Feira da Música de Fortaleza foca discussões em política e conexões e música ganha espaço com ótimos shows.
Música é business, é entretenimento, é política, mas acima de tudo, música é música. Na Feira da Música, que aconteceu na última semana, de 23 a 25 de agosto, em Fortaleza (Ceará), em alguns momentos a sensação era que política, educação, redes, partido, conexões eram mais importante ali que a própria música. Muito se falou de Universidade Livre Fora do Eixo, Partido da Cultura, discussões transversais sobre temas diversos e, mesmo com a importância de tudo isso, às vezes pouco se via do tema que move a feira há 11 anos e deveria ser seu foco principal, a música.
Dividida entre eixos desmembrados em diversas atividades, a Feira foi, mais uma vez, um grande caldeirão de ideias diversas. Entre os eixos havia o lançamento da Universidade Livre Fora do Eixo, com encontros, observatórios, conversas infinitas (foi batizado assim mesmo, não é invenção minha), reuniões livres, imersões, vivências e por aí vai. Painéis & Encontros, com rodas de debates, que iam de “A Cidade que Queremos” a “Redes e Micro-redes Regionais”. Oficinas prévias, de ordem mais prática, com aulas de sensibilização ambiental, mas também focando em vários instrumentos e atuações profissionais no mercado musical, de roadie a captador de recursos. Havia ainda uma Feira Ambiental e outra de Negócios, que aconteciam paralelamente às outras atividades. Um Roda de Negócios promovia troca de ideia e encontros entre produtores, artistas e representantes de selos, gravadoras e festivais.
Para o público comum, pouco disso tudo era aproveitado. Parecia que o evento era voltado apenas para convidados e para um grupo já focado nessas discussões há algum tempo e que é quase sempre o mesmo ou representante das mesmas instâncias. Essa parte de discussões e debates, no entanto, teve também momentos produtivos, mas em geral parecia mais um grande encontro de pessoas ativas, com boas propostas, mas que quase sempre pensam muito parecido. O contraditório e a diversidade fizeram falta. Não por menos, não havia, por exemplo, produtores de grandes eventos, gravadoras ou representantes de rádios.
Também teve música
Apesar disso, o público de Fortaleza teve acesso a muita música nos palcos do evento. Com as manhãs e tardes focadas nas discussões, oficinas e rodadas de negócios, a noite era voltada aos shows, que mais uma vez aconteceram no agradável Dragão do Mar, enorme espaço cultural no centro de Fortaleza. Três palcos fixos durante os três dias de feira, batizados como Rock, Instrumental Nordeste e, o maior, Brasil Independente, além de um palco Roots que funcionou no segundo dia de feira.
Foram ao todo 47 atrações, vindas de 15 estados, sendo 8 nordestinas (só o Piauí não teve representante), além de uma banda argentina. No ritmo tradicional de festival, com vários shows acontecendo ao mesmo tempo, era impossível dar conta de tudo e talvez por isso a sensação era de poucas novidades e de que muitos dos destaques tenham sido artistas que já vêm circulando em festivais e na própria Feira em anos anteriores. Foi o caso do paraense Mestre Vieira, que do alto de seus 78 anos mostrou como se faz um show empolgante com um som que parece simples de tão certeiro. Guitarrada, carimbó e ritmos paraenses quase sempre instrumentais e irresistivelmente dançantes.
Guitarras
Também já conhecidos de outros palcos Nevilton, Wado e Camarones Orquestra Guitarrística deixaram suas marcas. Assim como o Cabruêra, um dos destaques, que encerrou a Feira com um belo show. Ritmos nordestinos, banda afiada e presença de palco marcante do vocalista Arthur Pessoa, que para fechar a festa, desceu do palco e criou rodas de ciranda com uma sequência meio potpourri de marchinhas carnavalescas e clássicos brasileiros debaixo de uma chuva ainda inédita nos três dias de Feira. Taí uma banda que depois de vários shows no exterior ganhou mais solidez e se mostrou pronta para grandes palcos país afora.
Na luta para se deslocar entre um show e outro alguns passaram batidos, mas receberam elogios de quem viu, caso do rock clown dos gaúchos da Bandinha Di Dá Dó, o rock instrumental dos baianos da Vendo 147, o reggae do paraense Juca Culatra, ou mesmo o super concorrido Verônica Decide Morrer, banda local comandada por um travesti. Alguns nomes parecem ainda verdes demais para palcos maiores, como os maranhenses Garibaldo e O Resto do Mundo ou os locais Felipe Cazaux. Aliás, aparentemente a cena cearense está numa entresafra, com poucos nomes chamando maior atenção.
No quesito diversão, Gloom fez sua parte, com seu som que é algo como um encontro de Los Hermanos, Móveis Coloniais com Fernanda Takai nos vocais. Sopros, boas melodias e uma candidata a hit, “Tic Tac”, sempre se destacando. Conferida e aprovada, mesmo com ressalvas, foi a banda Uh La La!, grupo do Paraná formado basicamente por mulheres mandando um rock cheio de referências pop. Bons shows das instrumentais Dibigode e Fiero, além da sempre boa Volver, com seu rock melódico. De Sergipe, Alex Sant’anna foi uma boa novidade, com um pop com sotaque brasileiro interessante, que funcionaria melhor num palco menor, onde instrumentos como sanfona e bandolim não ficariam tão tímidos. O veterano Mestre Laurentino, acompanhado d´’Os Cascudos, chamou mais atenção por seus 87 anos e pelo título de roqueiro mais velho do Brasil, assim mesmo, foi um dos mais bem recebidos pelo público.
Por incrível que pareça, a terra anfitriã ficou devendo no quesito shows, chamando pouca atenção. Um Os Ultraleves ali, ainda verde, mas mostrando que pode render alguma coisa, e uma Verônica Decide Morrer acolá, bastante prestigiada.
No final das contas, a Feira esteve aquém de outras edições, com apenas bons shows e uma média baixa de boas novidades. Assim mesmo, mostra ainda ser uma boa alternativa no Nordeste para discussões, debates, troca de informações e, claro, um panorama da produção musical.
Melhores shows
Seguindo a ideia bacana de Marcelo Costa no Scream & Yell, chamamos alguns dos jornalistas presentes para escolher os destaques entre as atrações:
Luciano Matos
1 – Mestre Vieira e os Dinâmicos
2 – Camarones Orquestra Guitarrística
3 – Cabruêra
José Flavio Junior
1. Mestre Vieira e os Dinâmicos
2. Nevilton
3. Volver
Bruno Nogueira
1 – Gloom
2 – Mestre Laurentino
3 – Volver
* Luciano Matos viajou a convite da produção da Feira da Música