Morrostock aposta na reconstrução com nomes como Vitor Ramil, Cachorro Grande e conexões latinas.
A tragédia climática que devastou o Rio Grande do Sul no ano passado deixou marcas profundas. Foram mais de 400 municípios engolidos pelas fortes chuvas, pelo menos 147 mortos e mais de 2,1 milhões de pessoas afetadas. O setor musical também foi fortemente afetado, com casas de shows, lojas, estúdios inundados, festivais e shows adiados, e toda cadeia de profissionais impossibilitados de trabalhar e de se sustentar. Isso tudo após o baque da pandemia, que já tinha afetado bastante o setor.
A população gaúcha está no movimento de reconstruir o estado e não poderia ser diferente na música. O festival Morrostock ilustra muito bem essa reconstrução. Com apenas uma edição desde a pandemia, em 2023, fora a edição conjunta com o festival Psicodália, o festival reuniu forças para acontecer e se reinventar. Com novidades, o festival realiza uma edição este mês, de 17 a 21 de abril, no Balneário Ouro Verde, em Santa Maria, colocando foco na cena local no intuito de colaborar ainda mais com a produção musical gaúcha.
“O Morrostock, esse ano, vem com essa proposta de reconstruir o Rio Grande do Sul, pelo fato da tragédia que aconteceu ano passado”, explica Paulo Zé, idealizador e produtor do festival. Este ano, o festival vai ter duas edições, uma em abril, durante a Semana Santa, e a outra em dezembro. As duas com o mote ‘Reconstruir RS’.
“Ano passado, quando a gente estava começando a planejar a edição, para botar na rua, aconteceu o que aconteceu, e aí a gente viu que era uma situação gravíssima, sem precedentes, e que levaria tempo para o estado realmente se recuperar, ou começar a se recuperar, porque não estamos plenamente recuperados ainda. Ficou essa sequela”, conta o produtor.
A motivação da reconstrução acabou sendo decisiva também na própria formatação da programação do festival, que deixou de lado convidados de outros estados e focou na produção do Rio Grande do Sul.
“Eu já vinha notando a falta de bandas gaúchas em line-ups de festivais nacionais, e depois que veio essa tragédia, aí resolvi que ia fazer um festival para fomentar a música do Rio Grande do Sul”, explica Paulo. O festival terá então 24 artistas do Rio Grande do Sul, e os únicos artistas que são de fora do estado são nomes da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile.
“Não tem nenhum artista de outro estado do Brasil nesse line-up, mas essas articulações que estão vindo da América Latina, todas as bandas vêm com pessoas que fazem festivais, casas de show ou circuitos pela América Latina. Elas vêm também com o intuito de observar as bandas gaúchas como se fossem pitchings, mas não são pitchings, são shows completos, que visa estreitar laços e possibilitar circulações, shows, participações, intercâmbios, então o objetivo é esse”, diz.
Este tema da reconstrução e a opção por focar na cena local, levou o festival a uma travessia pelos diferentes estilos, gerações e trajetórias que marcam a música independente do RS. “Serão dezenas de atrações consagradas e novidades que representam a história de irreverência e amor às raízes plurais da cultura gaúcha”.
A programação traz nomes importantes originários na cena local e com carreiras relevantes nacionalmente, como o cantor e compositor Vitor Ramil, a banda Cachorro Grande e Carlinhos Carneiro celebrando os 25 Anos de Bidê ou Balde.
O foco está também em nomes menos conhecidos, mas não menos importantes do cenário gaúcho, como Julio Reny, Supervão, Negra Jaque, Lucas Hanke e Cromatismo de Sensações, Jessie Jazz e Dida Larruscain.
Para completar, a seleção do Morrostock tem ainda o reforço estrangeiro, com artistas de países vizinhos. Cuatro Pesos de Propina, Kumbiaracha, Bardo e Ventolera, do Uruguai; Dasfe Usorach, da Argentina; Funk’chula, do Paraguai; além de Pájaros Kiltros, do Chile.
Morrostock reconstruído
Assim como tudo no Rio Grande do Sul, o próprio festival está no processo de reconstrução e reformulação. Com isso, esse ano, o Morrostock veio diferente, com duas datas, uma delas totalmente nova, mudanças na programação, estrutura e formato. “O festival em si foi super impactado também, ele já vinha num impacto pandêmico, a gente não conseguiu ainda sair daquela pandemia direito, e aí sofremos esse desastre e essa edição também é um movimento para o Morrostock tentar se reestruturar”, conta Paulo.
“Fizemos um movimento de sair dessa bolha criada por grandes eventos pós-pandêmicos que se multiplicaram de uma forma absurda em grandes centros urbanos, capitaneando line-ups com muito headline mainstream, muita programação mainstream como um todo, e não dando muito espaço para o novo, não tendo muita abertura para descobertas”, explica.
O Festival Morrostock traz um espírito que se assemelha ao antigos festivais “rurais”, realizados em ambientes abertos, longe de grandes cidades. Não é um festival massivo, mas conceitual, pelo próprio limite de público. “São 1.500 pessoas acampadas, durante cinco dias formando uma cidade temporária, autogestada, autônoma, dentro do festival. As pessoas criam laços, criam afinidades, é uma parada diferente o acordar, o dormir, o comer, o compartilhar, o descansar”, conta Paulo.
Já que aconteceu uma coisa terrível, trágica e horrorosa, eu falei, nem só de tragédia, de terror a gente vive, vamos tentar tirar disso o aprendizado e coisas boas”
A ideia é aprofundar essa proposta e com isso, neste ano, o Morrostock também traz uma mudança substancial no formato. “Aproveitamos para tirar outro conceito que me incomoda muito em outros festivais, que é essa coisa do fear of missing out, que é o FOMO”, explica Paulo. “Tu tá vendo um show, sabe que vai começar outro, já começou o outro, tu não sabe se tu vai, se tu fica. Tu vai num festival, acaba ficando mais ansioso, porque a programação é tão intensa, e começa uma coisa em cima da outra, que aquela coisa do relaxar, do poder desestressar, acaba que não é efetiva. Fica aquela coisa de ansiedade no ar”, explica o produtor.
“Aproveitei isso para que a gente pudesse mudar a lógica, os shows acabam, não começa nada, fica 10, 15 minutos com uma discotecagem leve, rolando um sonzinho no ar, dá tempo das pessoas irem na barraca, comer, ir no banheiro, sei lá, espairecer, e aí que vai começar o outro show”, diz. Agora, dentro da programação do festival, nada começa antes que a outra termine, tem um espaço entre as coisas”, conta Paulo.
“Uma série de coisas que estão reestruturando o Festival Morrostock nesse momento, coisas que eu já queria fazer, que eu aproveitei, já que aconteceu uma coisa terrível, trágica e horrorosa, eu falei, nem só de tragédia, de terror a gente vive, vamos tentar tirar disso o aprendizado e coisas boas”, finaliza.
Programação Morrostock
Vitor Ramil | Cachorro Grande | Carlinhos Carneiro 25 Anos de Bidê ou Balde | Ana Muniz | Clarissa Ferreira | Dida Larruscain | Produto Nacional feat Marietti Fialho | Cuatro Pesos de Propina (Uy) | Negra Jaque | Paola Matos feat Gabro Demais | Loma Pereira e Zelito | Kumbiaracha (Uy) | Floret | Jessie Jazz | Oderiê Y As Flechas | Coral Guaviraty Porã | Ventolera (Uy) | Dasfe Usorach (Arg) | Funk’chula (Py) | Julio Reny | Bella e O Olmo da Bruxa | Lucas Hanke e Cromatismo de Sensações | Supervão | No Rest | Transmissão Beta | Pájaros Kiltros (Chile) | Zilladxg e Bala Cachorro feat A Virgo | Mc Leti | Blkchrist e Sulrealismo | Lady Black | Tivo e Ligia Lazevi | Belle Mottini E Gustavo Viríssimo | Bardo (Uy) | Bate e Sopra | Baile Ska Cumbia | Trava House
