Nome com longa e importante trajetória no cenário musical baiano, tendo passado por projetos como Cravo Negro, Penélope e Dois em Um, o músico Luisão Pereira lançou este ano seu primeiro álbum solo autoral, Fogo no Mar. Um trabalho sensível que revela o desafio que ele vem enfrentando desde que descobriu um câncer.
É a partir da luta contra a doença e o tratamento em sessões de quimioterapia que o compositor, produtor musical e multi-instrumentista começou há quatro anos a criar a ideia do álbum, que se mostra revelador e sensível.
Desde o fim de seu último projeto, Luisão vinha produzindo trilhas-sonoras e discos de outros artistas, até quando resolveu se expor em um trabalho solo assumindo também os vocais, que ele já flertava no Dois em Um.
Em 2006, ele havia lançado um EP, Nota de um Samba Só, com oito faixas. Mas a partir de 2016, começou a soltar singles de forma mais regular, além de três trilhas sonoras. O primeiro single, “Licença” (2019), ainda sem vislumbrar um álbum, e a partir de 2021, uma sequência do que viria a ser Fogo no Mar.
Agora com o álbum de estreia solo, ele se desnuda como nunca. Para tanto, se cercou de parceiros e convidados, como Kassin, Zé Renato, Lívia Nery, Maecelo Jeneci, Zé Manoel e Mãeana. Aqui no el Cabong ele conta sobre cada uma das músicas do trabalho e as parceiras em um faixa a faixa exclusivo.
01_SE TODO SANTO (Luisão Pereira)
“‘Se todo santo’ nasceu a partir de um arranjo de cordas que fiz e que foi gravado em 2012. A partir dele eu compus e gravei o resto da instrumentação. Pedi a algumas pessoas que gosto muito (algumas delas que me visitaram no hospital também), que me enviassem um áudio falando a frase: ‘se todo santo é por mim, nada será contra’.
Nas vozes participaram Anna Oliveira, Antonio Carlos Tatau, Ava Rocha, Caira , Clara Fernandez, Clara Lobo, Cláudia Cunha, Enio, Flavia Azevedo, Fernanda Rocha, Gil Vicente Tavares, Gustavo Lenza, Gabriela Riley, Gustavo Ruiz, Heide Costa, João Miguel, Lau Alencar, Léo Fera, Luiz Chagas, Luis Sávio, Mateus Borba, Manno Góes, Nina Becker, Irena Martins, Paquito, Patricia Chueke, Rebeca Matta, Renata Baldi, Renata Raggi, Renata Voss, Ronaldo Bastos, Ronei Jorge, Sandra Gentil, Teca Abbehusen, Tulipa Ruiz, Vânia Dias e Zé Manoel.“
02_DEIXA (Luisão Pereira/ Mateus Borba)
“É a primeira canção que fiz para o Dois em Um em 2007, um dia eu estava internado e ela passou pelo play do meu fone. Ter escutado ‘Deixa a alegria chegar, enfim, que a tristeza já quer partir, que hoje o dia nasceu pra ser bem melhor’ me fez dar uma levantada no astral, assim como uma vontade de gravar ela numa pegada gafieira de Juazeiro. tenho vídeos e fotos do dia que a gente estava no skype, eu do hospital e Gustavo Ruiz no estúdio em São Paulo. Gustavo na guitarra, Bruno Buarque na bateria e Alexandre Copinha nos sopros que foram arranjados por Jorge Solovera. Eu gravei, aqui em Salvador, a voz, violão, teclado, baixo e percussão.”
03_FORTE. (Luisão Pereira/ Mauro Sta Cecília)
“Essa surgiu no meio de uma sessão de quimioterapia. A parte ‘seja forte, mais que ontem/ seja forte mais uma vez’ “baixou” para que eu pudesse resistir a aquele dia difícil. Chegando em casa completei mais uma parte e enviei para o poeta Mauro Santa Cecília (autor de canções como “Por você” e “Amor pra recomeçar” do Frejat/Barão Vermelho), que se emocionou com a canção e terminou o restante da letra. Mauro também é paciente oncológico em tratamento, foi por conta disso que a gente se aproximou.”
04_FLORÁLIA. Feat KASSIN (Luisão Pereira/ Mateus Borba)
“Kassin sempre me dizia que essa era a música minha que ele mais gostava. E, como todo tratamento não é só de coisas pesadas, e o disco é uma tradução dele, essa música mostra uma leveza de coisas que rolavam no hospital. No meu aniversário de 2021 eu passei internado, fazendo transplante, e lá, no dia, chegou um vídeo de Kassin cantando e tocando um ‘parabéns’ mais lindo do mundo pra mim. O convidei para produzir a faixa, e além de dividir os vocais comigo, ele gravou baixo, guitarra, teclado e ainda trouxe o Estevan Barbosa para a bateria.”
05_LICENÇA. Feat: LIVIA NERY (Luisão Pereira)
“Foi a primeira que compus quando soube do diagnóstico. Ela apareceu quando eu estava (literalmente) me afogando no mar de Imbassahy. Alguns meses depois fui ao Rio de Janeiro com Livia Nery fazer um show chamado: ‘super violão mashup’ que era de artistas com canções autorais com arranjos especiais para aquele projeto. Lá começamos a gravação dela, que depois também teve também a participação de Ênio e Ícaro Sá.”
06_SE SAIA. Feat: ZÉ RENATO (Luisão Pereira)
“Ela abre com um barulho de ressonância magnética. Foi a última que compus do disco, também num momento de químio, e eu estava muito revoltado naquele dia. Acho que ela passa bem isso. Quando comecei a mixá-la fui dormir e sonhei com Zé Renato (Boca Livre), fazendo um vocal meio hipnótico nela. Liguei pra ele, fiz o convite e no dia seguinte já estava no estúdio de Gustavo Ruiz, o Brocal em São Paulo, gravando a voz. Enio também toca e co-produz comigo a faixa. Junior Tostoi também gravou uma guitarra no refrão.”
07_E SE CHOVER? Feat: ZE MANOEL (Luisão Pereira/ Mateus Borba)
“Essa é uma outra que fiz no passado e que me bate de uma outra maneira agora. Daí quis fazer uma versão completamente diferente das do Dois em Um. Então decidi não tocar nenhum instrumento e nem usar nada do arranjo original nela. Chamei Gustavo Ruiz para produzir, que convidou seu pai Luiz Chagas para a guitarra, Regis Damasceno pro baixo e Zé Manoel, que além de cantar comigo, gravou inusitadamente sintetizadores.”
08_SATURNO (Luisão Pereira)
“Eu me lembrava dela dentro das muitas vezes que andei de ambulância. Era a sirene ligar e automaticamente o play mental vinha com “Saturno” no talo. Nela gravamos em trio, com os dois gênios do Subaquático; Junix na guitarra e Emanuel Venâncio na bateria e eu: na voz, baixo e teclado.”
09_MAR GRANDE. Feat: MÃEANA (Luisão Pereira/ Ronaldo Bastos)
“Em 2021, eu fui na ilha tomar o meu primeiro banho de mar desde que havia começado o tratamento. Acho que eu tava uns dois anos sem. Quando voltei liguei para Ronaldo Bastos e contei como foi. Falamos também sobre Mar Grande, lugar que ele frequentou bastante na juventude. Me disse que quando foi lá pela primeira vez, (nos anos 1970, acho), no meio da travessia, começou a escrever uma letra que nunca havia terminado. Uns dias depois, ele me ligou dizendo que resolveu pegar a tal letra e que havia terminado pra eu musicar.
Quando pronta, nós dois pensamos que a voz da Mãeana tinha tudo a ver com ela. Pronto! Ana gravou voz no Rio, Enio guitarra, Ícaro percussão e eu gravei também voz, guitarra, baixo, teclado e bateria aqui em Salvador.”
10_VAI QUE DE REPENTE (Luisão Pereira/ Mateus Borba)
“Essa é uma canção também anterior, mas que conversou com o repertório, de uma forma quase que premonitória. Ela fala em criar asas e se erguer para poder enfrentar uma adversidade. Tem uma outra parte que eu passei a associar ao diagnóstico do câncer, quando diz: ‘Onde a gente, de repente, pode se encontrar/ por sorte, destino ou engano…’. Como ela teve um papel quase que terapêutico, eu resolvi produzir e gravar todos os instrumentos sozinho. Ela também tem inserção de barulhinhos captados no hospital.”
11_UM PORTO. Feat: MARCELO JENECI (Luisão Pereira/ Mateus Borba)
“Essa música eu fiz no dia do enterro do meu pai. Durante o velório, a música ‘Feito pra acabar’, de Marcelo Jeneci, José Miguel Wisnik e Paulo Neves, ficava em loop da minha cabeça. Chegando em casa, um porto apareceu muito rápido. Até a letra. Meu parceiro Mateus contribuiu em algumas partes que eu estava travado. Tempos depois contei para Jeneci, que se prontificou a participar da gravação. Outra coisa importante é que meu irmão Antônio Carlos Tatau, falecido em 2021, adorava ela. Em 2019 perdi também a minha mãe. A canção – originalmente feita para meu pai – virou agora uma homenagem dedicada aos três: meu pai, minha mãe e meu irmão Tatau.”