Um álbum conceito, repleto de significados, muitas histórias e ideias. Nada melhor do que seu mentor, Fábio Cascadura, para contar tudo sobre ‘Aleluia’, novo disco da banda Cascadura. Um álbum duplo, com 22 músicas, diversos convidados e um tema, Salvador, seus problemas, suas particularidades, seus personagens e suas belezas. Fábio conta numa faixa a faixa as inspirações, ideias e conceitos de cada uma das músicas. Confira.
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Discos: Cascadura mostra sua visão de Salvador com ‘Aleluia’
Aleluia
“A música que abre o e batiza o disco e também foi uma das primeiras a ser concluída como composição. Era um riff do Candido Sotto, que estava na banda. Ele me mostrou numa passagem nossa pelo Rio, acho que foi quando tocamos no Teatro Odisséia para o lançamento do ‘Bogary’. Eu guardei o riff e desenvolvi uma harmonia. Mostrei à ele e ele curtiu a ideia e deu sugestões. Na hora de escrever a letra, veio a ideia de falar de um relacionamento entre um cara que não enxerga e outra pessoa, não necessariamente cega… Dai eu já tinha a ideia de um disco chamado ‘Aleluia’, para se opor ao ‘Bogary’ que fica dentro da Bahia, em Itapagipe… Aleluia é outra praia, do litoral oceânico (N.E.: a praia fica na parte norte de Salvador)… O conceito do disco já estava na cabeça: um disco falando de Salvador, das coisas de Salvador e muito diferente do ‘Bogary’… por isso o nome
CD1 – 01 Aleluia by bandacascadura
O Rei do Olhar
“A intenção de “O Rei do Olhar” é a de fazer uma analogia entre o artista de rua, o ilusionista, o vendedor de “garrafada” e os políticos populistas, que se colocam como salvadores da pátria… sacou? Isso tudo acontecendo num contexto do centro de Salvador – ” da rua do cabeça aos aflitos” – acho que tem gente que mora aqui e nem sabe onde isso fica…”
CD1 – 02 O Rei do Olhar by bandacascadura
Lá ele!
“Faz parte do bloco que chamamos “as do candomblé” que é uma parte do disco que veio a partir de uma pesquisa que fizemos, primeiro com umas gravações feitas por andré t de toques do culto afro-baiano. Ele tinha essas gravações e me deu para escutar. Depois fui a terreiros e ouvi e assisti algumas cerimônias, já havia lido e estudado os arquétipos litúrgicos. Daí juntei alguns elementos em músicas diversas. “Lá ele!” toca no aspecto muito bruto e violento do crack, que sabemos é uma epidemis social e assola Salvador como assola outros centros urbanos. Observe que há no refrão: “Ah! Terra que contorna o Sol, vem cuidar dele… Ah! Vento que sopra em nós… Vem cuidar dele!”. São referencias à Omolu e Iansã, por meio dos elementos de seu domínio: terra e vento. Essas são divindades associadas à morte… São os guias que ajudam na passagem entre esse e o outro lado.” (N.E.: o nome da música vem de uma expressão popular em Salvador em resposta a frases ambíguas)
CD1 – 03 Lá Ele! by bandacascadura
A Mulher de Roxo
“Dentro do conceito do disco reservei um espaço para falar das personagens reais da cidade, mas não queria fazer “uma musica pra Bule-Bule”, “uma música para o Velhinho-da-Mágica”, “uma música para o Guarda Pelé”… Queria contextualizar as personagens em suas representações. A Mulher de Roxo (N.E.: uma senhora que vestia roxo e vivia como louca nas ruas do Centro de Salvador) emerge como figura reprimida e louca, tal qual a própria cidade! É o foco no machismo repressor dessa sociedade, da qual fazemos parte, que tão habilmente se perpetua de diversas formas… Essa música se comunica muito bem com “A Verdadeira”, que fala da “periguete”… Mas “A Mulher de Roxo” foi construida nesse contexto de abordar uma figura “histórica” que é capaz de entregar seus dias à loucura e à lucidez da Rua Chile. Na música há ainda citações diversas que me são muito caras: França Teixeira, “É gol! E vai buscar no fundo” que era o bordão de Fernando José como cronista esportivo. Apesar de ter sido o 2º pior prefeito da história da cidade (o 1º está no cargo agora), foi um importante personagem da crônica esportiva na Bahia. Além da Pça Castro Alves, Rua Chile e da “Escrava Isaura”… Essa música é muito importante pra mim. Um exercicio de construção muito intenso. Pitty veio para ajudar a contar a história e contribuiu muito com a voz e o estilo dela!
CD1 – 04 A Mulher de Roxo by bandacascadura
Simples como a Vida
“Essa é dedicada à Ticiana, minha noiva. Esse é o titulo de um fotolog que ela tinha, quando nos conhecemos… Mas a música, além de falar do amor que sinto por ela é também uma reflexão sobre o amor que sinto pela cidade, no sentido de que “A cidade é os seus cidadãos” (Cicero, Sec. I a.C). “Aqui da janela de casa eu vejo rostos felizes” é quase um desejo de ver uma cidade melhor que essa que temos hoje, desumana e egoísta… Ainda tem a parte “americanas dizem boys… americanos dizem girls… Eles só deveriam saber que o mundo inteiro quer o amor”… Nãos ei se me fiz entender aí… Americano vende a ideia de que ser feliz é ser como eles… E não é isso, né? Não há fórmula…”
CD1 – 05 Simples Como a Vida by bandacascadura
Sotorepolitana
“Essa veio como proposta de dar um olhar panorâmico sobre a cidade… Meio contextualizando geograficamente, as coisas dos bairros e suas características com a vida cotidiana das pessoas da cidade. Passa pelo olhar sobre o comportamento da “elite” soteropolitana (“Velha ordem de bacana que estampa sorriso no jornal”) e pela questão do negro na cidade (“os que a fizeram foram tantos, pretos vindos de outros cantos, carne nova pro Sr. Freguês…”)… O contexto de SSA como cidade do medievo e como entreposto avançado na venda de gente como mercadoria ainda se repete em muitos comportamentos… Mas há também o lance de dizer que, ao contrário do que a propaganda superficial propõe, a cidade é negra, mas não somente negra… Nem as cidades da África sub-saariana podem se dar a esse luxo. Por mais que negros sejam uma maioria. Só isso dá uma matéria, mas a construção cultural, a partir da partilha social, da convivência e do contato, é bem mais complexa. Assim, Salvador também é (e muito) galega, ibérica e mais recentemente vai se nordestinizando (e o Nordeste é um universo amplo em si só). “Soteropolitana” serve para olhar esse processo… ou parte dele. Na verdade, “Soteropolitana” combina o Samba-Reggae (Não o pagode) com “Street Figth Man!” dos Rolling Stones. As duas levadas se combinam sem qualquer esforço… Não existe truque ou mágica. Somente tocamos um riff clássico dessa obra e pusemos uma levada de samba-reggae, como tocado nos blocos afro da Bahia para acompanhar… tudo se encaixou perfeitamente. E se destrincharmos o processo de CONTATO, veremos que as duas abordagens são geradas a partir da diáspora africana… E assim como Salvador, o porto de New Orleans também recebia carne negra para suprir a demanda de mão de obra nas lavouras de algodão e tabaco (mais ao sul, no Caribe, o açúcar e as bananas). Se pensarmos que os Rolling Stones beberam da fonte de criadores formados lá nas margens do Delta do Mississipi, próximo à Luisiana (A música alude ao estado sulista – “Mãe do Rio, irmã da Luisiana”)…”
CD1 – 06 Soteropolitana by bandacascadura
Os Reis Católicos
“Essa por sua vez é uma música que se comunica com “Colombo” (isso acontece em todo o disco) para falar do processo de expansão ultramarina dos ibéricos, e depois dos europeus em geral, que realizaram a empresa da colonização… A música é imersa na ironia. É uma canto apaixonado de amor entre o Rei de Aragão (Fernando) e sua esposa e Rainha (Isabel de Castela). Financiaram a viagem de Colombo e com isso chegaram às Américas. Veja que ele usa de imagens parnasianas: bela, nos demos as mãos, jardim, além de onde o sol se põe… Por outro lado também dá a “real”: escravidão dos índios, os portugueses trariam a escravaria para dar conta da exploração das riquezas da terra. “Ah! Por que você não contextualizou com os portugueses, já que o disco aborda Salvador?” Porque o título “Os Reis Católicos” funciona bem mais e é bem mais bonito… Essa música tem um arranjo de trompas que acho fantástico. Escrito por Paulo Rios Filho, que também fez o arranjo para “A Verdadeira”… Ah! É graças a esse processo de corrida na navegação entre Portugal e Espanha que Salvador veio a ser fundada… Isso depois de franceses e holandeses entrarem no jogo, aqui pelo Atlântico Sul…”
CD1 – 07 Os Reis Católicos by bandacascadura
Uma Lenda de Fogo
“É o “Grand Funk Railroad no Ilê Axé Opô Afonjá”! A ideia foi misturar um Alujá, toque cerimonial de Xangô, Grand Funk, com sua batida soul-rock, Jimi Hendirx, que Jô Estrada trouxe magistralmente, executando as guitarras (como em quase todas as músicas do disco)… Poxa. Essa foi uma das experiências mais legais. E faz parte daquele bloco de músicas baseadas nos toques dos orixás, do qual falei. Veja que nada é solto, nada é por acaso: o toque é um Alujá, toque cerimonial de Xangô e a letra trata da citação à uma lenda muito conhecida da tradição oral no candomblé, que inclusive já foi reproduzida por Pierre Verger e Reginaldo Prandi… É a história em que Xangô pede à Iansã que vá buscar o fogo para lhe trazer… Quem pesquisar pode ouvir a música e comparar com o que há na lenda. Mas a música tem sua própria história. Ela apenas cita, respeitosamente, esse episódio porque essas narrativas diferenciam Salvador de outros tantos lugares…”
CD1 – 08 Uma Lenda do Fogo by bandacascadura
Resumindo
“Queria falar do atual estado de abandono da cidade. E lembrando que falo mais do povo que da “cidade geográfica”… É essa relação de amor e ódio… Nela a cidade é uma menina malcriada, uma velha soberba, uma garota de programa… Desde a composição básica, no violão ou piano, a idéia era usar de recursos relacionados à Stevie Wonder. A música é quase uma de qualquer do estilo dele. Eu pedi isso e andré t foi conduzindo isso sob meu pedido… Ele é um grande conhecedor da obra e dos recursos que circundam a música feita por S. Morris. A música ficou um tempo sendo chamada de “Steviana” – na relação em que Villa-Lobos fez as Bachianas, em referencia à influencia de Bach à música dele… Olha bem, não estou comparando Cascadura à Villa-Lobos, nem a Stevie Wonder, muito menos à J. S. Bach… Entendeu? É a contextualização das coisas.”
CD1 – 09 Resumindo by bandacascadura
Chorosa
“Eu vinha andando numa paleta (N.E.: longa caminhada no dialeto baiano) pela Av. Euclides da Cunha, na Graça e ouvi aquele chamamento de vendedor de vassoura… A voz do cara era igual a de Otis Redding… Fiquei chocado! A rua de Salvador tem muito dessas coisas. O material humano é diverso e exposto. Ás vezes até enche o saco (especialmente pra quem vive aqui), todo mundo é artista… Mas, a distância que separa a voz de Redding da do vassoureiro era pequena. É essa brincadeira da canção: Redding é “o vigia ao meu redor”, o cara que vem lembrar sempre que “o blues é a mãe e o pai”… O rock atualmente, salvo algumas exceções tem se afastado um monte do blues… melhor: tem se afastado do negro e isso não é bom… Eu me ressinto muito disso… Tem umas coisas que eu fico ouvindo; “não sei quem fez um disco que mistura rock e música negra…” como assim? Chuck Berry é rock, rei! “Chorosa” é a voz da rua de Salvador quando canta com o coração de verdade…”
CD1 – 10 Chorosa by bandacascadura
Colombo
“Queríamos escrever alguma música no Festival da Educadora (N.E.: festival promovido pela rádio Educadora de Salvador) como exercício para saber se estávamos “viajando” dentro do nosso próprio conceito… (N.E.: a música foi a primeira a ser conhecida pelo público). Escolhemos “Colombo” porque na época era a que estava mais completa e era uma das mais diferentes da nossa proposta musical anterior… A nossa “sorte” é que ela, além de muito bem posicionada no álbum, por estar relacionada com “Os Reis Católicos”, por tratar da relação difícil entre colônia-metrópole, exploração-explorado, colonizador-colonizado, ainda conta com a magistral participação de Siba. Esse elemento reposicionou a música. Porque ele trouxe uma abordagem que é universal, é nordestina… Mais, é brasileira e nos traz um balanço de maré danado… Aqueles timbres de Idade Média, Magreb na Peninsula Ibérica… E ele fez aquilo num piscar de olhos! Além de ser um cara culto e extremamente simpático!”
CD1 – 11 Colombo by bandacascadura
O Delator
“Uma música bem simples, né? Um riff, refrão… Eu gosto. E foi massa convidar o Jajá. Eu gosto muito da Vivendo do Ócio. Você que me falou a primeira vez deles, na época do Jam Session Rock. Eu realmente sou fã deles. E o Jajá é um cara sensacional: bom cantor, bom compositor, poeta, desenha muito bem… Tem muita coisa pra fazer na música e na arte ainda. A banda toda é legal! Quando mostrei a música pra andré, Jô e Thiago e falei do Jajá eles acharam legal, mas, depois, quando ele gravou a galera pirou no timbre de voz dele… Arrebentou! Veja que ela se comunica muito bem com “Cabeça-de-nêgo”, as letras percorrem um mesmo caminho: delação, inveja… e desemboca em “Lá ele!” é o universo marginal, escuso e ao mesmo tempo presente em cada esquina da cidade (no Pelourinho, inclusive). O detalhe é que, na propaganda, apagam da foto…”
CD2 – 01 O Delator by bandacascadura
Cabeça-de-nêgo
“Sabe que cabeça-de-nêgo é o nome daquela pedra usada no calçamento urbano no periodo colonial, né? Tipo “Ladeira do Pelourinho”. Pire aí: “pisar na cabeça-de-nêgo”. Sacou? Mas, tem uma bomba que usavam pra pescar, lá na Península de Itapagipe (N.E.: região tradicional localizada na parte da Cidade Baixa de Salvador) que também tinha esse nome… “Explodir que nem cabeça-de-nego”… Sacou? Esse papo de que não há racismo… Esse papo conservacionista, meio “democracia racial” tá por fora. E usam a coisa do negro de toda forma: propaganda, pra atrair turista… Na hora de dividir: “amarra os pé e sai do chão!”… “Sai do chão… Sai do chão… Sai do chão…”. Sacou? E, não atoa, tem a voz poderosa de Mauro Pithon ali… (N.E.: vocalista veterano do rock baiano, tendo passado por Úteros em Fúria, Sangria e agora à frente da Bestiário). O nome original era “Piru de fora”, na citação ao termo “piru” (que fica se metendo onde não é chamado)… Cabeça-de-nêgo tá ligada!”
CD2 – 02 Cabeça-de-Nêgo by bandacascadura
Dava pra Ver
“Essa era uma vontade antiga, já que somos amigos, da mesma geração, mas nossa amizade mesmo é coisa mais recente… E acho Ronei Jorge um cara muito fora de série! Tinhamos essa ideia guardada: um soul que pudesse dialogar com uma levadinha no tamborim, um lance meio samba discreto e triste… Eu falei com Ronei, perguntei se ele topava ajudar a gravar e cantar. Eu achava que não bastava uma coisa ou utra, a experiência seria boa se pudesse ser completa: escrever e cantar! Ele topou e foi bem tranquilo e muito divertido. A sessão com Ronei foi das melhores… Construímos a ideia de um apocalipse a partir de Salvador. Tem aquele filme “2012” que mostra o armagedom em Paris, N. York, Pequim, Sidney… Imagens do Mundo todo… Tem o Rio, o cristo Redentor e não tem Salvador (aí, aquela coisa bairrista ao extremo: “Porra, véi! E a Bahia?”)… Baiano tem essa mania ufanista… Até o apocalipse tem que ter aqui também… Hahahaha!! Sacou? A brincadeira é essa! “Chegou o final! Oh, tenha dó! De lá, abriu-se o chão e engoliu o Farol!”. É isso… Soul + sambinha!!!”
CD2 – 03 Dava Pra Ver by bandacascadura
A Verdadeira
“Eu tinha falado num texto lá no blog A Ponte que fez a ligação entre as duas praias: Bogary e Aleluia. (aqui a gente revela mais um detalhe na conceituação de todo o processo, não só da obra): Se a “Falsa Baiana” de Geraldo Pereira (que era mineiro do Rio) “não entra na roda, só fica parada, não samba, não mexe, não bole, nem nada… não sabe deixar a mocidade louca…”, a verdadeira baiana só pode ser a piriguete, né, não?! Queria fazer esse confrontamento de modo bem humorado, mas com poesia. Daí tem citações à outras músicas do cancioneiro moderno brasileiro: “Jeito de corpo”, “Folhetim”… E essa poesia veio no arremate do arranjo que foi bolado pelo Paulo Rios Filho, que faz parte do OCA (Oficina de Composição Agora), junto com Alex Pochat e outros compositores eruditos de Salvador. Atrair esses elementos dispersos também fazia parte de nossa ideia básica: OCA, Rumpilezz, Ronei… a boa produção local e em diversos campos musicais. O arranjo foi executado para flauta, fagote, oboé, violino e clarinete, aí Thiago pôs uma darbuka da Tunísia (que quando ele comprou eu tirei o maior sarro da cara dele e ele acabou mostrando o quanto esse instrumento é útil e bonito). Fez aquela ponte com aquelas coisas de Norte da África, sabe? O mesmo Magreb que invadiu a Península Ibérica, que veio parar aqui em naus… E com andré criou aquela parte final com baixo e bateria… Essa me surpreendeu! Acho que a galera vai estranhar mas vai curtir…”
CD2 – 04 A Verdadeira by bandacascadura
To Your Head
“Essa música foi uma colcha de retalhos. Porque eu comecei a fazê-la a partir daquele exercicio com os toques de candomblé que andré me mostrou… Lembra? Então… Ela é desse bloco de composições que vieram quase ao mesmo tempo… Tem “Lá ele!”, “Uma Lenda do Fogo”, “O Cordeiro”… Eu me baseei num trecho da execução de um ibí, que é o toque de Oxalá, que é um Orixá muito importante no processo de construção do disco. É um arquétipo associado à sabedoria, à assepsia e acho que a cidade precisa muito disso nesse instante… Enfim… Foi a partir da audição desse toque que escrevi a canção, pensando num mantra mesmo. Cada estrofe discorre sobre um arquétipo representado num orixá masculino do panteão do candomblé da Bahia, na ordem da semana… De segunda à sexta… Isso em inglês, porque eu queria ser o menos óbvio possível… Eu compus com o toque na trilha e montando pedaços de samples que eu tinha aqui em casa… Montei e mostrei primeiro a Graco Vieira, da Scambo, Bailinho… Ele achou que a ideia era boa. Até falou: “Lembrou uma mistura de White Srtipes com Rumpilezz…”. Eu fiquei com aquilo guardado. Já tinha conversado com Letieres (N.E.: o homem por trás da Orkestra Rumpilezz) da vontade de fazer algo com ele. Na real ele que puxou o assunto, falando que toparia algo com o Cascadura. Levei a ideia para andré que já tinha trampado com ele e Thiago apoiou 110%! Quem não quer trabalhar com Letieres? Além do grande músico, arranjador, da grande concepção musical, ele é um cara muito massa! Antropólogo natural! Contextualiza tudo! Foi massa! A sessão dele no estúdio foi algo a parte do processo todo porque ele mexeu com muitas coisas ali! E tudo muito bom, muito pertinente. Temos inclusive imagens dele regendo a Orkestra no estúdio: fenomenal! Só vendo pra entender… O massa é que nos aproximamos do esquema da Rumpilezz. Fomos nós quem saímos de nossa zona de conforto, por opção e nos entregamos ao conceito deles! E adorei fazer isso… Foi um risco calculado! Acho que deu certo.”
CD2 – 05 To Your Head by bandacascadura
O Cordeiro
“Essa discussão em torno do lance das cordas de bloco de Carnaval, que não é nova, nos levou a essa canção. Nos baseamos num vassi, toque cerimonial de Ogum, que é associado à guerra… O cordeiro no Carnaval está em meio a isso, né? Guerra, festa, confronto… Mas, a música não cria juizo de valor. Nem apoia ou condena a função do cordeiro. Apenas relata, contextualiza. Mas fica claro quando dizemos que “ninguém me convidou, mas aqui é minha casa…” Entendeu?! E há ali um entrelaçamento entre percussão, efeitos, bateria que é mágico! A galera pirou nessa música!
CD2 – 06 O Cordeiro by bandacascadura
Sonho de Garoto
“Era um desejo antigo também. Há tempos que Beto Bruno (Cachorro Grande) e eu combinávamos uma parceria. É uma canção simples, bem arranjadinha, muitas referências dos Beatles… É basicamente o que todos nós, que participamos do disco gostamos… Fomos gravar a voz do Beto lá em Sampa, no estúdio do Duda (N.E.: baterista de Pitty) e virou uma festa. No fim da faixa tem até a voz do Spencer (N.E.: Ricardo Spencer, direto de videoclipes) falando “Robertoooo!” Tava todo mundo na sala de gravação… E lá tivemos a ideia de citar “Chorando no Campo” de Lobão, como homenagem a ele… Ficou massa. Eu me amarrei! Levei a música quase pronta, mas sem letra. No estúdio de Duda, Beto deu os arremates e fizemos a letra ali, a quatro mãos… Foi rápido e pintou na hora… Dali surgiu a ideia de “o cinema é só ilusão”… Eu vejo como uma declaração de amor mal resolvido com o contexto da cidade… Tá ali pra dar leveza a todo o discurso também… Um disco se resolve assim também. A possibilidade plural é importante. A música cai como um balsamo. Eu gosto muito…”
2-07 Sonho de Garoto by bandacascadura
Nunca Imaginei
“Eu tinha o esboço dessa música havia muito tempo. Tinha um apego e um bloqueio com ela. Achava-a bonita, mas não conseguia escrever uma letra legal… Como já tinha conversado com o Nando (Reis) sobre a possibilidade de fazer algo juntos, liguei e perguntei se ele queria ouvir o esboço. Mandei uma demo caseira e ele me ligou dizendo que topava…. Uns dias mais tarde ele me ligou de novo e mostrou a letra e umas novas partes melódicas que ele havia bolado. Foi muito massa… Ele cantou as partes no telefone e já dava pra sacar que ia ficar legal ali mesmo… Foi isso. Quando eu mandei a demo eu expliquei o lance do conceito do disco, da abordagem e ele acabou oferecendo uma música muito leve pra falar de Salvador. Era um lance que tava faltando. Pra quem está dentro do processo todo, sob a cidade, mesmo amando-a, fica difícil dizer algumas coisas… E eu queria uma letra assim, com muito carinho e amor pela cidade, mas se eu fizesse só, talvez soasse piegas. Do jeito que ele propôs foi magistral. A canção ficou completa e o disco, mais ainda… Combinamos bem!”
CD2 – 08 Nunca Imaginei by bandacascadura
O Tempo pode Virar
“Acho que Jô que falou que “era a nossa ‘Breakaway'”.. Hahaha!!! Faz sentido. Power Pop com as coisas do Beach Boys e uma letra positiva. É uma abordagem esperançosa em relação ao que pode vir a ser, se formos suficientemente inteligentes… As vezes acho que só a moçada que tem hoje 8, 7 anos vai pegar uma Salvador realmente mais legal. A música fala dessa possibilidade…”
CD2 – 09 O Tempo Pode Virar by bandacascadura
Um Engolindo o Outro
“É blues… E a ideia era fazer uma faixa tão básica que tivesse somente o lance dos pés sobre o tablado e voz… Mas, acabamos experimentando outros recursos que foram ficando. Primeiro gravamos com uns amigos no Teatro Sitorne uma série de ritmos com pés sobre tablado e palmas, emulando aquele lance meio “work song”… uma coisa da tradição da musica do sul dos EUA. Tudo baseado no clima de blues rural… Uma vez, no estúdio, Du Txai (N.E.: guitarrista baiano) tava lá pra gravar um violão e um slide e acabou “brincando” com um berimbau que andré tem por lá. Na mesma hora a gente pediu pra ele experimentar nessa música e deu certo… E tem a ideia de fazer uma provocação: “berimbau no rock?”… Na verdade num blues… Bom… Jô tocou um violão com as cordas bem frouxas e debulhou… Ficou bala. Eu gravei a voz quase de cócoras… Tava sentada e bem curvado… Virou isso. Um reclame contra os programas “pinga-sangue” da hora do almoço… Ninguém merece. Acho que não tem nada pior na TV hoje em dia… É o tipo de coisa que não só nos nivela por baixo, mas nos põe pra baixo.”
CD2 – 10 Um Engolindo o Outro by bandacascadura
Cantem Aleluia
“Essa é a música que arremata toda a história. É a canção que fecha o álbum por vários motivos. Ela é a descrição da Salvador que parece se conservar mais autêntica: Subúrbio Ferroviário! São das imagens de lá que falamos em “Cantem Aleluia”… é outra provocação também, porque depois de tratar de tantas referências do candomblé, vamos a um texto repleto de referências Bíblicas. É quase um gospel! Eu refuto o preconceito ao debate com quem quer que seja. Acho somente que as pessoas tem que aprender a debater, respeitando as diferenças e pautando-se em argumentos sólidos… Lembra do lance da Salvador plural? Ela é evangélica também… Não quer dizer que eu esteja escrevendo para eles, mas não dá pra ignorá-los. O violão nela foi gravado por Du Txai… E é uma parceria entre mim, andré, Jô e Thiago. Foi a primeira vez que fizemos isso… E era a proposta mesmo.