Ao longo de 12 faixas, a curitibana Bruna Lucchesi deu vida a canções inéditas do poeta Paulo Leminski em seu novo álbum, Quem faz amor faz barulho.
Os posicionamentos e escritas de Paulo Leminski (1944-1989) sempre o associaram à contracultura, ao tropicalismo, ao concretismo e à poesia marginal. Nem todo mundo sabe, mas o poeta, escritor, tradutor, crítico e professor curitibano também se dedicou a fazer canções, com letras e música. Uma faceta como compositor não tão conhecida, mas considerável. Ele já teve, por exemplo, composições gravadas por artistas como Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes e Zélia Duncan. Além de parcerias com Moraes Moreira, Guilherme Arantes e Itamar Assumpção. Assim como nas poesias, essas composições trazem algumas de suas marcas, como trocadilhos, humor e brincadeiras com a linguagem, com experimentalismo linguístico e narrativo.
Parte de sua obra como compositor, no entanto, permanecia adormecida em registros quase desconhecidos. A cantora Bruna Lucchesi, conterrânea de Leminski, mergulhou nessas músicas e trouxe ao mundo algumas delas, incluindo canções inéditas. Em seu segundo álbum, Quem faz amor faz Barulho, a artista faz interpretações expressivas desse material, com um registro intenso das composições do poeta.
Sob produção de Ivan Gomes, e com arranjos coletivos feitos pela artista ao lado de Cecilia Collaço, Paulo Ohana, Vitor Wutzki e do próprio Ivan, o álbum é uma celebração do trabalho de um dos maiores nomes da cultura brasileira. Através de arranjos incomuns, guitarras distorcidas, em comunhão com um toque popular, atmosferas variadas, um canto marcante, o álbum se mostra um trabalho singular. Nele, Bruna consegue unir melancolia, experimentações e ousadia fazendo jus à obra do grande poeta Leminski.
O álbum, lançado pelo selo Pequeno Imprevisto, está disponível nas plataformas de streaming e tem ainda participação especial de Kiko Dinucci. Abaixo você ouve o trabalho e em seguida pode conhecer um pouco mais sobre cada uma das faixas descritas pela própria Bruna Lucchesi com exclusividade para o el Cabong.
Quem faz amor faz barulho por Bruna Lucchesi
1 – Quem Faz Amor Faz Barulho (Paulo Leminski) – feat. Kiko Dinucci
2 – O Velho Leon e Natalia em Coyoacán (Paulo Leminski e Vitor Ramil)
3 – Valeu (Paulo Leminski)
4 – Cigana (Paulo Leminski)
5 – Live With Me (Paulo Leminski e William Shakespeare)
6 – Luzes (Paulo Leminski)
7 – Energia Solar (Paulo Leminski)
8 – Poeta (Paulo Leminski)
9 – Oração de um Suicida (Paulo Leminski e Pedro Leminski) – feat. Paulo Ohana
10 – Esta Voz Está Sendo Ouvida em Marte (Paulo Leminski)
11 – A Você Amigo (Paulo Leminski)
12 – Se Houver Céu (Paulo Leminski)
Faixa a faixa
1- Quem Faz Amor Faz Barulho (Paulo Leminski) – feat. Kiko Dinucci
“Essa música quase caiu do repertório algumas vezes. Porque assim: até chegar nessa canção, a harmonia de todas é mega simples. Dois, três acordes, só tríade … De repente aparece essa com a harmonia toda torta, umas coisas que não encaixavam… A gente sempre se perdia. E na real isso me intrigou demais quando me deparei com a partitura dela no songbook – pensei ‘nossaaa, o que que rolou aqui? Com esse nome auspicioso e essa harmonia doida?’. Nós acabamos insistindo nela e nasceu esse arranjo que dá corpo à nossa obra, traz um pouco de São Paulo para história toda e ainda por cima tem o Kiko que arrasou muito na participação.”
2- O Velho Leon e Natalia em Coyoacán (Paulo Leminski e Vitor Ramil)
“Esta canção é a única que nasceu a partir de um poema de Leminski. Aprendi a cantar ela a pedidos da Luanda, uma amiga muito querida, e acabei me apaixonando pela canção. Neste poema, as ‘estrofes’ sempre terminam assim: ‘Você dormindo e eu sonhando’ ou ‘Eu dormindo e você sonhando’ ou ‘Eu e você sonhando e dormindo’ ou ‘Você e eu dormindo e sonhando’. Aqui, cantar Leminski e Trotski com ajuda do Vitor Ramil: é cantar a utopia.”
3 – Valeu (Paulo Leminski)
“Eu já conhecia ‘Valeu’. Parei para aprendê-la logo no comecinho de tudo sem a pretensão de incluir no repertório do projeto… Até porque a priori tudo começou como um pretexto pra desbravar as inéditas, as menos conhecidas… Mas não teve jeito. Depois que eu aprendi ‘Valeu’ e entendi qual é dessa música, não tive como não colocar no repertório e é uma das músicas mais fortes do trabalho.
Fiquei impressionada com como ela permanece tão atual. Comecei a cantar ‘Valeu’ em agosto de 2021, estávamos com esperança de sair daquele momento, mas não tinha como ter certeza. ‘Valeu’ é um hino de esperança.
Vale a pena contar para vocês do portal el Cabong a história da gravação. Quando o projeto nasceu, formamos um trio: Boi (ivan), Wutzki e eu e apresentamos o show algumas vezes sem bateria. Quando começamos a programar a gravação do disco, pensamos que seria legal incluir bateria em algumas canções, mas não todas… Só pra dar um peso nas gravações. ‘Valeu’ não era uma delas.
Chamamos a Maria Cecilia pra gravar com a gente e gravamos todo o repertório com bateria no fim do ano passado (no fim de semana da final da Copa). Tudo ao vivo, tudo certo. Depois, em fevereiro de 2023, o Alexandre Matias me chamou para realizar esse projeto no Centro da Terra e mostrar como o trabalho vinha se transformando ao longo do processo de gravar o álbum.
Esse seria então o nosso primeiro show com a participação da Maria Cecília em algumas canções. Começamos a ensaiar – é sempre muito divertido e inspirador tocar com eles – e a Maria Cecilia foi entrando em mais canções. O show foi ficando cada vez mais “rockeiro” com ela sentando a bota na bateria -hahaha.
Devo acrescentar que desde o primeiro momento ela vinha perguntando se tocaria ‘Valeu’, a música preferida dela do trabalho, e nós dissemos que não, que queríamos mantê-la como era e tal, só que à medida em que nos aproximávamos do show, acabou que naquela altura do campeonato essa era a única canção que ela não estava tocando no show. Sacanagem, né? Topamos experimentar e ela simplesmente arrasou.
Ao longo da primeira exposição da música ela desenvolve um rulo de prato que cresce e me remete a uns raios de sol.. Achei incrível. Todos nos apaixonamos por aquela versão ao vivo com ela, mas mantivemos a ideia de gravar a segunda parte do repertório ali por março/abril sem bateria. Corta a cena para o ensaio na véspera das gravações. ‘ok, vamos lá.. Valeu. poxa, mas sem bateria?’. Todo mundo estava pensando a mesma coisa… ‘será que não valia gravar com a Cecília?’
Por um milagre (porque aquela mulher é ocupada, viu) ou por destino, ela tinha o dia seguinte livre e veio correndo (e feliz da vida) gravar conosco e a música se transformou completamente. O Wutzki chegou com umas referências do Lennon que adotamos imediatamente, a música ganhou uma terceira exposição com um solo de guitarra e muitas camadas de vozes. Estou sorrindo aqui escrevendo isso para vocês.”
4- Cigana (Paulo Leminski)
“Essa é inédita! Eu como boa compositora de canções doloridas e endereçadas (tenho 3 canções dedicadas a ‘esquerdoboys’, boy líquido, boy lírico e boy luz(er)) fiquei intrigada com os versos: “Você me enganava malvada mal dava pra ver, nem prazer você dava”. Logo o Leminski que é (quase) sempre tão doce. Depois, quando aprendi a cantar os versos, achei genial como ele fez praticamente um groove com as consoantes dos versos. Nunca o ouvi cantar essa canção… devia estar doendo.”
5- Live With Me (Paulo Leminski e William Shakespeare)
“Um poema musicado pelo Leminski. ‘Live with Me’ acho que é a canção do repertório que pra mim tem uma conexão mais óbvia com esse cenário rural que eu venho trabalhando na identidade visual… É aqui que a minha vivência nas feiras de agropecuária aparece. Meu pai é agrônomo e passei a minha infância indo com ele e a minha família em feira de semente, fertilizante, boi, rodeio… Quando eu era pequena, morava nos Estados Unidos e cantava as músicas country que meu pai ouvia… Para mim toda essa vivência está aí dentro desta canção.
Eu vejo o trabalho de pesquisa da Estrela Leminski sobre a música do pai dela como uma investigação desse laço, como um gesto muito amoroso da parte dela em direção ao pai que ela ama, admira, sente falta. De alguma maneira, ao conectar esses mundos, eu me sinto de alguma maneira fazendo esse movimento também… Claro que do meu jeito, que tenho uma relação bem diferente com o meu pai, que é uma pessoa completamente diferente do Leminski.”
6 – Luzes (Paulo Leminski)
“A forma como Leminski descreve as imagens na letra dessa canção me fascina. Nesta canção a palavra ‘fosforescente’ aparece pela segunda vez no disco. A primeira é em ‘Energia Solar’. Me chama a atenção o uso dessa palavra nada óbvia e em canções tão diferentes. Quando eu canto ‘Luzes’ me vem a sensação de estar caminhando pela rua, aquele momento da madrugada em que trocamos de bar, um pouco ébria, levada pelas luzes e mistérios da noite.”
7 – Energia Solar (Paulo Leminski)
“Foi nesta aqui que tudo começou. O nome da canção me chamou a atenção ao folhear as páginas do Songbook Leminski pela primeira vez. Aprendi a tocar um pedacinho e postei no stories, o que me levou a ser convidada a participar do show comemorativo aos 75 anos de Leminski em Curitiba e agora estamos aqui.
Depois desse show, me inspirei a gravar uma sessão com um coletivo muito massa de curitiba chamado Estufa Sessions (veja abaixo). Decidi gravá-la na casa de campo dos meus pais que tinha acabado de ser construída, depois de uns bons 30 anos deles sonhando e planejando essa realização juntos.
Na época escrevi esse texto aqui: “
8- Poeta (Paulo Leminski)
“‘Poeta’, ‘Cigana’ e ‘Energia Solar’ são as inéditas do disco. Eu tenho uma teoria na minha cabeça de que elas foram compostas para mesma pessoa (provavelmente Alice Ruiz) meio que na mesma época. ‘Cigana’ é tão escancaradamente doída que soa como uma canção que veio a partir de uma briga besta e ‘Poeta’ veio pra remediar. ‘Poeta’ vem no disco com pouquíssimos elementos. Ela traz um sentimento de um amor tão puro e vulnerável que as palavras nos pareciam precisar de mais ar pra dar conta desse sentimento todo.”
9 – Oração de um Suicida (Paulo Leminski e Pedro Leminski) – feat. Paulo Ohana
“A primeira gravação desta canção é da Banda Blindagem. Lembro quando eu era adolescente e o rolê clássico da noite curitibana era ir assistir eles num bar icônico chamado Empório. Na época eu fazia aula de violão erudito e não me interessava por esse tipo de som… Confesso que hoje em dia tenho um pouco de raiva de mim mesma de nunca ter ido… Mas paciência. A única outra voz que aparece no álbum sem ser a minha é do Paulo Ohana aqui nesta faixa. Eu fiz questão de ter ele aqui não só pelo envolvimento no projeto, mas pra mim essa oração não faz sentido cantando sozinha.
No songbook, Leminski aparecem estas aspas da Alice Ruiz:
‘O Pedro tinha feito a primeira parte da música Oração do Suicida, que realmente é sobre uma decepção com a vida e o Paulo, não só entrou como parceiro, mas fez uma segunda parte, letra e música, que era tipo uma mensagem para o Pedro, de levantar o astral. O que foi confirmado ao Paulo que ele era compositor.’
Tão bom ter alguém pra levantar o nosso astral.
10 – Esta Voz Está Sendo Ouvida em Marte (Paulo Leminski)
“Me lembro que tinha tirado essa na primeira leva de canções pra uma live no aniversário do Leminski lá em 2021. Chamei o Paulo Ohana pra vir aqui em casa me ajudar a pensar nos arranjos, nas tonalidades e se eu deveria cortar essa ou não… Eu não estava achando meu jeito de cantar. Aí chega o Paulo e não me deixa cortar de jeito nenhum. Ele sugeriu algumas mudanças na harmonia e me ajudou a prolongar a parte do ‘não não não’ que sempre foi a minha preferida da música. Depois, na hora de montar o arranjo com a banda, o Paulo trouxe a referência de ‘Odeio’ do Caetano com a Banda Cê, assumindo a referência punk do trabalho. E tem tudo a ver com a música, né? acabou que também virou o meu momento de dar uns gritos no show e acho gostoso demais.
Eu me lembro de ter lido em algum lugar que essa música o Leminski tocava com o Duas Pauladas e uma Pedrada (Paulo Leminski, Paulo Pisco e Pedro Leminski) na noite curitibana lá pela década de 80.”
11 – A Você Amigo (Paulo Leminski)
“É o ‘Como Nossos Pais’ Leminskiano, né? Essa música me pega toda vez que eu canto. Acho impressionante como ela é simples e certeira. Durante o processo de gravação do disco, soube que a Estrela encontrou a gravação dela numa fita, sobreposta com outra gravação. Pelo que ela conta, estava gravada por cima (ou por baixo) de uma aula de política. Esse registro é precioso. Tenho muita curiosidade de ouvir na voz do Leminski. Ela no meu disco é o momento em que assumimos de vez a referência com Beatles.”
12 – Se Houver Céu (Paulo Leminski)
“Essa foi a última música a entrar no repertório. Me apaixonei por ela por uma série de razões. A primeira é que existe uma gravação INCRÍVEL dela num disco do Blindagem com o próprio Leminski cantando acapella (veja abaixo essa versão e outra com ele cantando e tocando). A segunda é que ele cita ela numa emblemática entrevista com o Aramis Millarch. o Aramis tinha feito uma matéria entrevistando os compositores da cidade (Curitiba) e não incluiu o Leminski. Aí o Leminski – que não era mole – chamou o Aramis pra conversar com ele sobre a obra musical dele e contar que ele era compositor, sim!!
Tem uma parte dessa entrevista em que ele cita ‘Se Houver Céu’:
‘(…) Eu não sou muito, muito criativo em termos de cadência de ritmo e tal, mas em termos de melodia, porra, em termos de melodia, eu vou dizer pra vocês. Me ache uma melodia mais bonita do que a melodia de ‘Se Houver Céu'(…) Se Houver Céu tem uma melodia exata, precisa, desenhada, eu tenho a facilidade da melodia, eu tenho esse dom. Sabe, esse é o meu forte. O Caetano falou isso, o Moraes também falou isso. Eu tenho essa sensibilidade, eu tenho uma inspiração melódica. Hoje, a minha poesia, ela faz uma melodia, ela sai cantada e não é melodia assim esculhambada. (…)’
(transcrição copiada do SongBook Leminski)
Nesse som eu toco um instrumento chamado Lapsteel que o Wutzki (guitarrista do projeto) manipula um delay em cima.”
Produção: Ivan Gomes
Arranjos: Bruna Lucchesi, Cecilia Collaço, Ivan Gomes, Paulo Ohana e Vitor Wutzki
Baixo: Ivan Gomes
Bateria: Cecília Collaço
Guitarra e Teclados: Vitor Wutzki
Voz, Violão e Lapsteel: Bruna Lucchesi
Participações Especiais:
Kiko Dinucci: guitarras e violão em Quem Faz Amor Faz Barulho
Paulo Ohana: violão em A Você Amigo e Quem Faz Amor Faz Barulho, voz e violão em Oração de um Suicida
Tomás Gleiser: taças em O Velho Leon e Natália em Coyoacán
Produção executiva: Manuela Weitzman
A&R Pequeno Imprevisto: Eduardo Lemos e Otávio Carvalho
Comunicação digital Pequeno Imprevisto: Pamela Prudente
Direção Artística: Bruna Lucchesi
Colaboração Artística: Paulo Ohana e Gio Soifer
Técnico de Gravação: Ivan Gomes no Estúdio Lebuá
Mixagem: Ivan Gomes no Estúdio Lebuá
Masterização: Otávio Carvalho no Submarino Fantástico
Capa: Marcus Braga
Fotos: Camilla Loreta
Figurino: Manuela Weitzman
Maquiagem e Cabelo: Clara Holtz