sempre foi a aposta principal da banda. Com um EP e um CD, lançados de forma independente, a maior divulgação sempre foi os shows. “As bandas têm que sair para tocar, entrar no circuito, não há nada a perder. Não pode é ficar preso num lugar distante, encubado. Tem que sair mesmo para mostrar o trabalho”.
Eles chegaram a sair de Belém para São Paulo, pegando mais de 50 horas de estrada. “Numa das primeiras vezes, o ônibus atrasou muito e a gente só chegou uma hora antes do show. Só deu tempo de tomar banho, passar o som e tocar. Acabou o show, dormimos e de manhã cedo já estávamos voltando para Belém, com mais 50 e tantas horas de viagem”.
O show, apesar de ter um cachê bom, apenas pagou as contas da viagem. “Mas foi importante, porque foi vitrine para outro festival. E foram os festivais que botaram a gente no trilho, até mesmo para conseguir confiança”.
Logo em seguida, rolou convite para tocar em Recife, no Porto Musical, espécie de seminário sobre música com shows variados. Devido aos problemas com o ônibus na viagem para São Paulo, a banda conseguiu reaver o dinheiro das passagens e, com essa grana, pagou a viagem para Recife. “Chegando lá, fizemos um show bem legal, a galera da Womex (Feira alemã de música) pirou no nosso som e nos levou para tocar na Alemanha. De uma viagem para São Paulo, acabamos indo para Recife e chegamos até Berlin”.
Novos projetos – Antes de colocar em prática os planos para morar fora de Belém, a banda vai lançar um disco novo, o segundo da carreira. O trabalho que já está gravado, faltando apenas mixar, deve ser lançado ainda este ano. De diferente, a banda apostou numa temática menos instrumental, já que boa parte das novas músicas é cantada, com letras que mostram o que é a guitarrada e contam histórias de seus criadores.
“Hoje a gente não esta na mesma liga do começo, quando a gente saiu compondo adoidado e fez como se fosse um disco coletânea com musicas feitas por nós. Foi muito bacana, deu certo, mas a gente já está pensando num trabalho que mostre o que a gente tem para falar”.
Para o trabalho, a banda pegou uma temática e partiu para novas músicas. “Eu tinha feito uma música sobre para a Ilha de Colares, uma ilha misteriosa que tem lá no Pará, que nos anos 70 presenciou umas aparições de naves espaciais, teve gente que até morreu, a cidade foi evacuada, a aeronáutica tomou conta da cidade”, conta Félix. “É uma história meio louca, o coronel que chefiou a operação falou em rede nacional, disse que a aeronáutica tinha muito material, fotos, vídeos, que tinha muita coisa escondida, depois de um mês que ele veio a público, o cara se matou, uma morte meio estranha”
Segundo ele conta, em Colares, os moradores incorporaram a sua cultura elementos do imaginário alienígena, com estátua de ET pescando e quadros de paisagem ribeirinha com uma nave no céu. “A gente tentou pegar isso, que é mais ou menos nosso trabalho, uma mistura do rústico, da floresta, com o espacial, com o moderno. Para esse disco a gente enxugou mais o trabalho, focando num alvo. Imagina um disco de guitarrada, uma música que tocava em bordel, que era povão, chegar a um ponto que dá pra fazer um disco conceitual com guitarrada. Isso que é o grande barato de tudo”.
A história da Guitarrada
Essa forma paraense de tocar o instrumento tem origem com o Mestre Vieira, músico veterano que no início da carreira tocava bandolim e sax, mas era fissurado pela guitarra. “Ele viu a guitarra uma vez na TV e sonhava em tocar, até que no final dos anos 60, ganhou uma sem corda de um padre italiano. Botou corda de violão. Como não tinha energia elétrica, montou um amplificador movido a bateria de caminhão. Ele queria mesmo era tocar”, conta Félix.
Guitarrada vem da mistura de lambada e guitarra, como sugere o próprio termo, criado pelo radialista Carlos Marajó. O ritmo, que foi bastante popular há algumas décadas no Pará, já foi meio desprezado, mas nunca deixou de existir, sendo ainda muito ouvido no interior do estado. Nos últimos anos voltou a ganhar destaque, virou algo meio chique, com os mestres do gênero sendo reverenciados e a nova geração dando o devido valor. “O povão não ouve normalmente, mas não digo que não gosta, quando ouvem dançam. Hoje ouvem mais o technobrega. Mas a guitarrada influencia quase tudo que é produzido no Pará, da MPB e rock local ao próprio Technobrega e até grupos como o Calypso”.